Caçada Semanal #40

Crescer nos anos 1980 com uma tia adolescente pouco mais velha do que eu levou-me a ter de ver vezes se conta os mesmos chick flicks gravados em VHS. Cocktail, Flashdance, Footloose e An Officer and a Gentleman estiveram no topo de filmes que vimos tantas vezes que a banda magnética das cassetes começava a demonstrar o desgaste. Os galãs e as sex symbols da década fizeram todos parte do meu crescimento, sendo que o meu homónimo com olhos tão pequenos ou menores que os meus estava taco-a-taco com o Tom Cruise, o Simon LeBon e o Don Johnson em autocolantes e posters no quarto da minha tia.

E o que é que isto tem a ver com a Caçada Semanal desta semana? Praticamente nada, tirando o facto de que um dos três dungeon crawlers que trazemos hoje vivem num ambiente em que os personagens são verdadeiros gentlemen.

Lamentamos que na quadragésima edição da Caçada Semanal não exista um trocadilho melhor do que uma estranha referência a filmes dos anos 1980. Há dias assim.

Dungeon Rushers

Como muitos dungeon crawlers e roguelikes, Dungeon Rushers tem uma história, mas ninguém sequer vai dar-lhe importância. Porque na realidade ela não é importante.

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A grande surpresa de Dungeon Rushers, desenvolvido pelo Goblinz Studio, é que tudo o que faz já foi feito anteriormente muitas e variadas vezes. Mas sem grandes voos ou ambições desmedidas, todas essas coisas já feitas anteriormente e que se juntam aqui não são feitas de uma boa forma. São feitas de uma forma excelente.

Dungeon Rushers não vai mudar a vida de ninguém, e é possível que daqui a um ano eu já nem me lembre de o ter jogado, muito graças às dezenas de jogos que jogamos mensalmente. Mas há algo de verdadeiramente relaxante na sua forma descontraída como visitamos e ultrapassamos cada masmorra, turno por turno, a desactivar armadilhas, a rezar junto a estátuas, e a entrar em combate. E é aqui que Dungeon Rushers, a trazer um sistema de batalha por turnos já feito e refeito consegue manter-nos num misto de desafio e quase casualidade: e as horas passam à medida que pensamos “é só mais uma dungeon e a seguir vou deitar-me”.

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Num mercado e num género tão povoado, a capacidade de nos manter colado durante horas é um dos maiores elogios que um indie dungeon crawler pode receber.

Rogue Wizards

Diria que este é um bom mês para o género, se Dungeon Rushers e Rogue Wizards conseguem trazer dois dos dungeon crawlers com maior identidade que o mercado indie teve o prazer de produzir este ano.

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É irónico que o primeiro factor de diferenciação deste Rogue Wizards passa pelo facto de que não cedeu à pressão de milhentos jogos indie e não adoptou um estilo de pixel art para a sua estética. O brilhantismo das suas ilustrações permitem-lhe construir uma apresentação que nos marca desde o primeiro contacto com o jogo, com os personagens bidimensionais ilustrados de forma exímia a encaixarem-se na perfeição no tabuleiro quadriculado que compõe o cenário. Outra decisão que jogou visualmente a seu favor foi a introdução de um método de construção e desconstrução progressiva do tabuleiro à medida que vamos avançando pelos corredores labirínticos das masmorras.

À semelhança de outros dungeon crawlers, Rogue Wizards decorre por turnos, ainda que pareça movimento contínuo quando não temos inimigos perto de nós. O combate é igualmente interessante visto que os nossos personagens são multi-facetados, e cabe-nos a tarefa de decidir se o nosso mago irá atacar com a espada, o arco e flecha ou a clássica bola-de-fogo no crânio de um inimigo.

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Paralelamente ao dungeon crawling, Rogue Wizards traz-nos a missão de construirmos o “porto de abrigo” dos nossos companheiros feiticeiros num local que aparentemente se encontra fora do espaço e do tempo. É claro que esta é apenas uma faceta do jogo sendo que o foco está quase inteiramente a recair na componente de dungeon crawling.

Depois de uma campanha de extremo sucesso, Rogue Wizards, o jogo desenvolvido pelo estúdio Reakktor Studios traz-nos um dungeon crawler interessante que vive quase exclusivamente do brilhantismo do seu ambiente visual. O que me faz lembrar este artigo publicado aqui ontem.

Monsters and Monocles

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Poderia ser uma quase inspiração na seminal obra de Alan Moore, se depois da adaptação cinematográfica o peculiar autor não estivesse perfeitamente agressivo com quem sequer sugira The League of Extraodinary Gentlemen e “adaptação” na mesma frase. O ambiente é o mesmo, e exceptuando as personagens clássicas (que a série Penny Dreadful tão bem interpretou), Monsters and Monocles coloca-nos à disposição uma série de personagens que poderiam ser familiares de Allan Quartermain.

Mais do que um roguelike, Monsters and Monocles é um twin stick shooter desafiante que sofre de um grande problema de timing: saiu apenas meses depois de Enter the Gungeon, um jogo praticamente idêntico e a tocar no mesmo ambiente, na mesma estética e no mesmo desafio, com a diferença que o facto dos inimigos serem caricatas antropomorfizações de armas deixará para sempre uma memória mais vincada do que Monsters and Monocles.

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E é invariavelmente nesta comparação que este jogo desenvolvido pelo estúdio Retro Dreamer fica a perder: na competição cerrada dos muitos jogos a serem lançados mensalmente, Nuclear Throne e Gungeon já fez melhor tudo aquilo que apresenta. Fica-nos o chá, para acalmar os nervos de tantas balas a povoarem o ecrã.