Desde que percebemos que a cena game dev indie no Japão não só mexe como fervilha, que é muito frequente que lá voltemos para perceber em que ponto estão os devs nipónicos, e que novas ideias possuem para nos surpreender.
Esta semana, a um passo das férias (das minhas, pelo menos, e finalmente) temos dois jogos japoneses bem diferentes, a demonstrarem algumas curiosidades que o mercado independente vai tendo, mas em última instância, a mostrar o que pode ser feito com géneros bem sólidos e usualmente identificativos da criatividade japonesa.
Muv-Luv
Se alguém vos perguntar qual é uma das campanhas de Kickstarter de maior sucesso de sempre, é possível que entre a Ouya, Broken Age e Broken Sword ninguém sequer coloque na equação uma visual novel. Mas a realidade é que quando os autores da série Muv-Luv propuseram aos seus acérrimos fãs no Ocidente a possibilidade de localizarem os jogos para inglês, a resposta foi mais surpreendente do que se esperava.
É sabido que a quase totalidade do sucesso de muita da cultura nipónica no Ocidente passou acima de tudo pelo esforço e dedicação de muitos dos fãs, que despenderam milhares e milhares de horas a traduzir para inglês (entre outras línguas) uma quantidade de anime, manga e até videojogos. As fanlations são então o esforço máximo de uma comunidade em espalhar o acesso a dado objecto cultural.
Muv-Luv não passou despercebido e acabou por ser um desses exemplos, e as fanlations da série tornaram-na uma das mais acarinhadas pelo público ocidental. Ora, existindo versões fanlated dos jogos, seria normal que a aceitação para as traduzir oficialmente fosse mais contida, mas não. A campanha de Kickstarter terminou acima do milhão de dólares, valor muitíssimo superior ao pedido pelos developers para traduzir o jogo.
Composto por 3 jogos distintos, Muv-Luv, presente no Steam possui já dois deles. E é curioso o quanto estes dois jogos isolados mas pertencentes a um mesmo universo com dimensões paralelas não poderiam ser mais diferentes um do outro. Muv-Luv Extra é o típico comedy high school romance tão usual das visual novels, e, em extremo, de toda a cultura otaku. Por outro lado, Unlimited tem um tom quase diametralmente oposto, onde o planeta está à beira da extinção e toda a boa disposição de Extra é substituído por guerra.
Muv-Luv não demora muito a mostrar porquê de ser uma das séries de visual novel mais acarinhadas pelo público.
Memento
Há um certo preconceito, muitas vezes justificado, pelos muitos jogos notoriamente feito em RPG Maker que vão aparecendo nas lojas digitais. Muito do público que cresceu a jogar JRPGs da era NES e SNES cresceu para hoje serem eles próprios os criadores de alguns destes jogos. A democratização das ferramentas tem este ponto positivo, o de estabelecer possibilidades criativas únicas para que virtualmente toda a gente possa ser developer. Mas no revés da medalha está a falta de triagem de qualidade entre o muito entulho que vai ofuscando lançamentos de qualidade.
Memento, do estúdio japonês LaboGameStudio é um dos bons exemplos de qualidade.
Criado em RPG Maker, este jogo bastante acessível (custa de preço base menos de seis euros no Steam) vive, a par dos seus melhores congéneres, da qualidade de escrita. Num ambiente a roçar o terror, vivemos a história de uma série de raparigas em visita de estudo a uma ilha. Após uma tragédia ocorrer temos de conseguir retirá-las da ilha em segurança.
O enredo, para além de interessante, vai-se adensando à medida que o jogo progride. A não-linearidade narrativa é encontrada pelos muitos saltos que vão sendo dados mundos e personagens distintos, criando um fio-condutor non siquitur pela escrita de Memento.
As muitas bifurcações narrativas e os finais alternativos dão um sabor diferente a este 2D pixel RPG com laivos de aventura e terror, que surpreendem do alto do seu preço baixo. Às vezes há surpresas assim.