Praxe da vida: os mais velhos apelidam a nova geração de “geração rasca”. Estamos em 2016 e isso continua a acontecer e aconteceu provavelmente pela primeira vez quando o homem andava a caçar mamutes no Gerês. O choque de gerações é primordial e faz parte da nossa natureza humana.
Mas no fundo somos todos é uma geração à rasca e é por isso que vemos os nossos sucessores com olhos diferentes.
Eu nasci nos anos 1980, aquela geração já uns “aninhos” depois do 25 de Abril. Passámos de burro para cavalo, a população deixou de passar tanta fome. Numa sociedade em reconstrução chegou outra crise mas diferente da que se tinha vivido, mas mesmo assim muita gente passava fome. Em Setúbal, a minha terra, muitas famílias passaram fome na década de 1980 e 1990, uma cidade que sempre foi um tubo de ensaio da sociedade portuguesa. Começou a perder a indústria que tivera, principalmente aquela ligada às pescas, as quotas pesqueiras diminuem, abatem-se embarcações, fábricas fecham e muitas famílias ficam sem sustento. A meio dos anos 1990 começa-se a recuperar e a partir daí pelo menos até os primeiros cinco anos de 2000 a crise não é aparente, não se passa tanta fome isso, e felizmente isso é já para uma minoria. A classe média aumenta sobretudo com o emprego da Auto-Europa e outras indústrias como a da pasta do papel, adubos e outros químicos.
As famílias têm maior poder de compra, entramos na Europa e começam a a ter muitos produtos de baixo-custo disponíveis nas prateleiras das lojas, e não só, os produtos de consumo sobretudo electrodomésticos passam a ser mais acessíveis e abundantes. Uma evolução que começou lentamente nos anos 1080 com a Timex a fabricar em Portugal e a partir dai o consumo deste tipo de produtos de electrotécnica e computação foi sempre crescendo. Malta da minha idade ou mais velhos diria entre os 35 e os 60 anos lembra-se do Spectrum, depois vieram as “Nintendos” as “Segas”, “PlayStations“ etc, etc… e nos dias de hoje já estamos a falar de Computadores que hoje processam milhões e milhões de informação para nos disporem de jogos ultra-realistas com resoluções enormes em mundos vastos em 3D!
Todo este contexto sócio-cultural tem um sentido, a geração antes de nós teve privações sempre piores, geração após geração, e isto foi evoluído, passamos dum mundo de 3ª para um mundo de 1ª. Antes as crises matavam à fome, hoje as crises fazem-nos viver num apartamento de duas divisões com 5 rendas atrasadas. Aos olhos dos nosso Avós somos uma geração rasca, mas no fundo somos a geração à rasca do nosso tempo.
O meu primeiro contacto com computadores e videojogos foi com o ZX Spectrum do meu tio e isso mudou-me a vida. O que me acendeu a luz até foi algo muito simples: um jogo do Robin dos Bosques, que era o meu herói e ainda por cima podia jogar naquela máquina que nem meia dúzia de cores tinha.
A minha primeira consola de jogos que tive foi um clone da NES, uma consola comprada numa loja de roupa e de utilidades, que adquirimos em 3 prestações! Custou-nos cerca de 10 contos (aproximadamente 50€), sendo que nesse tempo esse valor corresponderia a 1/3 dum baixo ordenado da altura se não estou em erro. E eu joguei aquilo numa TV a preto e branco de 14 polegadas!
Era pobre mas não passava fome, não havia margem para estes luxos, sofri um bocadinho com isso, mas entendia. Bem inicialmente não, mas contentava-me. Mesmo com os gozos na escola ou por ir com roupa que não era de marca ou usada, ou porque comia na cantina todos os dias e levava um lanche simples com um iogurte uma peça de fruta ou duas e uma carcaça com manteiga ou marmelada caseira.
Na altura sofria de bullying, até de coisas parvas e simples, a malta tinha Segas a moda era a Mega-Drive e haviam alguns mais elitistas com Super Nintendo, mas era raro andarem à bulha por isso, e eu no meio dessas guerras tinha uma “Nintendo dos chineses”. Ainda pior, se “Nintendo era para crianças” como diziam, imaginem o gozo de quem tinha uma cópia dos chineses!
Mas nesses tempos difíceis também tive bons amigos, e era com eles que ia jogar Mega-Drive ou Master System. Quando começou a ser necessário usar computadores, lá tive o meu quando estava no 9º ano. Recebi um 486 – já ele na altura em 1997 estava obsoleto – mas dava para os trabalhos da escola. Mas isto é já outra história para contar.
A malta brincava mais tempo na rua, éramos fisicamente mais ativos e a internet era uma miragem. A minha vida mudou quando mudei de casa passei duma casa de 2 divisões para uma casa de 5 divisões no novo centro da cidade, os meus Pais já ganhavam mais e começamos a ter outras conveniências ou luxos como uma maquina de lavar a roupa etc. Foi aí que comecei a ter os meus primeiros contactos com a internet e os jogos de PC, passou de simples brinquedo para algo mais multi-usos.
A vida dá voltas. Agora em 2016 já sou o cota que às vezes olha para os mais novos e pensa – “olha a geração rasca”. Perdi esse preconceito: eles estão a viver o seu tempo e a passar as suas próprias crises. Vê-los com melhores condições é sobretudo algo que deve orgulhar a qualquer um da minha geração. São uns desenrascas como éramos no nosso tempo, bastante inteligentes, souberam aproveitar o que a nova internet lhes deu e com isso souberam capitalizar o seu futuro. Estou a falar do Youtube por exemplo: os putos a jogar Minecraft e ainda por cima se forem talentosos ganham dinheiro com isso! Mas nem tudo são favas contadas, o sistema não é perfeito e não é sustentável: o Youtube foi inundado de cópias de cópias sem nenhuma originalidade e claro, os lucros desceram. Mas isso também é bom, esta geração à rasca aprendeu e vai aprendendo com os seus erros, como nós fizemos ou não fizemos, é como tudo: há os rascas e os desenrascas. Vem aí uma nova fase e uma nova geração, a dos eSports, e o que antes era para passar o tempo agora é algo sério.
A geração “rasca” vai aprender e tornar-se adulta, com os erros claro, é com isso que se aprende.
Outro fenómeno que me agrada é vê-los a pegar em jogos mais antigos, seja porque os media falam deles com nostalgia, seja por remasters ou remakes que chamam à atenção. Jogos bons serão sempre bons e continuará a haver sempre alguém com bom gosto e sobretudo a curiosidade e choque de gerações não precisa de ser negativo.
A minha sugestão? Pensem um pouco antes de chamarem um puto de 12/15 anos de geração rasca! É que nós também o fomos ou somos aos olhos de alguém.