
A varanda suburbana rodeada de gente e simultaneamente perfeitamente isolada do mundo.
Gone in November é um jogo pelo qual me senti atraído desde logo. A depressão, a morte, o suicídio, são temas que vão sendo abordados nos videojogos em palpos de aranha. A medo. Sem querer abanar em demasia a frágil estrutura que é a opinião pública, talvez. “Um jogo é suposto ser divertido”, dirão alguns. “Um jogo é arte”, dizem outros. E não há grande diversão em títulos como Depression Quest, That Dragon, Cancer ou este Gone in November. A questão parece permanecer um tabu sem que seja abertamente abordada e se calhar nem seria eu a pessoa mais indicada para falar deste jogo aqui, quando temos o privilégio de ter neste galinheiro pessoas como a Alexa Ramires e a Maria João Andrade. Mas quis tentar ainda assim. Na música ou no cinema tal questão nem sequer se coloca. Na televisão também não. Há séries, filmes e músicas tristes. Deprimentes. Há dramas. Corações partidos. Há lágrimas vertidas em cadeiras de cinema ou abafadas em almofadas de sofá em frente a determinados filmes ou músicas. E acredito, acredito piamente, que cada um de nós tem, algures num baú-pasta-playlist um conjunto de músicas para ouvir naquelas fossas, a beber um chá quente enquanto a chuva cai lá fora e pequenas gotas escorrem pela janela cinzenta.
https://www.youtube.com/watch?v=n7DhuVNLZaY
Eu tenho. Sou uma pessoa bem disposta. Rio imenso durante o dia e faço rir também, o que é ainda melhor. Mas não é por isso que está sempre tudo bem. A vida tem sempre altos e baixos e, dentro destes, por vezes dá mergulhos complexos para profundezas difíceis de antecipar. Há músicas que me levam ou acompanham por essas viagens e das quais não me separo. E também não evito tais viagens. Acredito que a vida é feita de equilíbrios, e não necessariamente um equilíbrio estático de quem vive sempre assim-assim. Há pontos altos, há pontos baixos, numa onda sinusoidal que nos acompanha ao longa da vida. Eu não fujo das minhas fossas. Aceito-as. Abraço-as. Convivi com as minhas fossas e com as de amigos e familiares… convivi com depressões em amigos.
Gone in November coloca-nos na pele de alguém com cancro que sabe que irá morrer dentro de pouco tempo. Assim. Desta forma desencantada. O começo é mesmo esse. Somos colocados de rompante na pele de alguém que sabe que vai morrer, que vê desmoronar-se a necessidade de cumprir com determinadas rotinas e tratamentos que andava a manter. O começo é vazio de esperança e recheado de arrependimentos, de solidão, de isolamento. O que fazer? Manter a terapia? Os comprimidos? A rotina? Partir? Viajar? Terminar tudo?
A ideia é interessante. O conceito, como disse, agrada-me imenso. Mas a partir daí o jogo desenrola-se numa espiral descendente de interesse… A execução deixa muito a desejar, com vários crashes a fazerem-se sentir pontualmente. O sistema para gravar a progressão também mostrou alguns percalços, tendo perdido um dos saves. O movimento é lento demais e, embora isso até possa ser intencional e adicionar algo à envolvência de alguém que, de ombros caídos, vê a esperança a desvanecer-se, por vezes denota apenas uma programação deficiente. E, se uma boa história deve ser mostrada e experimentada em vez de contada, também aqui o jogo deixa algo a desejar, recorrendo em demasia a texto escrito para nos mostrar algo a acompanhar aquilo que até está interessante, com um lento mergulho na loucura a fazer lembrar os corredores em chamas de Max Payne a enfrentar os traumas com as drogas como combustível. Começa bem, com a monotonia da rotina a ser quebrada pela repetição e sobreposição de elementos rotineiros da nossa vida, da nossa casa, cavando cada vez mais fundo num mundo quase Lovecraftiano de loucura e demência que, depois, pelo caminho, se perde em labirintos estéreis com pedaços de texto para ler e tentar compor as peças de um puzzle impossível de completar.

Um dos exemplos que acabam por quebrar o envolvimento no jogo… texto a mais.
Salvo os pormenores técnicos, valeu pela viagem – curta demais, mas, com a fasquia de preço nos 99 cêntimos, compreensível – pela experiência, pelo envergar momentâneo da pele de alguém naquela situação, coisa que poucos jogos ou experiências nos fazem passar e valeu pelo conjunto de ideias que acompanham o lento afundar na areia movediça que é a depressão e que nos leva a duas portas a encerrar o jogo: continuar ou desistir?
um ponto final, ou um parágrafo? ambos levam ao fim do livro.