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Há doses cavalares de ironia no facto de que na sexta-feira à hora de jantar decidi começar a jogar a este Anarcute, e minutos depois quando cheguei à festa de encerramento do 1UP no seu local original vi que estava a decorrer um golpe de Estado na Turquia. Ou assim parecia, já que apenas horas depois percebemos que a aparente (e necessária?) revolução e deposição do regime não foi mais do que uma mis-en-scéne para solidificar o totalitarismo.

E é neste ambiente diário de hostilidade para quem lê sobre política internacional que tantas vezes os videojogos soam a um necessário e compreensivo refúgio.

Não sendo o primeiro jogo com este tema do qual falamos este ano (já tínhamos falado do nosso muito-aguardado Riot: Civil Unrest e de Disobey), Anarcute evidencia-se pela forma como distintivamente traz a temática das manifestações e dos motins com um tratamento conceptual e artístico de alguma infantilidade (no sentido positivo do tema), mascarando um tema sério com uma bem-conseguida ligeireza.

O conceito da mentalidade colectiva é aqui posta em prática. Em Anarcute não controlamos o individuo, mas controlamos a individualidade em que se torna uma turba enraivecida. Turba essa que vamos “alimentando” com pequenos sleeper agents espalhados pelo mapa que se juntam à massa para lutar contra a operação corporativa.

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Cada missão em Anarcute envolve a resolução de micro puzzles, em que temos de capturar uma série de pontos chaves do controlo das forças da autoridade. Para isso temos de pegar em todos os animais fofinhos e amotinados que constituem o motim controlado por nós, e que vão, à passagem pelas ruas labirínticas da cidade, agarrando em todos os objectos à sua disposição para atirar contra as forças policiais. A pontuação final avalia o tamanho da nossa multidão e a eficácia no cumprimento dos objectivos.

Sempre que a nossa turba se aproxima dos agentes policiais, surge um pequeno alvo para que possamos esmagar o botão de ataque e permitir que sejam os punhos da multidão furiosa e fofinha a deitar por terra a polícia, ou, para evitarmos perder membros do nosso motim, atirarmos à distância com carros, caixotes do lixo, autocarros (sim, é verdade) contra as barricadas instaladas pela cidade.

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Anarcute é divertidamente relaxado para a temática que possui. É descontraído, táctico no meio do caos da multidão e do button mashing de atirar equipamento urbano contra a polícia e é acima de tudo inventivo na forma como desmistifica a repressão corporativa transformando os revoltosos em doces animais. Não é nada de novo, basta pensarmos na única obra de BD a vencer um Pulitzer e percebemos que é uma decisão artística legítima e que se coaduna, em alegoria, com o tema.

Anarcute é uma das grandes surpresas deste verão, e surgiu-nos de surpresa como esta épica e inesquecível cena de Trigger Happy. Terá sido esta a inspiração?

https://www.youtube.com/watch?v=tCrDgm_H678