SWAG

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Sabem o que faz falta? Um bom jogo do Zorro. Cavalgar pelo deserto californiano com o seu fiel Tornado, salvar a viúva e o órfão da ignóbil ocupação latina grafitando têxtil com a sua espada afiada, voltar para a sua confortável hacienda após um dia produtivo a atormentar um guarda obeso e subqualificado… O sonho! E o Robin dos Bosques? Isso é que era! Renunciar ao conforto senhorial para viver no mato com um conjunto de hippies armados num ecossistema de autogestão altamente interventivo nas questões de distribuição do capital. Mais um caso de uma propriedade intelectual do domínio público a não receber os favores da indústria.

Sherlock Holmes, talvez por ser uma figura mais consensual do status-quo da sua Majestade, parece ter encontrado na Frogwares um estúdio comprometido em manter vivo a lenda do detetive do cachimbo.

Este jogo é o sétimo desenvolvido pelo estúdio ucraniano e mantém grande parte dos elementos do seu predecessor. Enquanto a deslocação efetua-se em third person, a interação respeita moldes semelhantes ao point and click, em que vamos inspecionando interlocutores e fragmentos do cenário de forma a coletar todos os indícios necessários à progressão da história.

Mexer em cenas. Yep

Mexer em cenas. Yep

Essas fases são intercaladas por enigmas variados com um grau mais ou menos intenso de QTE e gimmicks diversas. Tendo em conta o lado particularmente fastidioso do processo, o que sustenta o prazer do jogador reduz-se essencialmente ao guião que provoca a imersão necessária para fazer esquecer o dirigismo. Ao contrário de um LA Noire, Sherlock Holmes é particularmente conservador. Nenhum elemento interactivo dispensa o “click” o que torna a progressão particularmente linear. O sistema de dedução que permite criar teias de raciocínio incertas tem a sua piada mas na altura de formular acusações, as opções de intepretação são essencialmente subjetivas pois acabamos invariavelmente por ter todos os elementos.

Os neurónios que guiam o raciocínio.

Os neurónios que guiam o raciocínio.

Tendo raízes literárias gaulesas confesso nunca ter dado grande valor à personagem. Se omitirmos a série animada do Miyazaki e ter lido o cão dos Barskervilles, mantenho uma relação irracionalmente chauvinista com o Maigret do Simenon. As minhas expectativas para um jogo do Sherlock Holmes mantêm-se portanto aberta às interpretações. O Sherlock deste Devil’s Daughter troca o charme robusto do narigudo de chapéu e cachimbo pela mandíbula viril do John Hamm e a farda tenebrosa da versão Guy Ritchie. O seu acólito Watson perde o seu lado redondo e cultiva um estilo GQ Vitoriano esculpido por uma qualquer barbearia misógina: nada de particularmente desconcertante para as mentes menos ortodoxas.

As interpretações bastante irregulares não beneficiam da rigidez da animação e da fraca expressividade facial. O rosto estóico do Sherlock é demasiadas vezes contrastante com a sua grande emotividade vocal e não consegui acabar o jogo com um particular apreço pela personagem. Apesar disso, o fundamental destas narrativas reside essencialmente nas personagens secundárias que compõem o mistério. Nesse aspeto nada de negativo a assinalar, a representação é competente.

Don Drap... Sherlock Holmes

Don Drap… Sherlock Holmes

Relativamente às novidades, Sherlock Holmes: The Devil’s Daughter vai buscar aos AAA grande parte das suas ambições algo que abandona após 30 minutos de jogo. Confesso nunca ter tido uma primeira experiência tão negativa num videojogo. Tendo em conta a existência da componente third person, o jogo procura explorar essa faceta através de um mundo aparentemente aberto mas que nunca chegaremos a utilizar voluntariamente. Não existindo qualquer benefício em passear pelas ruas vazias de possibilidades, a deslocação entre locais de relevo faz-se de coche com generosos loadings à mistura.

Na primeira aventura, o jogo faz questão de nos comprometer a essas “novelties” através de uma sequência palpitante de procura de um endereço sem GPS e uma perseguição a um suspeito que compila o pior de Assassin’s creed com QTEs abundantes de uma mediocridade que rivaliza com os party games mais pornográficos da Wii.

Aquilo que pretendia ser uma janela técnica para as novidades tornou-se um momento penoso que me deixou a salivar perante a possibilidade de uma crítica assassina. Embora este tipo de sequências se tornem muito ocasionais, tive pouca pachorra para fases de infiltração mal concebidas ou manter o meu personagem equilibrado mantendo dois cursores dentro do círculo através dos analógicos.

Os enigmas são igualmente muito variáveis em qualidade. Se decifrar pictogramas Maias tem o seu charme, adivinhar a sequência com que se deve engraxar sapatos, sem qualquer introdução prévia, é completamente insano para qualquer jogador que não seja um banqueiro septuagenário. Felizmente a lucidez toma conta destes piores momentos sendo possível saltar qualquer contrariedade com um cínico botão “skip”.

Gameplay "estado da arte"

Gameplay “estado da arte”

Tudo isso resume aquilo que é jogar a este Sherlock: Um passeio agradável por um universo moral cinzento com uma mala de 20 quilos às costas chamada ambição. Perante os meios nitidamente limitados, a boa vontade dos criadores dispersa-se em desejos de inovação que tudo pioram. Sherlock Holmes, apesar do seu espaço decente nas prateleiras, não deixa de ser um jogo humilde que exige uma apreciação feita de muitos “apesar”. Se ansiarem por um jogo do género e tiverem a carteira folgada este Sherlock Holmes: The Devil’s Daughter não deverá desapontar. Infelizmente para um número significativo de “consumidores” o produto é demasiado mediano para sobreviver à avalanche de lançamentos mensais. Temos pena.