Sabem aquelas coisas que provamos e no imediato, não sabemos dizer se gostamos ou não? Como aquelas comidas que nos deixam baralhados, porque têm um sabor tão “estranho”, que o nosso palato não reconhece bem se gosta.
Foi mais ou menos isto que me aconteceu com Anima – Gate of Memories.
Este ano ainda não tinha pegado em nenhum jogo Indie – acho que no Rubber acham que Alexa rima bem com AAA (e eu não me importo nada com isso) e por isso ainda não tinha tido a oportunidade de me deliciar com a originalidade e coragem de um Indie. Se pensarem bem, os jogos de produtoras mais ou menos independentes, estão em muitos melhores condições de poderem arriscar e ser criativamente mais corajosos do que jogos com grandes orçamentos – esses, compreensivelmente, têm muitas preocupações com vendas que obrigatoriamente têm que compensar o investimento feito. E com esta premissa, de quem espera um jogo criativo e diferente de uma produtora independente, peguei neste Anima.
Anima assume-se como um RPG de acção, cuja história é baseada num jogo de tabuleiro e colecção de livros com o mesmo nome. A produtora, Cipher, trabalhou com os criadores naquele a que chamaram: Anima Project, e através de uma angariação de fundos no famoso Kickstarter em 2013, conseguiram o suficiente para poderem dar corpo ao seu projecto. E assim nasceu Anima – lançado em Maio de 2016 para PC, Xbox One e PS4. E valeu a pena a espera e desenvolvimento de 3 anos?
Olhem.. .não sei. Como disse quando comecei a escrever este artigo, não faço ideia ainda se gostei ou não.
Vamos por partes – pode ser que juntos consigamos descobrir se este jogo merece o nosso precioso tempo de gamer.
Anima conta a história de um Mundo que está à beira do seu fim. Vivemos em Gaia, e iniciamos a jornada na pele de uma menina sem nome (não é Arya), a que todos se referem como: Bearer of Calamities. Esta menina faz parte de uma organização, Nathaniel, que existe para evitar que os demónios invadam Gaia. Por um evento que não conhecemos na sua totalidade quando o jogo começa, o equilíbrio entre Mundos que Nathaniel conseguiu manter até agora, está em risco, e tudo depende de encontrarmos um livro: Byblos, que retém nele o poder de conseguir restaurar a ordem no caos que começa a surgir. A Menina sem Nome é, aparentemente, a única que consegue conter Ergo Mundus, um demónio que ela carrega consigo e que está aprisionado num… livro. Sim: estas são as duas personagens principais do nosso jogo: uma Menina Sem Nome e um Demónio que vive num livro. E com esta introdução, lá vamos nós explorar.
Depois da típica primeira parte de tutorial, onde aprendemos tudo o que precisamos saber sobre os movimentos básicos e de combate da Barrier of Calamities, somos lançados na exploração do mundo, que quer ser um “Mundo Aberto”, a procura de Byblos. Pouca exploração depois, encontramos Red Lady, que aparentemente foi mentora da Menina sem nome, e 5 minutos a seguir, aqui temos a primeira Boss Battle, com esta senhora. E nesta Boss Battle descobrimos que podemos alternar, com apenas uma tecla, entre jogarmos com a Menina sem Nome que é a Portadora das Calamidades e o Livro que é um demónio super poderoso. Podemos fazê-lo a meio de uma batalha, a meio de um puzzle, da exploração de um sítio – como quisermos. E como Ergo tem características de combate diferentes da Barrier, quer seja nas magias, movimentos, como na própria eficácia contra determinado tipo de inimigos, temos que ser inteligentes para saber onde optar por jogar com Uma ou Outro. E com esta descoberta logo no início do jogo eu pensei: “Isto é muito bem pensado – já que as personagens são ambíguas e não sabemos muito delas, podemos ir conhecendo uma e outra à medida que vamos avançando”.
Estava verdadeiramente entusiasmada, até porque a Boss Battle com a tal Red Lady que encontrei, foi bem mais difícil do que eu à partida anteciparia. Logo a seguir à batalha com a senhora de vermelho, somos lançados no limbo e acordamos numa torre. E aqui –para mim, é que a coisa descambou.
