Nota: a análise a Mirror’s Edge: Catalyst será publicada nas próximas semanas. Visto que a cópia de análise ainda não chegou, conseguimos ter acesso ao jogo no dia de lançamento graças a uma cópia gentilmente enviada pela Kinguin.
Nunca fui um tipo de actividades ou de riscos físicos. O meu maior feito acrobático foi, durante um período curto da minha vida não só não ter medo de dar cambalhotas para a frente, como efectivamente conseguir fazê-las. Sou demasiado medroso, pouco flexível ou aventureiro para sequer cogitar um dia em fazer parkour, e o mais perto disso que algum dia fiz foi mesmo saltar os três últimos degraus de uma escadaria. Uma loucura, eu sei.
Ou provavelmente se algum dia tentar fazer parkour isso irá assemelhar-se a um dos mais brilhantes cold openings da versão norte-americana da série The Office, onde os personagens Dwight Schrute, Michael Scott e Andy Bernard decidem reproduzir o furor do free running à sua própria maneira.
Em 2008, e para surpresa de muitos jogadores e críticos de videojogos, a Electronic Arts lançou Mirror’s Edge, que em muitos aspectos remava contra a maré não só do próprio mercado como da política comercial e de pouco-risco da companhia. Não esquecer que no anterior a empresa tinha lançado o tremendo sucesso comercial Crysis, e que tinha acabado de lançar Army of Two (que ainda que fosse na terceira pessoa mantinha o mesmo tom de heroísmo bélico que demarcava o interesse do mercado) e é claro, Dead Space.
Apostar num jogo incrivelmente experimental para os padrões do mercado AAA, onde o risco tem de ser contido e é muito mais simples explorar fórmulas aceites e que sejam economicamente viáveis, maximizando os lucros do investimento de produção, do que tentar apostar em algo tão diametralmente oposto ao sucesso crítico dos seus FPS (e de outras empresas concorrentes).
Criar um jogo na primeira pessoa de high profile mediático com mecânicas de parkour, em que a incidência e a tónica recaem na movimentação e nas resolução das “plataformas” com pouco foco na componente de combate e um total impedimento de usar armas de fogo não era de todo o que o mercado esperava, nos meses em que ainda recuperavam do assoberbamento técnico que Crysis tinha constituído. Ainda para mais, Mirror’s Edge não só arriscava no tom mas também na estética e na composição do mundo, em que a cidade era maioritariamente constituída por uma paleta plana de um punhado de cores, e em que o branco asséptico dominava quase inteiramente o jogo.
Passam-se oito anos e a Electronic Arts volta a arriscar. E fá-lo mesmo sabendo que apesar da aclamada e reconhecida experimentação do jogo original não resultaram no sucesso comercial, ficando o jogo a meio milhão de cópias vendidas dos três milhões estimados.
Mirror’s Edge: Catalyst é o reboot/prequela do jogo anterior, e onde vamos desde os primeiros instantes conhecendo a vida da protagonista Faith Connors. A tónica continua a incidir na vida dos runners, ladrões e mensageiros que percorrem a cidade de Glass, sob um tom futurista onde as corporações tomaram o controlo e o domínio da governação.
Numa onda de vive la résistance, saltamos pelos telhados de Glass sob o ponto de vista de Faith, correndo e percorrendo a cidade a resolver pequenas missões e tarefas que nos obrigam invariavelmente a ir do ponto A ao ponto B. Mas, há uma gigantesca diferença em relação ao primeiro jogo: os developers do estúdio EA Dice “ouviram” algumas das críticas ao jogo original, que o definia como sendo excessivamente enclausurado e corredores com paredes invisíveis, que pré-determinavam toda a jogabilidade e que retiravam toda a noção de liberdade a um jogo que vive do free running.
Se há algo que beneficia o lançamento deste Mirror’s Edge: Cataclysm é a fluidez do desenrolar do jogo e dos muitos movimentos de Faith, herdada tecnologicamente do antecessor e exponenciada pelo poder da geração actual.
Apostar em transformar Mirror’s Edge: Catalyst num jogo em mundo aberto é menos arriscado para a EA do que o risco que a companhia correu há oito anos em apostar no jogo original. O mercado tem ditado que quase todos os jogos de grande impacto AAA têm de levar uma roupagem de mundo aberto, o que nos deixa a pensar se até num futuro próximo o senhor Miyamoto e companhia irão ceder à aplicação de open world ao seu Super Mario Bros. É descabido, eu sei, mas o mercado precisa de observar que nem todos os jogos ou franquias que têm sido adaptadas ou lançadas em sandbox o deveriam ser.
Ironicamente, se há jogo cujo habitat natural é o mundo aberto é sem dúvida Mirror’s Edge Catalyst. Transformar os périplos de Faith numa questão de liberdade de escolha para o jogador de decidir para onde ir e o que e quando fazer ajusta-se na perfeição à temática subjacente da série: a problemática da liberdade individual versus o jugo corporativo.
Mecanicamente a abertura do mundo para Faith é mais do que expectável. Por em prática todos os múltiplos saltos, slides, wall jumps e afins que fazem parte do leque de movimentos da protagonista, e que promovem a ideia de liberdade de locomoção acrobática numa estrutura arquitectónica aberta ao contrário dos corredores fechados que demarcavam o primeiro jogo.
O lado perverso da abertura do mundo é que coloca em evidência as vulnerabilidades da estrutura de missões. Não necessitamos mais de duas horas de jogo para perceber que existe uma certa monotonia nas missões principais e paralelas, que rotineiramente nos definem mais como meros tarefeiros do que como um elemento de destaque numa história que é tão frágil quanto as quests que a circundam.