A long time ago, in a galaxy far, far away, depois de ter andado a brincar com as primeiras versões beta de Counter-Strike, os meus primeiros passos mais a sério no mundo dos eSports foram dados lado a lado com Day of Defeat. O Mod para Half-Life, abraçado pela Valve, acompanhou-me durante uns anos. Fomos amigos. Continuamos amigos com o seu sucessor, Day of Defeat: Source. Muito amigos. Passei largas horas a jogar o jogo nos pubs e em competições. Entretanto, life happened e o tempo foi escasseando para dedicar ao jogo competitivo e o desinvestimento e a postura distante face aos requisitos da comunidade adoptada pela Valve (que entretanto reviu a sua política em Counter-Strike: Global Offensive e Dota 2) em relação ao jogo fizeram com que me fosse afastando.

Mas o bichinho ficou cá. O gosto por um jogo difícil, exigente, que não nos dá, de forma alguma, a mão, que não facilita, que se mostra igualmente imperdoável perante hesitações ou riscos desmesurados, permanece. O ambiente sujo, poeirento, tremido e brutal que poucos jogos conseguem replicar, capaz de decalcar uma sensação de imersão e absoluta paranóia, em que nunca estamos verdadeiramente seguros, apaixona-me. De todos os First Person Shooters que joguei, Day of Defeat foi o primeiro a fazer-me sentir isso. Nunca estava seguro. E creio que só voltei a sentir isso com mais dois jogos: Battlefield 3 e, mais recentemente, DayZ. O resto? O restante molho de FPS? Arcade! De Counter-Strike a Call of Duty, passando por Doom, Duke Nukem, Delta Force, etc, nenhum jogo consegue transmitir a mesma sensação de insegurança e urgência que o velhinho Day of Defeat estreou comigo. Um jogo onde não havia lugares seguros. As paredes protegiam de armas ligeiras mas eram um ténue escudo contra fogo de metralhadora… uma granada, que nos outros jogos mais não é que um dispositivo para dar algum dano, era capaz de exorcizar toda uma sala. Coisa para instilar medo ou, sendo um jogo, adrenalina.


Pois bem, este
Day of Infamy é uma espécie de sucessor oficioso de Day of Defeat: Source. Usando muito do trabalho desenvolvido em Insurgency, a New World Interactive lança-se aqui como aquilo que quase poderia ser descrito como um reskin do jogo. Baseado no motor Source, quando Source 2 já ainda aí para as curvas, Day of Infamy cumpre o proposto. Coloca-nos em plena Segunda Guerra Mundial, dá-nos uma arma para a mão, uma palmada nas costas e diz-nos “boa sorte”, aguardando para ver se sobrevivemos ao primeiro degrau. Para se usufruir do jogo, não há cá mariquices. Deixem crescer uma pilosidade facial, sff. Modo Grit! À Homem! Não há cá mapas. Nem miras ou crosshairs. HUD? Terão tempo para ver coisas quando morrerem! Querem saber quantas balas vos sobram na arma? Contassem! O jogo transpira testosterona! E jogá-lo agora, ainda na sua versão Alpha, em Early Access, está a pouca distância de enfardar um jarro de urina e terminar com um arroto capaz de arrancar pinheiros, na escala de masculinidade de Bear Grylls.

Macho!

Macho!

Peguem na arma, corram, escondam-se, disparem! Não pensem muito. A coisa não está para isso. Ninguém quer saber se vocês acham que um tiro de calibre mais pequeno, como a da MP40, dá menos dano do que uma Karabiner 98K. Notícias que acabaram de nos chegar agora apontam para um facto gritante: um tiro é um tiro. Dói na mesma. Aleija. E diz que mata, se vos acertar numa zona complicada. E é isso que torna o jogo bom e vibrante. Esqueçam o ideal do KDA. Nas primeiras vezes a jogar nos vários mapas que o jogo disponibiliza, vocês mal vão ver de onde vem o tiro que vos arrancou os dentes do sizo. Há uma maneira pouco máscula de saber, que é agachar-se, com um fiozinho de urina a escorrer pelas calças e deixar os outros ir à frente. Depois, é só vê-los a ser obliterados como se um bilhete de um intercidades fosse apanhado por um revisor com Parkinson a ressacar ao fim de 40 anos em coma e quisesse compensar a ausência. Tomaram nota de onde vieram os tiros? Pronto. Agora, se há um restinho de masculinidade em vós, é favor ir lá tentar matar os que acabaram de dizimar os vossos companheiros. Se, porventura, os vossos testículos já tiverem ultrapassado a fase de uva-passa e tiverem sumido por completo, deixem-se estar, esperem pela próxima vaga de respawn dos vossos companheiros abatidos e mandem, ou peçam para mandar, granadas de fumo para cobrir a zona em que pretendem avançar. Eles! Porque nós temos aqui um jogo de Tetris para acabar. “I’m providing information, bro!”

