Ataque dos Clones #25

Nesta crónica tenho abordado diversos demakes piratas que, na minha perspetiva desproporcionalmente politizada, são sintomáticos das assimetrias económicas entre os que vivem do lado bom do capitalismo cultural e os que vivem à sombra dos seus interesses.

A ideia de demake representa por si só um constrangimento forçosamente pejorativo. Porque fazer uma versão “inferior” ao que já existe? Quem são os consumidores interessados em obter a versão “simplificada” do produto? E acima de tudo, porquê?

Bio_Hazard_Famicom_Cart

Longe dos critérios “Chomskistas”, um caso semelhante aconteceu no lado “bom” dos videojogos. Estou a referir-me ao estranho caso da hierarquia etária que separou os donos de consolas de sala e os de portáteis.

Se hoje em dia uma parte significativa dos possuidores de 3DS têm-na como alternativa móvel ao hardware caseiro, o mesmo não se pode dizer dos tempos primitivos das primeiras Game Boys. Para muitos putos dos 90 o meio de acesso ao mundo dos jogos fez-se através dos tons de verde dos pequenos ecrãs STN do tijolo japonês. Talvez por não terem acesso ao televisor de casa ou pouca paciência parental para desfrutar do existente, a verdade é que estes jovens representavam um mercado apetecível que a indústria não podia simplesmente ignorar. O resultado? Third-parties abundantes e muitas vezes coincidentes com o lançamento do “jogo de sala” aka jogo a sério.

Se nos primeiros tempos a relação entre uma Master System e uma Game Gear implicam um esforço de adaptação pouco significativo, o mesmo não se pode dizer das produções que colocam em paralelo uma Playstation e uma Game Boy Color. Adaptar um jogo pensado para a 32 bits da Sony aos constrangimentos de um bicho alcalino-dependente implica uma criação de raiz.

Ora criar um novo jogo para uma cambada de putos pouco informados é coisa que não exige grande compromisso qualitativo quando se tem uma franquia de peso. O nosso exemplo de hoje nasce das consequências inesperadas de uma adaptação falhada: Resident Evil 1.

Após o sucesso da versão playstation em 96, a Capcom encomenda aos ingleses da HotGen Studios uma adaptação Game Boy Color. O Resultado, apesar de bastante fidedigno ao original, não impressiona e o projeto é cancelado.*

A Capcom, que ainda não desistiu da ideia, opta por cozinhar internamente uma história original e lança em 2001 Resident Evil Gaiden, um jogo esquecido do público e da crítica.

É neste contexto que nasce o nosso clone. A Waixing lança em 2003 Bio Hazard, uma adaptação da história da versão playstation através do gameplay e visuais de Gaiden, reconciliando assim os dois projetos para o deleite dos amantes de cartuchos amarelos.

Estamos aqui perante um clone competente, fidedigno na história e que só padece dos defeitos herdados de Gaiden. O mais notório reside no sistema de combate. Assim que um inimigo cruza o nosso caminho, entramos numa espécie de jogo de ritmo onde vamos progressivamente perdendo pontos de vida. Enquanto um cursor se desloca a grande velocidade na horizontal, o objetivo passa por acertar no alvo central para atingir o adversário. Cada tentativa equivale a um tiro, sendo que cada tiro é uma bala do nosso arsenal limitado.

Ver reduzido a um simples jogo de ritmo o nosso encontro com zumbis bootlegs é um compromisso técnico difícil de ultrapassar mas conceptualmente justo. Em vez de optar por uma banal opção de shooter, procura criar-se tensão através da necessidade de alguma calma (jogo de ritmo) e a urgência criada pela perda de vida continua.

Resta-me avisar que este clone é impraticável através de um emulador convencional. Se a versão cartucho não sofre de qualquer problema, tentar jogar através da ROM implica levar com um bug fatal de 2 em 2 minutos.

O problema parece atenuar-se com uma versão Debug da ROM compatível exclusivamente com emuladores especializados nas famiclones. Recomenda-se ainda assim jogar através do cartucho original… Se o encontrar. Caso contrário poderão sempre apreciar o “let’s play” completo deste simpático “youtuber” russo.

*Estão disponíveis ROMs do projeto abortado online para quem tiver curiosidade.