Headlander

Ando há dias a pensar em como começar este artigo e continuo com imensas dificuldades. Talvez este seja simultaneamente o corolário de três anos de trabalho intenso, quase obsessivo (como tanto gosto), e um tremendo sinal de exaustão, de fadiga intelectual e criativa, de uma necessidade tremenda de dar espaço para a minha mente recarregar o seu espaço na minha existência. (Nota: agora que releio o artigo depois de escrito acho curiosa a introdução perante o jogo do qual falo hoje). É irónico também que este que é o meu último artigo antes das minhas (acredito) merecidas férias seja também a representação de uma das minhas últimas e imensas surpresas no mercado indie, que no meio de tantos jogos sensaborões que nos param às mãos e ao teclado, descobrir um jogo como este é quase um ensejo de um período cansativo da minha vida, e um canto do cisne antes do descanso. Mas é uma boa forma de fechar a porta antes das férias, e de deixar algum entusiasmo fermentar pelo meio do cansaço.

Dizer que sou fã de Metroid não é novidade. Sou fã dentro de todo a sensatez que gostar de algo tem, longe do fanatismo de todos aqueles que se insurgiram contra o lançamento de Federation Force. Concordo no entanto com o imenso desejo de ter algo novo da série para jogar, que foi amplamente aumentado ao rejogar Metroid Fusion na 3DS do João Machado. Eu quero, aliás, eu preciso de um Metroid novo. À falta de o ter bastou-me este surpreendente Headlander, numa parceria conjunta entre a Double Fine e a Adult Swim Games.

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Antes de falar de todos os pontos positivos que o tornam já um dos melhores jogos que joguei nestes primeiros dois terços de 2016, prefiro enunciar já o calcanhar de Aquiles de Headlander. Aliás, como o nosso protagonista é apenas uma cabeça preservada, o torcicolo que baixa ligeiramente a fasquia do jogo.

Como podemos ver pelas imagens do jogo, há um ambiente e uma estética 1970s a correr em todo o jogo. Um certo retro-futurismo mesclado com todo o ambiente de free love que corria a década e que tenta ser incorporado no humor de todo o jogo. O problema é que muitas vezes sinto que algumas das linhas de diálogo e algumas das piadas poderiam ser proferidas por mim em dias de cansaço (sofro de uma proporcionalidade directa entre exaustão e a qualidade/secura do meu humor). Frases e momentos cheios de sexual innuendos, com piscares-de-olhos sempre a “atirar para a cueca” e que se tornam desconfortáveis, em fases que temos vergonha alheia pelas piadas secas que o jogo e os seus personagens vão proferindo. E que até vemos, sem segundo plano o Diácono Remédios com a sua célebre frase.

Com isto não quero afirmar que o enredo é mau, muito pelo contrário. Mistura até um certo sci-fi lite e algumas questões existencialistas. Mas admito que não demora muito para que o exímio jogo que ali exista não ofusque por completo a história que fica lá atrás, apenas como cenário. O que é um ponto muito favorável comparando com muitos outros exemplos em que o inverso destrói por completo o jogo apresentado.

Em Headlander somos uma cabeça “ressuscitada” de uma espécie de criogenia, e que possui uma capacidade muito especial: a de se conectar a qualquer corpo robótico ou a qualquer aparato electrónico que permita acoplagem. Neste presente que é o nosso futuro a humanidade desapareceu por completo e todos os cidadãos e animais são robóticos, o que significa que nos basta usar os propulsores da nossa cabeça em modo inverso parar “aspirar” fora as cabeças dos nossos futuros hospedeiros.

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Para quem conhece bem os Metrois clássicos Headlander é um desejado déja vu. Rapidamente percebemos as pequenas nuances e conseguimos visualizar os labirintos e os segredos escondidos pelos mapas. Admito que os anos que já passaram desde que terminei um Metroid clássico bidimensional me impedem de afirmar que muitas das soluções de Headlander já lá foram utilizadas, mas caso não o tenham sido os developers conseguiram reproduzir e recriar na perfeição o que de melhor a série clássica da Nintendo possui.

A monotonia de algumas secções do jogo (nomeadamente o facto de que todos os segmentos da linha principal do jogo obrigam a resolver situações em múltiplos de 5) acabam por ser um pequeno travo agridoce na sua boca. Não fosse o obrigatório desbloquear de novas habilidades através de uma tech tree, cujos pontos são obtidos a partir de “experiência” e essa repetição seria ainda mais notória.

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Headlander não é um jogo grande (penso que consegui encontrar todos os segredos, todos os upgrades e resolver todas as side quests com 8-9 horas de jogo), mas o desafio de alguns dos seus puzzles secundários acabam por trazer-nos o entusiasmo dos Metroid de outrora, com boss fights a fazerem jus aos segmentos tácticos e à resolução de puzzles/exploração de fraquezas.

Há uma tremenda surpresa e uma grande inspiração nas capacidades do fato de Samus Aran, em especial na sua capacidade de se transformar numa bola. Aqui somos uma aparentemente vulnerável cabeça mas que se prova mais do que um canivete suiço: a apresentar soluções e recursos em que toda a temática tecnológica justifica facilmente o porquê dos novos poderes e habilidades que vamos sucessivamente desbloqueando.

O melhor: as mecânicas e a proximidade com Metroid, o level design, os puzzles, o setting, o combate

O pior: o ritmo narrativo e a “secura” do humor

Comparar com honestidade Headlander à sua musa, Metroid, poderia ser injusto para este jogo da Double Fine. Mas não é. Onde Headlander apresenta as suas falhas e os seus quês, acaba por contra-balançar com uma tremenda solidez de mecânicas e de level/game design. Jogá-lo de uma ponta a outra, descobrir todos os seus segredos é tão satisfatório que vem quase mudar a tónica de uma certa tendências das inspirações serem apenas isso mesmo: pontos de partida sem consequências positivas para a criação. Mas Headlander é um sucedâneo eficaz para quem tem saudades de jogar um novo Metroid bidimensional, e à falta de certeza se algum dia teremos um, que nos valham excelentes produções indie que nos façam perder a cabeça. Quase, literalmente.