É favor introduzir aqui a intro de 2001, Odisseia no Espaço. (nota do editor: já está)
Obrigado. A intro está aqui por várias razões… primeiro porque é, presumo, a primeira vez que se vai falar de algo do género aqui. Não são jogos. Não é uma feira de videojogos. Não são eSports. É só entretenimento. Cultura. Cenas. Depois porque o filme é um dos grandes, enormes marcos na história da Ficção Científica. Terrenos que The Expanse também pisa com mestria. Desta feita falo-vos de livros. De séries de televisão. De ambos que vão beber inspiração a sítios que vão desde os Board Games RPG a videojogos como Mass Effect, passando por clássicos como Frank Herbert ou Isaac Asimov ou ainda por marcos incontornáveis da cultura pop moderna como Star Wars ou Battlestar Gallactica.
The Expanse é obra de James S.A. Corey, o nome adoptado por Daniel Abraham e Ty Frank quando escrevem em conjunto, ou melhor, quando se juntam para dar vida ao universo de The Expanse.
Distribuído ao longo de 5 livros, com aproximadamente um livro por ano, The Expanse constrói um universo muito próprio, onde o posicionamento temporal no espectro da evolução Humana e da conquista do espaço e do desconhecido marcam a diferença. Isto não é um Star Wars, há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante. Também não é um Star Trek, onde um estalar de dedos faz surgir um caril de marisco perfumado com hortelã fresca, um Gin Tónico com uma rodela de lima, para levarmos para a nossa mesa bem iluminada numa cantina onde não há uma única migalha naquela alcatifa. Amigos… há alcatifa no espaço!
The Expanse aponta para o meio, não somos o que somos hoje, não somos um futuro distante e utópico onde todos vestimos a mesma roupa e os uniformes são justinhos e de tamanho padrão e não há uma grama de banha a mais nem um cabelo fora de sítio. Em The Expanse, a acção desenrola-se pouco depois dos primeiros passos da exploração espacial. Sim, já há colónias na Lua, em Marte e nos asteróides em zonas mais afastadas do sistema solar. Mas a máquina está longe de estar bem oleada e a ideia é não dar fast-forward para quando tudo está modelado e decidido, antes atirando-no para o meio da imundície, da fuligem, do óleo, do sangue, suor e lágrimas da evolução Humana. No fundo, se uma das coisas que critiquei em The Division era precisamente o facto de ter saltado toda a parte sumarenta da doença e do conflito que levou ao ponto em que começamos a jogar o jogo, The Expanse parece ter pretendido evitar esse tipo de críticas e dedicar especial cuidado e atenção à construção, umas vezes mostrada, outras vezes apenas sugerida, de todo um complexo universo económico, científico, cultural e humano. E fazem-no sem pressas, deleitando-se a cada passo enquanto pintam o quadro, umas vezes com pinceladas mais esparsas, outras com um minucioso e elaborado detalhe. A série é composta pelos tais cinco livros, publicados até à data, e é complementada com vários outros livros, disponíveis apenas em formato digital, como prequelas ou mini-histórias detalhando um evento em específico e criando um enredo base que se desenvolve depois nos livros em papel. Não são necessários para a compreensão e usufruto da história, mas enriquecem-na e, mais que isso, permitem-nos banhar-nos neste mar esplendidamente desenhado por James S.A. Corey.
Situemo-nos, então. O planeta Terra era pequeno para o Homem e para a sua sede de recursos. A Lua terá sido o seu primeiro entreposto no espaço. Seguiu-se Marte e, mais tarde, pequenas colónias mineiras para retirar recursos do cinturão de asteróides e de pequenas luas recheadas de recursos. Mas o crescimento não se faz com sorrisos e uniformes iguais. Faz-se com trabalho, com exploração comercial, com contratos de trabalho, com patentes e direitos de exploração. No espaço, água e oxigénio são valiosos. E passam estes a ser, muitas vezes, a moeda de troca. Num universo onde a física não é descurada, apercebemo-nos da dura realidade: longos tempos de exposição à micro-gravidade ou à total ausência desta, têm impacto na fisionomia e na saúde dos seres humanos. Os ossos não se desenvolvem da mesma forma, a carência de nutrientes é diferente, a fisionomia humana passa a ser diferente. Assim, os Belters, ou cidadãos nascidos no cinturão de asteróides, têm uma fisionomia alongada. Altos, magros, frágeis e virtualmente incapazes de suportar a gravidade de um planeta como a Terra, dependem de medicamentos lá fabricados para consolidar o crescimento ósseo, pelo que isso é também usado como moeda de troca… e de pressão.
Numa sociedade onde as desigualdades existem, sendo cultivadas e exaltadas, três forças políticas lideram três facções distintas. A formal, burocrata, diplomata e todo-poderosa Terra, no seu eixo Terra-Lua. A militarista e tecnologicamente avançada, embora pouco populada Marte. E a gigantesca massa disforme e multicultural dos Belters, a erguer o punho em revolta contra décadas de abuso e exploração. Pinceladas esparsas num universo sem grandes estereótipos.
