Colegas,
Hoje escrevo-vos em registo de Alexandra. Registo mais pessoal, de quem largou formalismos para o artigo que tem para escrever há uma semana e de quem já não aguenta a bagagem que aspira atribuir aos videojogos daqui a uns tempos.
A E3, para mim, começou exactamente há duas horas e acabou há uma hora. No passado a Sony sempre me pareceu a que tomou as medidas mais sensatas relativamente ao posicionamento da empresa e dos seus produtos, cada vez mais demonstra o contrário. Mas não foi por isso que eu vim para aqui escrever, de todo. A conferência que assisti foi de muito poucas palavras, muitos trailers e revelações surpreendentes, como sempre sonhei que uma conferência deveria ser. Até tinham uma orquestra a acompanhar, ena!
Faz nesta altura sensivelmente um ano que entrei para o Rubber Chicken! Conheci gente impecável e super interessante, malta que considero muito próxima de mim no que toca a jogos de vídeo. Aprendi inclusivamente muita coisa, ensinei-me a jogar mais jogos em vez de jogar mais o mesmo jogo, perdi as contas, aliás. Joguei o The Witness, o Her Story. Joguei o Dark Souls 3 e o Bloodborne, joguei o Muramasa ReBirth, o Persona 4, o Hitman Go, o Sprinter (que jogo!), finalmente acabei o Portal 2 (depois de milhentas tentativas deixadas para trás no último capítulo, desde o dia que saiu, em 2011), o Toki Tori, o The Swindle, o Sword And Sworcery EP e o Jet Set Radio. Joguei o The Order 1886. O Metal Gear Solid V. Joguei todos até ao fim e gostei de todos estes, são jogos incríveis. Todos estes jogos têm algo a dizer e representaram um risco, maior ou menor de alguma forma. Jogos que citei representaram o duro trabalho de algumas pessoas durante vários anos, ou o investimento de muitos euros para trazer ao dia de ontem o aspecto e jogabilidade dos jogos dos dias de hoje. Jogos de quem tencionaram desafiar a indústria de alguma forma!
Sei de muito pouco sobre o que mais se passou na E3, na verdade. Acho que há uma Xbox One slim e diz que há um remaster para o Skyrim (uau!).
A conferência da Sony foi porreira, acho que a grande maioria das pessoas a achou acima da média. Eu também. Uma coisa pelo qual não os posso acusar é de terem engonhado, na verdade, pareceu-me que os jogos brilharam muito mais numa hora do que numa hora e meia com montes de paleio desnecessário de CEOs e malta de marketing. Foi também o maior espetáculo de hollywood dos últimos tempos (para alguém que é tão pouco instruído em cinematografia, como eu).
Eu não poderia estar a ser mais honesto quando digo que esta E3 foi o showroom mais banal que me lembro desde que me lembro de alguma E3. Eu não esperava que transformassem um evento direccionado para as massas do gaming numa galeria de arte, mas a única coisa que eu queria é que houvesse alguma coisa. E não houve. Eu tenho vergonha de dizer que a única coisa que me deixou mais genuinamente interessado em toda a panóplia de jogos apresentados foi um teaser do gajo mais ingrato, mais indevidamente renomeado e mais falsa vítima em toda a indústria dos videojogos. Houve um jogo de motoqueiros num cenário pós-apocalíptico com avalanches de zombis (que fico muito feliz que tenham conseguido, BendStudios! É bastante bom ver-vos crescer como estúdio, no irony involved!). Puxem por mim, realmente não me vinha nada mais original à cabeça para fazer um jogo.
Vamos lá ver, todos entendemos que a produção dos videojogos cresceu a um ritmo quase exponencial, não só nos tamanhos das equipas como também nos investimentos exigidos – é cada vez mais arriscado e dispendioso fazer um videojogo capaz de impressionar o público generalista, e por isso faz também sentido mobilizar essa experiência para o mesmo público, para as avalanches de texto no ecrã que me tratam como um ignóbil. Que se lixe a capacidade de me ensinarem através dos sentidos, que se lixe tudo aquilo que os jogos poderiam transmitir e os livros não. Para que raio existe o cinema se a acção apenas existe no diálogo e para o diálogo? Ah espera, talvez todos os pixeis envolvidos na questão sirvam para mostrar a qualidade dos efeitos especiais e os actores bonitos, que acabam por ser sempre os mesmos (e porque motivo o Troy Baker continua a receber todos os trabalhos de voice acting na indústria dos videojogos, porra!).
Na conferência da Sony não houve um momento em que sentisse que a indústria estivesse a ser desafiada. Não houve um Little Big Planet a contrastar com a enchente de shooters e jogos banais, não houve um Shadow of the Colossus! Não houve um Vib Ribbon ou um PaRappa the Rapper.
A sensação que tive nesta conferência foi exactamente a mesma que tenho sempre que passo junto a um cinema e olho para os filmes em cartaz. É passar meses e meses sem descobrir uma nova banda musical decente. A mesma sensação de acordar, num sábado de 2016, às sete da manhã, ligar nos desenhos animados e perceber que são todos merda. É a realização da banalização e padronização do entretenimento que nos é dado, em favor do público, em desfavor do criador. Não importa quem fez, importa para quem é.
Neste momento, há muito pouca gente que tem carta branca para fazer o que quiser, no mundo dos jogos, e não há nada mais triste que isso. Ah, espera, os criadores indies têm carta branca, mas abdicam do seu ordenado na empresa que poderiam estar a trabalhar, abdicam da sua vida como projecto em detrimento daquilo que verdadeiramente amam e que hoje se mostra sem qualquer amor em cima de um palco.
Eu adoro jogos de vídeo. Adoro, juro que adoro.
Mas é depois de momentos como estes, tão sem graça e tão banais e generalistas, que compreendo que os jogos de vídeo não são feitos para mim, na verdade, até duvido que sejam feitos para alguém que realmente os adore. E é nesta frase que sinto desencontros, e motivo para largar o comando para nunca mais o voltar a agarrar.
Obrigado pelo vosso tempo nestas 1036 palavras, um grande abraço.
Bernardo.