Na semana passada, quando faltava um mês para o evento, foi cancelado o Concerto Legend of Zelda Symphony of the Godesses no Coliseu dos Recreios em Lisboa. Algumas pessoas criticaram vários aspectos da razão pela qual foi cancelado, mas sinceramente não acredito que alguém tenha ficado surpreendido. A produtora referiu que não dava o concerto porque estava longe de estar esgotado e eles só trabalham com casa cheia. Então apareceram as queixas online, das quais foco algumas e as suas falhas:
A primeira e mais simples das razões é que o concerto não foi bem publicitado. A Ocarina Music, promotora do evento em Portugal e que representa A Ronda dos Quatro Caminhos, Triquel e Xarnege tiveram alguma culpa no cartório nessa parte. Este não é um evento para não colocar anúncios televisivos, ou só colocar cartazes no metro a um mês de ele acontecer, não acredito que tenham pensado na dimensão a que isto teria de chegar e a campanha publicitária com build up necessário para encher a sala, mas isso é culpa da Tuguice aguda, deixar tudo para a última hora. Possivelmente conseguiram o acordo por se chamarem Ocarina e alguém ter feito a ligação com Ocarina of Time, mas não tiveram muita culpa.
Retirando a falta de experiência dos promotores, muita gente culpou o preço dos bilhetes que eram caros demais. Eu tenho dois argumentos para rebater esse.
O primeiro é que os bilhetes mais caros ficavam a €89 e eram os que se assenta o pandeiro encostados à orquestra, tão perto que dava para ver os borbotos do casaco do maestro. Existiam uns a 110€ e 220€ mas isso eram camarotes. Um camarote com dois lugares a €110, fica a €55 por pessoa, e se não me engano os camarotes são de 3 ou 6 lugares, portanto, dividido não fica assim tão caro. Não era muito mais que um concerto rock no Pavilhão Atlântico ou um passe de um dia para o Optimus Alive ou Rock in Rio. Mais as despesas que se fazem lá até fica consideravelmente barato, nem vou calcular por aquela malta que está lá 3 dias sentados no chão sem sequer olhar para o palco só para dizerem “Eu fui”. A questão de quem gostava de ir mas não tinha dinheiro para comprar o bilhete já é diferente, é uma questão de orçamento pessoal. Eu também gostava de ter uma Ducatti Diavel, mas não me vou queixar que deviam ter um preço de acordo com as minhas capacidades monetárias. Não tenho na conta à ordem dinheiro acima de €30.000, azar, é a vida.
Mesmo assim, se a questão era o preço porque não tentaram ganhar bilhetes? A produtora ofereceu bilhetes no Facebook, tiveram meia dúzia de concorrentes. Nós aqui no site oferecemos dois bilhetes duplos. Na primeira vez habilitaram-se perto de 70 pessoas, na segunda? Duas. Duas pessoas tentaram ganhar um bilhete duplo para isto, foi publicitado, foi colocado em sites e grupos de fãs e só tivemos duas concorrents. Se o problema fosse mesmo o preço mais de mil tinham tentado.
A falha aqui é que isto não é um espectáculo de bar com três gajos lá do bairro com duas guitarras e uma bateria, estamos a falar de uma orquestra. Mais de 30 músicos, não sei quantos técnicos de som, luz, roadies (orquestras têm roadies?) viagem, alojamento e alimentação, ordenados, e todos os custos que se possam imaginar juntos. É por isso que eles não trabalham sem ser com casa cheia, porque quando se retira todos os custos não é possível trabalhar para meia casa mesmo que fosse pelo argumento que li em vários fóruns “Podiam ter vindo pelos fãs, merecíamos!”.
Sim podiam, porque toda a gente gosta de trabalhar de graça.
O que nos leva à última foi porque a base de fãs de Zelda é pequena em Portugal e por isso não venderam bilhetes que cheguem. Aqui cedo alguma razão, não há muitos fãs de Zelda em Portugal.
A verdade é esta: O concerto falhou por duas razões principais.
Falta de cultura.
Não vou estar com merdas de paninhos quentes, nós vivemos num país sem cultura de cultura (é mesmo o que quero dizer, não é um erro), além de não termos cultura, não a cultivamos, o povo português vive para bola e cerveja. Quando há um gajo destes a encher o Campo Pequeno de tal modo que tem que fazer um segundo espectáculo e temos salas de concertos clássicos às moscas, quando os nossos museus estão abandonados e os únicos visitantes são as escolas e estrangeiros, e quando a nossa TV é cheia de Há Festa em toda a Santa Terrinha ou Tardes dos Reformados enganados com os cartões de compras dá para ver o nível da coisa.
Temos a mania, mas no geral somos todos uns broncos.
