maxresdefault-5

Após largas horas dedicadas a visionar conferências e debater o conteúdo das mesmas, a falta de sono leva-me para um destes momentos onde a iluminação “intelectual” confunde-se com o raciocínio alcoólico de um sócio de tasca.

Não tenho por hábito acompanhar as E3 que não garantem o anúncio de algum hardware suscetível de criar mudanças de fundo nos dispositivos de casa.  Quem está fora dos caprichos do consumo de primeiro dia pode deixar os jogos serem digeridos pela experiência das massas até chegarem às nossas mãos com as devidas recomendações e um preço acessível: não há pressa. Isso implica que o meu entendimento na matéria não se baseia numa acumulação enciclopédica de memórias e relatos mas antes na amplificação dos contrastes provocados por anos sem se ver. Vi o E3 2016 e o gajo mudou bués. Já t’explico:

A Ditadura dos universos

50-shades-of-grey-gray-dot-js

A indústria dos videojogos sempre sofreu de uma certa uniformização dos gameplays. Basta pegar num emulador de Super Nintendo e passear pelo seu catálogo para perceber a vacuidade da indústria que multiplicou a sua versão do “Mario” conforme a propriedade intelectual disponível, seja ela uma mascote genérica criada de raiz ou proveniente de horizontes culturais mais sofisticados. Não poderia portanto, por mais que fosse tentador, fazer do problema uma tendência moderna até porque o progresso técnico tem permitido atenuar essa situação. O mal moderno visível nesta E3 reside numa recorrência das temáticas. À medida que a narrativa foi ganhando importância, as diretrizes nessa matéria tornaram-se cada vez mais limitativas de forma a agradar o que aparenta ser um público cada vez menos plural nas suas expectativas. Consigo apontar três destas caricaturas:

  • O jogo cinzentudo com um conjunto de carecas do espaço enlatados em body armours desproporcionais.
  • O jogo do universo pós-apocalíptico que mistura biodiversidade robotizada com caucasianos regressados à idade do bronze. A probabilidade do protagonista ser do sexo feminino é grande pois só num contexto de destruição completo da civilização humana se pode supor o fim do patriarcado.
  • O jogo de zombies. Caracterizado por ter zombies. Muitos.

Modernices I: A influência do E-sports

okayyy

O atletismo de indicadores é o novo filão lucrativo da indústria. Não há como negar a importância de saciar a fome de protagonismo do millenial permitindo-lhe interagir com um ecossistema competitivo que o possa de alguma forma valorizar. Calha bem porque para os criadores a vantagem de ter um jogo tornado modalidade representa um ganho financeiro significativo. Imaginem que o “inventor” do futebol tivesse patenteado a modalidade no seu todo, podendo apenas praticar temporariamente quem tiver pago para desfrutar dela. Precisas de uma bola? É a este tipo que a tens de comprar. Queres jogar com os teus amigos no jardim? Tens a licença paga? O teu equipamento está atualizado? Se não estiver não podes jogar. Simples. O Desporto cyber é a possibilidade de subtrair o atletismo da anarquia das leis naturais e do espontâneo. Criadores de softwares, hardwares… Todos sentiram a necessidade de manifestar a sua dedicação ao tema. Por vezes com novidades concretas sobre o refinamento dos torneios e os seus prémios respetivos, por vezes limitando-se a dizer que o relvado estava a ser regado e que o melhor estava para vir (aka Por favor não fugir para a concorrência). Em todo o caso, graças ao raciocínio “e-sports” é toda a indústria das franquias anuais que passa a deixar de inventar esboços de inovação enquanto os restantes capitalizam nos DLCs que prolongam a vida útil da sua galinha dos ovos de ouro. São escolhas. Não é de estranhar que num ecossistema destes os anúncios de campanha single player sejam motivos de festejo. A cereja no topo do bolo? Poder jogar sozinho.

Modernices II: O let’s playing 

DSC_0008

Enquanto a Nintendo não demonstra grande flexibilidade para quem grava as suas jogatanas para Youtube ver, o Zelda Breath of Fresh Air teve direito a uma sequência de gameplay interminável. Quase uma hora de jogo corrido desde o seu princípio. É toda uma primeira experiência revelada com o gamepad fora de mão, como naquelas tardes onde o c*****o do primo nunca mais nos passava o comando e era preciso fazer birra para acariciar os apetecíveis botões coloridos e salientes. A Nintendo não foi a única e não faltaram os jogos que substituíram a demonstração dos elementos essenciais por largos minutos daquilo que passado 10 minutos já sabe a rotina. Não tenho dúvidas que essa opção se inscreve nos novos meios de consumo que colocaram na ribalta ilustres desconhecidos e o seu coro de banalidades. A culpa é vossa. Putos.

O DLC sem complexo

Este ponto já foi referido na “e-sportização”. É um espanto que já não espanta. Os DLC sejam eles pré lançamento ou pós, detalhados ou vagos… Todos são bovinamente aceites ao ponto de já não merecerem raciocínio. Sinto a obrigação de recordar que este já foi um braço de ferro que os consumidores pretendiam ganhar. Como é que é?

Hoje anuncio amanhã vendo

Nem tudo é mau neste maravilhoso mundo da E3. Tendo em conta o ADHD provocado por massas hiper estimuladas pela abundância de canais infanto-juvenis, as trends que nascem de 5 em 5 minutos não permitem deixar grandes espaços de vazio para não cair no esquecimento. Para solucionar o problema, a distância entre o anúncio e o lançamento pode agora ser uma questão de dias ou até de horas. Esta manipulação comercial será sem dúvida lucrativa por estimular o imediatismo… Nem tudo é mau. Tem o mérito de nos poupar a anos de Press releases.

