Quando escrevi sobre o rescaldo da Nintendo na E3 de 2015 nem sonhava o que os próximos meses trariam de tristes notícias. Sentia a falta da Nintendo exuberante e confiante, e o Nintendo Direct ainda que dirigido directamente ao coração e à alma dos fãs da companhia, parecia um passo excessivamente cauteloso. Temia eu que a brilhante e quase maravilhosamente ingénua decisão de substituir as figuras emblemáticas da companhia por Muppets era uma forma de resguardar a imagem de Iwata, cuja saúde já deveria encontrar-se debilitada, e que infelizmente acabaria por falecer menos de um mês depois.
Pensar na E3 e na Nintendo remete-me automaticamente para o reflexo quase-pavloviano de sentir um nó na garganta, de assumir aquele Nintendo Direct como o canto do cisne da única figura da indústria cuja morte me arrebatou emocionalmente. Fanboyismo, proximidade, são algumas das explicações que podem indicar o porquê de eu ter sentido isso com a sua morte. Ou talvez o grande intuito de Satoru a criá-las era criar esta ponte directa, quase metafórica, entre a sua paixão inegável pelos videojogos directamente a nós que o observávamos com os seus gestos característicos.
Ver uma E3 sem uma press conference condigna entristece-nos pelo peso histórico. Uma E3 sem sequer um Nintendo Direct é algo que custa a digerir. A E3 com a Nintendo a refugiar-se na sua Treehouse deixa-nos a pensar. Mas é uma E3 sem a participação (ficcionada ou real) de Iwata o que nos corrói verdadeiramente no âmago.
Um Treehouse chega?
Ninguém esperaria uma conferência, porque a Nintendo tem-se reservado a esse tipo de eventos apenas para grandes destaques. Mas os Nintendo Directs tornaram-se o nosso compagnon de route da E3 e da Gamescom, e era o que eu pessoalmente esperava. Um Nintendo Direct muito centrado nos dois grandes lançamentos dos próximos tempos: Zelda e Pokémon, e a grande certeza que a NX seria falada noutro período de menor burburinho mediático. A Nintendo precisa de ter todas as câmaras, todos os soundbytes, todas as linhas de texto impressas ou digitais centradas na sua próxima aposta, e falar do projecto neste momento seria apenas uma dispersão da atenção do muito (ou muito pouco) que se foi revelando de press conference em press conference.
Quando percebi pelos agendamentos da E3 que o que a Nintendo iria apresentar seria um Treehouse, curiosamente o segmento que usualmente se seguia aos NDs e que eu raramente tive interesse em ver. Sem desprimor para o formato, sempre houve algo no tom “programa da manhã” que senti desadequado para as minhas expectativas, mas sendo a única “presença” mediática da Nintendo fiquei atento.
Não sem sentir antes uma espécie de desilusão, de medo alheio pelo estado em que deveria estar a companhia agora que a incerteza sobre o que será a sucessora da Wii U, e de que forma a marca se vai posicionar daqui para a frente.
Zelda: o não-tão discreto show stealer
Eu sei que se falou de outras coisas, e que se passou algum tempo a falar da minha muito esperada sequela de Pokémon. Mas convenhamos: The Legend of Zelda é a definição e o enquadramento do que um show stealer é, e a demonstração que é possível captar todas as atenções com o máximo das descrições.
É fácil sentirmo-nos enganados pela dimensão da Nintendo. A timidez da sua presença na E3 quase que faz esquecer do seu gigantismo, do tremendo espaço que ocupa no mercado dos videojogos, do passado, passando por hoje e certamente estendo-se até ao futuro. Um Treehouse é a forma mais pequena de ver um gigante apresentar-se na E3, mas é ironicamente a partir de um espaço de poucos metros quadrados que a Nintendo roubou todo o mediatismo do certame, como comprovado pela análise levada a cabo pela Brandwatch.
The Legend of Zelda pode não ser a série de maior sucesso comercial da Nintendo mas é certamente uma das mais acarinhadas e com seguidores mais fiéis. Não é preciso ser-se o maior fã da companhia (e da franquia) para sabermos que de iteração em iteração há uma tremenda atenção ao detalhe que eleva sempre a fasquia de cada produção para resultados qualitativamente surpreendentes.
Legend of Zelda: Breath of the Wild, é tudo aquilo que estávamos à espera e muito mais, inexpectavelmente mais. Das brilhantes decisões artísticas que nos transportam para um novo rumo visual para a série, passando pelos muitos momentos de pura genialidade que os minutos de gameplay puderam deixar antever.
Todos ficámos ansiosos em tocar neste Breath of the Wild. Não é portanto surpresa a informação de que a fila mais longa em toda a feira era a da Nintendo, que, relembro, esteve presente no certame sem pompa e circunstância, sem ruído artificial ou maquinações e hype. E fê-lo, ironicamente, com aquilo que deveria ser a essência deste meio: jogos cuja qualidade falem por si só, que nos arrebatam pela sua mestria e que nos conquistem pela sua unicidade. E Breath of the Wild soube cumprir tudo isto.