Nesta imagem, perfeitamente visíveis, 12 inimigos e 6 companheiros de armas.

Nesta imagem, perfeitamente visíveis, 12 inimigos e 6 companheiros de armas.

E é isto. Com várias classes disponíveis, entre Riflemen, Machinegunners, Engenheiros, Support, e outros, o destaque vai para os Sargentos que, com o rádio de um Support por perto, podem ordenar uma salva de artilharia de fumo ou daquelas que mata, que fazem BUM e espalham pedacinhos dos nossos companheiros por várias dezenas de metros quadrados. Tentem! Experimentem! Habituado que estou a jogos que me dêem a mão, da primeira vez que experimentei, correndo ofegante até ao pé de um suporte que estava escondido, cliquei na tecla correspondente e aguardei que me surgisse um moderno mapa para eu dizer, apontando onde queria que a salva de artilharia fosse endereçada. Como fui ingénuo. Aqui não há anacronismos. O Sargento encarrega-se de dar imediatamente as coordenadas onde quer a artilharia, que são, precisamente o sítio onde está a apontar que, por acaso é um metro à sua f….

Ok, respawn depois de 20 segundos. Acho que já entendi. Tenho que apontar. Certo, Erro estúpido. Erro de principiante. Olha!!! Movimento ali ao fundo! “RADIO!, Come here!” Aponto. Cuidadosamente, espreitando pelo cano da minha arma. Artilharia, é favor de mandar umas sanduíches ali para aquela zona! Sim senhor. Brilhante. Momento bonito. Ouve-se, ao longe, o disparo dos canhões. Ouvem-se, mais perto, os projécteis a viajar por cima de nós. Ouvem-se as explosões! Muitas! Umas dez! E vêem-se, também! Gigantescas nuvens de poeira se elevam nos céus quando a minha triunfante salva de artilharia trucida dois, três, quatro soldados… da minha própria equipa.

Sorry! Sorry! My bad! Sorry!

Sorry! Sorry! My bad! Sorry!

Day of Infamy não perdoa. Não há ícones que vos permitam distinguir se um soldado é amigo ou inimigo. Aprendam a distinguir os uniformes, parecem eles querer dizer. Sou míope. A 200m de distância, desculpem lá se não consigo perceber se o senhor está vestido de verde, ou de verde com código RGB diferente. My bad.

- Did you just fart, bro? - Yeah, use it for cover!

– Did you just fart, bro? – Yeah, use it for cover!

Quero com isto dizer, senhores, que por 18€, vale bem a pena entrar no carrossel de Day of Infamy. É uma versão Alpha. É Early Access. Há ainda muito por polir. E talvez um port para o motor Source 2 seja o primeiro passo a tomar, porque o velhinho Source 1 já se mostra obsoleto face a alguns shooters da nova geração. O ambiente está lá, mas os mapas apresentam-se demasiado despidos, demasiado limpos, demasiado estáticos para um jogo de 2016. E jogos como Battlefield abriram um precedente com a destruição de edifícios que aqui precisam de continuidade. Não é compreensível que o brutal efeito visual e destrutivo de uma salva de artilharia não belisque uma paredezinha de estuque, não derrube uma casa de madeira. São pormenores a limar num jogo que, ainda assim, consegue oferecer-nos umas boas horas de diversão e imersão com dificuldade acima da média, onde as armas assumem comportamentos e dano com um nível de realismo bastante satisfatório. Falta muito para ser um grande jogo. Mas é já uma enorme promessa de umas tardes bem passadas.