A Caridade Indie

image

O Indie esteve presente na maioria das conferencias triple A. A apresentação dos mesmos surpreendeu-me na forma. Cada um sacou do seu jogo… Não havia espaço para mais. Sempre a recordar os valores de financiamento dos projetos, o tom era de condescendência paternalista. Um pouco como se o Lebron nos viesse explicar que o rodinhas, aqui ao lado, também prática basquete à sua maneira nos para-olímpicos… Isso pode não merecer tempo de antena mas merece algum respeito! Espantou-me esse abraço distante. Prova que para o 1% há jogos que são mais jogos do que outros.

Nintendo e a sua casa na árvore

Não me recordo do momento em que a Nintendo se separou da E3 mas o nome deste ano tem algo de caricato. “A casa na árvore.” Só consegui visualizar um conjunto de executivos birrentos a saírem do gigantesco Los Angeles Convention Centar para se refugiar no safespace de uma casota de madeira algures numa palmeira californiana. A Nintendo não é uma marca qualquer. Sobreviveu ao videogame crash de 83 e construí um império em cima das suas cinzas. As coisas não eram suaves e coloridas para criar uma identidade. As coisas eram como eram porque eram as melhores e a Nintendo assumia-se como a melhor. O Espaço global dos videojogos era o seu feudo e quem quisesse isolar-se teria que montar a sua tenda no parque de estacionamento.

Há algo de perturbador nessa quarentena que ninguém pediu.  Pode não implicar nada em termos pragmáticos mas em termos simbólicos simboliza uma ruptura com um mundo não só feito de Sony e Microsoft mas de múltiplos intervenientes. Faz falta à Nintendo ambicionar ter a melhor conferência. Faz falta a Nintendo ambicionar a conquista do planeta. A Fanbase pode não o dizer. Pode nem sequer ter consciência dessa vontade… Mas faz falta.

O velho hardware novo 

genesistower

Hardware Gang Bang vol 20

Tanto a Microsoft como a Sony já indicaram que as suas consolas irão receber um upgrade capaz de cuspir 4k aos televisores capazes de o aguentar. Embora a Nintendo seja profissional na matéria no que se refere às suas portáteis, quebra-se o tabu da evolução nas consolas de sala. Com relativamente poucos anos de vida, o ambicioso Project Scorpio deixa entender que os dias pachorrentos das imutáveis gerações de consola podem ter os dias contados. Em kit ou através de uma nova consola, o meu masoquismo faz-me desejar o regresso dos apêndices da Sega.

O VR sem stress

Praticamente ausente da conferência Microsoft, o VR está ainda longe de suscitar o nível de destaque atribuído outrora aos diversos “motion controllers”. A Sony limitou-se a apresentar 4 jogos de franquias conceituadas nos géneros expectáveis para o dispositivo. Ser o Batman, pilotar um X-Wing, apanhar um cagaço com um Resident Evil ou ser um male escort japonês na luta armada com monstros, estas são as promessas para quem decidir desembolsar 400 euros.  O mais surpreendente é o nível de autonomia das editoras relativamente aos dispositivos. Desde o Samsung Gear VR do Minecraft até aos HTC Vive disfarçados com fita adesiva, nenhum dos atores do mercado parece ter ativamente patrocinado a introdução dos seus dispositivos na lista de compatibilidades. O mercado aparenta estar subdividido entre os dispositivos 4k e os “antigos” o que deixa entender que poderá ter havido alguma precipitação na apresentação dos mesmos. O Caso da Microsoft é o mais flagrante pois a sua apresentação do Scorpio faz referência às exigências técnicas de tal dispositivo. Para o consumidor esta situação é particularmente desconfortável pois dificulta a escolha e poderá provocar um arranque lento das vendas. Esperar para ver.

License to buy


God of War 4 promete ter o Kratos. Não pretende ter um gameplay God of War. Não pretende ter um Kratos ao estilo de God of War… Mas efetivamente é e será o quarto God of War. O novo Call of Duty apresentou um jogo tão singular relativamente ao expectável que o surgimento do título no fim do trailer conseguiu calar por meio segundo a aberração conhecida como chat do Twitch. Resident Evil 7 parece-se em tudo ao pré-maturo P.T.. Se juntarmos a estas mudanças internas todas as sequelas apresentadas, o número de franquias que parecem não ter fim é cada vez mais significativo e isso implica visivelmente uma dependência à “marca” que ultrapassa qualquer consideração sobre o que essa marca poderá representar. Se esta aposta por parte da indústria estiver certa, o valor de uma franquia reside mais no seu nome do que em qualquer outro fator substancial.  Assustador? Gamers

Se eu basear-me no painel VIP do Battlefield I, o público alvo gosta de “fragar” ao som de Gin and Juice enquanto recorda carinhosamente o swag de Jamie Foxx e o sex appeal do moço de High School Musical. A minha surpresa só revela o meu preconceito e a minha falta de entendimento deste fabuloso mundo novo. Recordar dramas históricos em grandes sessões de entretenimento virtual já não é o exclusivo do sujeito cujo traseiro entrou em simbiose com o sofá da cave. Desconhecendo-se os valores que garantiram a sua presença, ocorre-me que Snoop Dog, Whiz Khalifa, Zac Efron e Jamie Foxx poderão estar a precisar mais da fama do Battlefield do que o inverso.  As voltas que o mundo dá.

E é isso… Ainda estás aqui?