Sem querer entrar muito em revelações que depois estraguem o usufruto da série (vêem? não disse spoilers!), diga-se ainda que, a exemplo de Game of Thrones, as coisas se desenrolam de modo cru e ríspido, ninguém está verdadeiramente a salvo e a gigantesca ameaça que paira sobre a humanidade é, além dela própria, uma coisa vagamente sugerida e que se vai revelando aos poucos. Há algo de origem extraterrestre, sim, algo com uma energia e poder fora do alcance da nossa compreensão, mas é também algo que vamos conhecendo com determinadas personagens e não nos é dado a conhecer logo de antemão. Há pontos comuns também com o universo existente em Mass Effect, mas não quero revelar muito mais sobre isso. Fica só o aviso e mais uma ponte para o mundo dos videojogos. Estas e outras semelhanças com Game of Thrones em termos de estilo e história não se devem ao recente êxito da série televisiva. Tanto Ty Franck como Daniel Abraham trabalharam – e trabalham ainda – com George R.R. Martin e terá sido em sessões de RPG de papel e caneta que os primeiros alicerces de The Expanse terão começado. O autor de Game of Thrones é, aliás, um dos entusiastas de The Expanse, a começar nos livros e a acabar na… Série de TV.
https://www.youtube.com/watch?v=vigQp8_xhQQ
É que The Expanse deu o salto para a televisão. Começando sem um grande orçamento e com aspirações limitadas, cedo se percebeu que a série estava aí para ficar e a segunda temporada terá sido acordada ainda o primeiro episódio não tinha acabado de ser transmitido. Não é fácil transpor o realismo – ou a plausibildiade – de The Expanse para o ecrã. As naves não têm saltos para hiper-espaços controlados e as viagens não são feitas num estalar de dedos. Não há gravidade gerada por milagre ou “porque sim”. Ou seja, na ausência dela, há que filmar sem gravidade, ou, pelo menos, mantendo-o parecido o suficiente para que se tenha a verdadeira percepção de que, lá fora, não há nada de borla. Nada é fácil nos primeiros passos do Homem na conquista do espaço e das zonas exteriores ao seu Sistema Solar. E isso é bom!
A série deixou-me interessado mal vi o seu anúncio. E em pulgas quando se soube que, para o papel de Chrisjen Avasarala tinha sido escolhida a actriz em quem eu pensara imediatamente para fazer o papel da representante do planeta Terra nas Nações Unidas mais cínica e inteligente de sempre…
Shohreh Aghdashloo, ela que tinha dado a voz à Admiral Shala’Raan vas Tonbay, da série Mass Effect, e que aqui se mostra como uma figura imperial, autoritária, inteligente e que, a exemplo de Lord Varys em Game of Thrones, procura um equilíbrio e paz difíceis de alcançar e manter. A escolha de Thomas Jane para papel de James Miller também me tranquilizou quanto ao rumo a seguir.
Nem tudo será brilhante na série televisiva, especialmente nos primeiros episódios da temporada, mas o lento build-up foi também acompanhado por uma evolução dos actores e da série e, no fim da temporada, muitos foram os que ficaram já a suspirar pelo regresso, na anunciada segunda temporada. A série deverá procurar encaixar um livro por temporada, pelo que, a correr bem, podemos contar com cerca de nove temporadas pela frente. E, sendo fãs da Ficção Científica, Ty e Daniel asseguraram que a série está recheada de easter eggs como tributo aos grandes filmes e séries de Sci-fi, pelo que vale a pena estar atento. Bem atento!
Se não leram os livros, se não viram a série, e se vos agrada um bom Sci-Fi, em que a humanidade não caminhe para um futuro brilhante, mas antes rasteje lutando contra os seus próprios demónios em busca da sobrevivência e da evolução, considerem este The Expanse. Se vos desagrada a ideia de ser “apenas” nesses formatos, não dando o salto para videojogo, considerem que a ideia inicial deste The Expanse era precisamente essa: um videojogo, pelo que poderá ser apenas uma questão de tempo até ele ser desenvolvido e vir para as prateleiras. E preparem-se para ver uma humanidade num constante conflito interno, unindo-se apenas, e de forma imperfeita, com redes de malhas largas, quando um inimigo comum dá a cara… e mesmo então, as sementes do conflito conseguem sempre escapar-se por entre as malhas da rede, por uma série infindável de motivações e interesses. Em crescendo ao longo dos livros, o conflito atinge proporções verdadeiramente épicas naquele que é, até à data, o último livro da saga, Nemesis Games… e quando digo épicas, I mean it. I really mean it! Se isto vos agrada então, meus caros, os livros e a série estão feitos à medida! Aproveitem!