Na Torre descobrimos a nossa Skill Tree, típica de um RPG, onde podemos ir construindo ambas as personagens de acordo com a nossa jogabilidade. Mas é uma árvore de talentos tão desnecessariamente intrincada e complicada, que damos por nós a limitar-nos a “atalhar caminho a eito” (como se diz na minha terra – que é como quem diz: ir sempre em frente), para não perdermos tempo necessário. E depois começamos a explorar a torre e a história. E aqui, instala-se a P**a da Confusão. É muito bom ser um jogo de mundo aberto – um jogo que não quer dizer ao jogador onde ele tem que ir. Um jogo que quer que o jogador siga o seu próprio caminho, sabendo que as suas escolhas têm impacto no final (ou possíveis finais) da história. Mas quando esse Mundo aberto não te diz porra nenhuma do que está a acontecer, nem o que é suposto fazeres ali, nem porque é que activaste esta ou aquela cutscene, nem o que isso implica, limitamo-nos a explorar “à toa”. Sem rumo. Para trás e para a frente a tentar fazer sentido de algo que não estamos a entender.
Sim – não é preciso que um jogo te leve pela mão e te explique tudo – eu pessoalmente, adoro ser desafiada. Mas se um jogo está a ser construído com base em duas personagens, não é suposto criar interesse no jogador para que este queira conhecer melhor as suas personagens? Pelo menos, algum fio condutor que nos leve a entender as implicações de uma possível decisão que iremos tomar, e que poderá decidir um dos seus finais? A maior parte do tempo em que eu estava a explorar, dava por mim a pensar: “ Mas o que ando aqui a fazer? O que é que eu tenho que fazer aqui? E isto aconteceu porquê?” E isso não é: “Epa – são uma produtora independente, não têm muito orçamento”. Não, isso é simplesmente um pobre argumento e uma desleixada condução de história.
Em muitos momentos dei por mim a pensar que, talvez se eu lesse os livros Anima ou jogasse o jogo de tabuleiro, me poderia interessar muito mais por tudo o que estava a acontecer e que eu não entendia. Mas isso não deveria ser assim. O videojogo deveria ser uma plataforma para eu me interessar em comprar os livros e conhecer mais e mais do restante lore – e não o contrário. Isso é como um filme ser baseado num livro – eu ver o filme e não entender “um boi” porque não li o livro. Não – isso Nunca deveria acontecer. Mas a verdade é que em Anima aconteceu… bastante.
O mesmo sentimento de “estou um pouco à toa” aconteceu nos Puzzles. Puzzles é provavelmente, das coisas que mais gosto em videojogos. Quanto mais difíceis melhor. Mas em Anima, encontras Puzzles em momentos do jogo nos quais não tens ainda informação suficiente para os resolver. Ou experiência. E o pior é que não sabes que não tens informação suficiente para resolver o puzzle, e não sabes que não tens experiência. E como não sabes, ali ficas umas quantas horas a olhar e tentar descortinar uma coisa que não é suposto descortinares ainda. E isso não faz sentido nenhum! Não é um desafio. É perda de tempo! Se não é suposto resolveres ainda, porque os encontras tão cedo? Porque estão no teu caminho? É aqui que Anima se perde: ao tentar ser um jogo Aberto, Fecha-te as portas da exploração ao não te deixar seguir a história de uma forma coerente e coesa.
E os diálogos? Se os há muito bons, com piadas e trocas de pseudo-insultos muito bem conseguidas, entre a Menina sem Nome e o Livro que é Ergo, também os há de um mau gosto tão grande que não conseguimos entender se foi propositado ou simplesmente acidente. O Voice Acting deixa mesmo muito a desejar, com vozes tão estereotipadas que parecem saídas de um “Manual da Personagem volume 53”, mas não são más o suficiente para quebrar a experiência.
Dei-me conta que escrevi já muita coisa negativa. Uma vez disseram-me que tenho o dom de tentar encontrar coisas positivas em Tudo e por isso, aqui vai.
Anima não é um mau jogo. Tem animações de género Anime (sem trocadilho aqui) que estão muito bem conseguidas. Os cenários são bonitos e vastos, como se quer num jogo de Mundo Aberto. A banda sonora, não sendo extraordinária, não incomoda. O design dos níveis consegue interessar o suficiente para a sua exploração.
Mas Anima perdeu-se. Tentou ser muita coisa ao mesmo tempo. Tentou chegar a todo o lado. Deveria ter escolhido um rumo, e segui-lo. Às vezes mais vale pouco e bem do que muito e coisa pouca. A coragem de ser um Indie trouxe-lhe o amargo de querer ser algo mais do que um simples “Bom Jogo”. Anima lembra-me que as melhores coisas são geralmente as mais simples. Não precisamos complicar e inventar para mostrar que temos talento. O mais talentoso pintor pode optar por pintar uma simples flor e aquela tornar-se o quadro mais lindo do Mundo – não porque a flor era complicada, mas porque o Pintor sabia o que queria transmitir com a sua pintura desde o início.
Anima não é um mau jogo – é um jogo perdido…precisa de encontrar o seu caminho e, tal como nos RPG que tentou ser, precisa delinear a sua história e deixar a sua marca nos mundos de exploração dos videojogos de hoje.