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Memoir En Code – Desenvolvido pela Kalopsia Games
Aprox. 2,75 minutos de leitura (250 wpm c/taxa de compreensão de 60%). Tempo recomendado a despender: 3 minutos (tempo do autor durante a revisão).
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Memoir En Code chegou ao Steam Marketplace no dia 21 de Setembro deste ano e não é tímido a mostrar o impacto que teve nos media internacionais. “Este é o sucesso de Camilleri, (…)”, “Sem dúvida um dos jogos do ano” são algumas das várias citações que podemos ver tanto na página do jogo como no seu trailer promocional. O Rubber Chicken jogou-o e não hesita em discordar.
Quando Memoir En Code começa com um disco de vinil a tocar, está a chapar na cara de todos nós o paralelismo entre a sua estrutura e um álbum de música. O paralelismo poderia ser feito também com um livro e a verdade é que inúmeros jogos de vídeo adoptam essa estrutura também de forma explícita, ainda que sem iterar nas suas mecânicas e história ao ponto de se sentir desligado entre as partes que o compõem. Podem-se compor álbuns de inúmeras formas mas Memoir adopta uma estrutura padrão na indústria musical, de que não existe compromisso entre as suas partes, ainda que falem de um só tema, neste caso, a autobiografia de Alex Camilleri.
Mas o que nos faz discordar do bom feedback que está a receber não é o artstyle simplista cuspido por qualquer programa de edição vectorial, muito menos os efeitos sonoros e música afiados, é que todo o game design envolvido é arrojado, mas infelizmente pouco sofisticado.
Um excelente exemplo é visível na segunda cena do jogo. Nesta cena existe uma conversa entre o protagonista e a sua namorada entre uma porta aberta de um comboio. O protagonista vai morar para longe e encontra-se numa situação em que tem de dizer adeus. A namorada, como poderão constatar mais tarde, é uma peça muito importante para este e por isso deveria de ser expectável que este fosse um momento bastante emocional em que é suposto (como sugerido pelos achievements do Steam) beijarmos durante tempo infinito, mas não há qualquer reforço a essa ideia além de, quando na altura de usar o botão do lado esquerdo do rato para o fazer, surgirem no ecrã as seguintes strings:
[KISS], [FOREVER], [NEVER], [LET GO]
Confesso que um jogo vindo de uma indústria que se gaba de inovar e perceber os videojogos como a indústria AAA deixou de o fazer há imenso tempo, acho esta abordagem no mínimo humilhante. O ponto do dev nesta cena claramente não era este (analisando o texto que comenta esta cena, desbloqueado após terminar o jogo pela primeira vez), mas com tão pouco além de uma hora de jogo (se tanto), não há motivo para não aproveitar oportunidades destas! Eu quero-me sentir tão imergido que segurar o botão esquerdo do rato faça tanto sentido que eu o faça intuitivamente, como se qualquer outra coisa não se pusesse em questão. Investir no diálogo, trabalhar a integração de áudio, tanto poderia ser feito nesse sentido e não foi feito (não só nesta cena como em todo o jogo). É nestes detalhes que este tipo de jogos deveria brilhar e Memoir En Code, infelizmente, nunca surpreende mecanicamente.
O que torna tão difícil, para mim, analisar Memoir é o seu conteúdo. Viver torna-se, por vezes, uma tarefa não trivial e lotada de dor. Este traz-nos uma perspectiva em nada ortogonal a estas direcções, ainda que tenha os seus (poucos) momentos divertidos. É muito fácil sentir empatia, é difícil terminar o jogo sem enviar um e-mail com palavras de força para o developer. Mas nada acrescenta ao game design actual além de umas quantas ideias interessantes para outra pessoa ou estúdio pegar mais tarde e iterar sobre elas.
Este é o tipo de jogo que é complicado de recomendar a pessoas habituadas a jogabilidades mais ortodoxas. Àqueles que frequentam game jams mais experimentais e Plug & Play representa uma metáfora para a sexualidade, Memoir En Code é um bom e um mau exemplo ao longo da viagem que tem para oferecer. A todos aqueles que procuram algo novo poderá ser uma opção razoável, mas nada me desconvence que existem outras melhores.