Há uma palavra em inglês que eu adoro que é “alledgedly”. Adoro essa palavra em qualquer língua porque é extremamente útil em vários casos, mas neste é totalmente irrelevante, a palavra que eu gosto bastante e é adequada a este texto é “overrated” ou em Português sobrevalorizado.

Existem tantas coisas que são sobrevalorizadas no mundo, de marcas a produtos, de filmes a livros, arte no geral, e também pessoas na nossa vida. Daquele colega de trabalho que sabemos ser uma nulidade mas que o chefe acha brilhante a pessoas que não estão no nosso espectro pessoal mas conhecemos o trabalho e obra, de pintores a músicos, comentadores a escritores, jornalistas, actores, realizadores, etc. Na música, um dos casos mais marcantes deste ponto são os U2, uma banda com possivelmente um álbum razoável do qual se tiram umas canções acima da sua média, e durante anos foram e continuam a ser consideradas das melhores bandas pop/rock (ou só rock) do mundo. O problema de sobrevalorizar um produto ou uma pessoa é que habitualmente pega-se no expoente máximo da produção dela e mede-se tudo o resto pela mesma marca apesar de todos os outros resultados ficarem bem aquém desse máximo. O facto de ter-se uma ou duas boas obras e o restante do trabalho ser abaixo da média geral não implicam que se seja um bom produtor, quer dizer apenas que uma ou duas vezes tivemos bem, mas como diz o ditado, até um relógio parado está certo duas vezes por dia.

O que nos leva a ReCore e ao seu criador Keiji Inafune, um dos game designers mais overrated do mundo. Inafune teve uma mão considerável na criação de Mega Man, e ninguém pode retirar o valor disso pois é a sua obra-prima, mas isso é também o seu one hit wonder, pois tudo o que ele fez posteriormente incluindo as duas obras deste ano Mighty Nº9, uma cópia explícita do seu original com uma qualidade ridiculamente baixa, e ReCore são provas suficientes para fundamentar o meu argumento. ReCore consegue não só provar que Inafune não tem trabalho de qualidade mas que arrasta bons artistas para o seu nível de mediocridade, neste caso parte da equipa de Metroid Prime, possivelmente um dos melhores jogos de exploração alguma vez criados.

ReCore tenta, de certa maneira, copiar esse sentido de exploração típico de Metroid e de Legend of Zelda colocando-nos no controlo de Joule Adams, que acorda em Far Eden ao fim de um sono criogénico de um século. Joule é uma jovem que fazia parte de uma campanha colonizadora de um planeta distante, mas quando acorda descobre, investigando aos poucos, que os planos não seguiram como calculados. Eu não me vou preocupar com spoilers porque o argumento geral deste jogo é tão linear que não é possível estragar ou surpreender ninguém, as máquinas enviadas previamente à colónia humana rebelaram-se e destruíram quase tudo e todos. Jules tenta recuperar umas bolas de energia, os titulares cores para reactivar o equipamento de terraforming e salvar o planeta com ajuda dos seus amigos mecânicos. E aqui está um dos meus maiores problemas com ReCore, a falta de argumento e história. Há certos tipos de jogos que não requerem isso, mas quando estamos a criar um universo coeso e a história não faz grande sentido há aí um problema sério. É um pouco como na literatura e no cinema, se a história tem um ou outro ponto que falha é uma coisa, mas quando toda a base é fraca não nos conseguimos embrenhar nela, estes dois pontos deixaram logo o meu entusiasmo para jogar ReCore muito enfraquecido, se quase todos os humanos estão desaparecidos e provavelmente mortos para que é que estamos com tanto esforço para reformar o planeta? E acima de tudo, depois de descobrir a rebelião das máquinas, não só continuamos com as que nos acompanham como também adicionamos membros à equipa?

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A relação de Joule com os “companheiros” é altamente duvidosa. Todas as máquinas são animalescas e têm nomes tipo password, um cão K9, uma aranhaSp1d3R, um gorila Ap3, etc. e Joule tem uma relação empática com eles como se fossem animais reais ou até humanos com emoções. Eu não vou discutir o facto de inteligência artificial teoricamente desenvolver o equivalente a emoções que seria possível tendo em conta a rebelião dos que estavam em Far Eden, mas custa-me a acreditar que ao acordar e descobrir que todos (ou quase) os membros da nossa espécie tivessem sido eliminados por seres robóticos conseguisse ter uma preocupação genuína com os mesmos. Seria como acordar de um coma descobrir que alguém matou metade dos nossos conhecidos e dizer “vamos ser BFFs!”

(Por outro lado eu detesto pessoas no geral e algumas particularmente no seu todo, portanto as máquinas até não me parecem más…)

Outro problema é o design do jogo em si, Joule tem que vasculhar as áridas áreas do planeta em busca dos Cores, para isso os seus companheiros são essências mas apenas por razões de jogabilidade. Eu entendo a concepção em certos jogos como os acima mencionados Prime e Zelda, que nos obriga a ter um certo objecto para chegar a certo local e progredir, e ReCore utiliza os animais mecânicos para isso em vez de objectos ou upgrades de armadura, contudo nos outros o ambiente faz sentido, conseguimos entender que aquilo estava ali por uma razão, e a única maneira de aceder aquela zona é com certo objecto, em ReCore há plataformas e objectos em locais sem explicação fundamentada sem ser para criar um ponto de puzzle ou plataforma, é extremamente difícil explicar isto. Digamos que enquanto em alguns jogos o ambiente é natural, deram-se ao trabalho de criar uma história que está ali mesmo sem ser explicada mas percebemos que aquela plataforma ou aquele gancho estariam naquele local por razões operacionais ou estéticas, em ReCore todo o ambiente é puramente artificial e criado apenas e só para a jogabilidade, as plataformas estão lá apenas e só para dar uma passagem e/ou criar um puzzle.

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O jogo é bom graficamente, as texturas e o ambiente não tem muito a apontar de negativo, mas também não tem nada a apontar de positivo ou original, é um local pós-apocalíptico deserto como tantos outros na ficção. A tentativa de criar um mundo para explorar várias vezes, obrigando-nos primeiro a fazer uma toda a sua extensão e depois a repetir a mesma para conseguir objectos específicos para a torre final criou um jogo que mais parece um trabalho cheio de grind desnecessário. A exploração torna-se repetitiva, os combates e o mini-jogo da corda para retirar os Cores aos inimigos tornam-se cansativos ao fim de uns tempos mesmo com a tentativa de apimentar as coisas utilizando a dinâmica das cores, mas no geral tem pouco para chamar a atenção.

No fundo ReCore não vale os 39.99€ que pedem por ele, foi de tal modo uma desilusão e desapontamento para mim que ainda não o consegui acabar, apesar de continuar a tentar, aos poucos mas sem vontade nenhuma, só de pensar nos tempos de loading daquilo, dá para ir tirar um café entre eles, ou limpar a casa, ou abater uma árvore, ou montar um motor de raiz…