A outra razão é que não temos quota de mercado. Também temos mania das grandezas mas temos que admitir que somos pequenos. Não é só a base de fãs de Zelda que é pequena em Portugal, nem sequer é a base de fãs de videojogos no geral, é mesmo Portugal que não tem lugar à escala mundial
Mundo | Europa | Reino Unido | Alemanha | França | Portugal | |
Total | 7,349,472,099 | 508,450,856 | 64,559,135 | 80,982,500 | 66,152,155 | 10,341,330 |
Em cima temos os valores populacionais em 2015. Se formos ver, Portugal tem aproximadamente 0.14% da população mundial e 2% da europeia. Sabem o que também é 2% da população europeia? Berlim cerca de 9 milhões. E Paris com cerca de 12. Londres, outros tantos. Este país tem uma quota de mercado total do tamanho de algumas cidades da Europa.
Vamos fazer um pequeno exercício matemático:
Portugal tinha em 2015, 10,341,330 habitantes.
Vamos tirar as crianças abaixo de 10 anos e a população acima de 50 que tendencialmente não gosta de videojogos por uma razão de não terem crescido com eles e ficamos com 5,156,301 (dados encontrados em Pordata).
Vamos extrapolar um pouco agora, vamos tirar os estimados 20% (muito optimistas) que vivem abaixo do limiar da pobreza e não podem mesmo comprar estes luxos, ficamos com 4,125,040.
Desses vamos retirar metade que não gostam mesmo de videojogos, ficam 2,062,520.
Vamos agora tirar mais metade, porque gostam mas não têm fundos disponíveis (eu sei que parece uma repetição com o primeiro corte, mas não é, e é a triste realidade deste país, muita gente não passa necessidades mas também apenas sobrevive) e ficamos com 1,031,260.
Querem ir à escala das capitais? A grande Lisboa tem o quê 20% da população nacional, portanto… Ah, acho que já perceberam a ideia, vamos ficar nos 1,031,260.
Sabem o que dá esse valor? Quase o equivalente ao jogo mais vendido em alguns países europeus de 2015. Não é os jogos todos, é só O mais vendido. Em países cuja população não só tem 6 a 8 vezes o total de Portugal como em termos de rendimentos disponiveis estão muito acima de cá.
Reino Unido | Alemanha | ||
Fifa 16 PS4 | 999,479 | Fifa 16 PS4 | 833,479 |
Fifa 16 Xbox One | 875,357 | Call of Duty Black Ops (PS4) | 721,918 |
Call of Duty Black Ops (PS4) | 871,521 | Fallout 4 (PS4) | 478,523 |
Call of Duty Black Ops (Xbox One) | 781,373 | Star Wars Battlefront (PS4) | 432,629 |
Fallout 4 (PS4) | 614,128 | Grand Theft Auto 5 (PS4) | 816,995 |
Isto para não falar a nível Europeu ou Mundial porque aí dava uma cópia por Português vivo.
Mundo | Europa | |||
1 | Call of Duty Black Ops (PS4) | 10,740,583 | Fifa 16 PS4 | 5,073,837 |
2 | Fifa 16 PS4 | 6,956,922 | Call of Duty Black Ops (PS4) | 4,573,228 |
3 | Star Wars Battlefront (PS4) | 6,545,898 | Star Wars Battlefront (PS4) | 2,748,418 |
4 | Call of Duty Black Ops (Xbox One) | 6,030,404 | Fallout 4 (PS4) | 2,660,506 |
5 | Fallout 4 (PS4) | 5,806,479 | Grand Theft Auto 5 (PS4) | 4,741,566 |
Nós gostamos de videojogos, mais uns que outros, e mais de uns que de outros, mas no geral gostamos de jogos. Contudo isso não deixa de ser um mercado de nicho, e quando vamos a especificidades como Fãs de Videojogos Legend of Zelda e/ou concertos de orquestra (porque não são muito diferentes), é um nicho, num nicho, num nicho… Num país que é um nicho por natureza.
Custa-me bastante não ter o concerto aqui, porque não só é a minha série favorita como tem das melhores bandas sonoras alguma vez feitas, sobre a qual ainda vou fazer um artigo ou dois, como a minha senhora já me tinha oferecido os bilhetes para ele no Natal, mas temos que aceitar que quando somos um peixinho tão pequeno num lago tão grande, não admira que ninguém se preocupe em lançar um bocado de isco para os nossos lados, não lhes compensamos o esforço.
Não é uma questão de mentalidade nem de cultura, é mesmo uma questão de tamanho. Aqui não é o que fazemos com ele que importa, é mesmo o tamanho da coisa.
Para quem acha que o Video Games Live vai ser feito cá num futuro próximo porque é mais abrangente… É bom não ter grandes esperanças.