Quando pensamos no desenvolvimento de videojogos, e na metodologia adoptada na sua construção, é frequente percebermos que o acto da génese parte quase invariavelmente de um programador. É claro que estamos a quase generalizar numa escala indie, porque é difícil extrapolar para o mercado AAA. É frequente que seja o programador, que muitas vezes assume para si o manto de game designer a ter o conceito base por trás de um jogo, iniciando o projecto com a sensação de que colaborar com um artista é, muitas vezes, um mal menor.
Enquanto ilustrador é fácil de compreender este sistema maquinal. Um artista com pretensões de desenvolver um videojogo sem um programador pouco é mais do que o detentor de um portefólio recheado de concept arts e ambientes. Mas não tem um jogo.
Um programador com a vontade de desenvolver um jogo sem um artista consegue fazê-lo, mas é refém da ideia de que lhe bastam as capacidade técnicas para desenvolver um jogo. E consegue-o muitas vezes, mas com resultados mais do que medíocres.
As generalizações servem para extremar pontos-de-vista, de forma a reconhecermos visões distantes e exemplos díspares. É claro que nem todos os jogos indie sofrem deste síndrome-do-programador-one-man-show, mas há muitos exemplos em que isso acontece. E depois temos exemplos no extremo oposto, como este Seasons After Fall, em que é a direcção artística e o trabalho dos ilustradores que o impedem de ser apenas mais um jogo de plataformas a cair no mercado sem pompa nem circunstância.
O primeiro contacto com Seasons After Fall leva-nos de imediato para outros dois jogos que preencheram pelas melhores razões o nosso imaginário, e souberam trazer uma carga artística forte para os puzzle platformers: Ori and the Blind Forest e Child of Light. É claro que nesta tríade o jogo desenvolvido pelo estúdio francês Swing Swing Submarine acabará sempre por passar nos intervalos da chuva do mediatismo.
Percebe-se facilmente o quanto a tónica do jogo recaiu essencialmente sobre a sua genial direcção artística. Não fosse inclusivamente os apoios institucionais que percebemos existirem na abertura do jogo, em que a sua qualidade e meta o aproximaram mais de um filme de animação do que de um videojogo entendido de forma clássica.
Como referi, Seasons After fall é um puzzle platformer sem qualquer tipo de combate e com a impossibilidade de “perdermos”. Aqui vivemos uma história simples sobre as forças da natureza e o equilíbrio do mundo, e mais uma série de clichés que pouco ou nada contribuem para o jogo.
Ao contrário do que possamos imaginar, o nosso protagonista não é a raposa que controlamos na quase totalidade do jogo, mas sim a espécie de fogo-fátuo que possui o seu corpo e que é dotado de uma panóplia de poderes elementais.
Os muitos puzzles, assim como o level design a si ligados não são propriamente desafiantes. Aliás, é frequente sentirmos que o desafio se prende com algum sentimento de perda do que propriamente não sabermos como resolver dada sequência. A forma de as resolver, essa, é que é um dos pontos altos do jogo, mas não o mais alto. À medida que entramos em contacto com outros guardiões da natureza, ganhamos a habilidade de mudar a estação do ano. Podemos congelar um jacto de água mudando o clima para o Inverno, ou fazer plantas florescerem na Primavera. E é nesta alternância de estações do ano que recai o brilhantismo e a subtileza mecânicas deste puzzle platformer.
Seasons After Fall é artisticamente surpreendente, considerando especialmente os dois outros jogos com o qual o comparámos, que decerto possuíam orçamentos muitas vezes superiores. Não sendo um puzzle platformer exímio mecanicamente, ou especialmente desafiante, como ilustrador tenho de reconhecer e dar o devido mérito ao ilustrador ou ilustradores que de forma quase anónima contribuíram para o brilhantismo artístico do jogo. O trabalho aqui impresso, nos muitos detalhes que aparecem por todo o cenário, na beleza dos muitos pormenores que constituem esse mundo belo e verosímil, demonstram que uma coesa e decisiva direcção artística consegue elevar um jogo que dentro do seu género seria mediano, para uma das obras visuais mais surpreendentes de sempre.
Façamos um brinde aos artistas, que o merecem por completo, e que são muito mais do que os meros decoradores dos ambientes virtuais em que nos habituámos a caminhar.