Feromonas. Confesso que seria mais interessante escrever um artigo sobre as secreções  animais, e as suas funções exemplares na comunicação entre animais e humanos, mas peço perdão. É mesmo sobre o youtuber. Mas não vai ser um artigo sobre ele. Vai ser um artigo sobre eles. E sobre nós. Curiosamente, até parte de uma premissa de um jogo sobre elas.

O que este artigo não é, porém, é sobre juízos de valor. Aqui não se vai escrever sobre a validade ou qualidade do conteúdo de youtubers. Aqui vai escrever-se sobre a validade e qualidade de jogos, e da importância de os descobrir. Vamos a isto. Mas primeiro, peço-vos que vejam este vídeo.

As marcas amam isto. Para uma marca, que quer gerar o máximo de vendas possível, não existe qualquer argumento que possamos usar para contrariar a estratégia usada. Vejamos: o youtuber português mais visto; com números de seguidores que deitam por terra todos os outros youtubers; que rivaliza com as bases de dados de contactos que a própria marca dispõe para mailing lists, capacidade de engagement nas redes sociais, ou marketing directo do produto nas grandes superfícies. Este youtuber produz (para a marca) um vídeo que é uma extensão do marketing da empresa. Não existe crítica. Existe apresentação. Existe “Exclusivo”; “Super-interessante”; “Brutal”; “Acolhedor”; “Único”; “Oportunidade”. É a cobertura transformada em superlativos.

Silver Linings

As editoras focam-se actualmente nos youtubers, como o veículo preferencial para a promoção. A escrita vai sendo cada vez mais colocada para um lugar mais secundário; e no vídeo, os youtubers mais sérios e mais críticos, não se tornam interessantes como veículo de promoção, até porque não atingem números interessantes de seguidores. Começaram já a aparecer nos últimos dois anos, os vídeos de youtubers que são levados a eventos internacionais de apresentação de jogos, e que os transformam em diários de viagem, onde o conteúdo sobre os jogos é quase nota de rodapé.

É certo que o foco principal dos youtubers é o entretenimento e não a crítica. É com o entretenimento que conseguem gerar os números que geram, o que conduz a todas as vantagens que se seguem, e a oportunidades financeiras tão grandes que fazem qualquer um questionar a sua postura e ética (nos casos em que elas existiam à partida). Mas como referi, este texto não é sobre juízos de valor. É sobre a validade e a qualidade dos videojogos. Vamos então agora a essa parte.

Gynophobia captou-me automaticamente a atenção. Um jogo cuja temática era a fobia para com as mulheres, tinha tudo para ser um grande jogo. A imensidão de oportunidades para mecânicas era incrível: uma aventura gráfica em que nunca conseguíamos ser nós a falar; um contra-relógio para achar chaves dentro de uma mala; um jogo de gestão e simulação de nos arranjarmos antes de sair para um evento; ou um em que temos de estacionar bem o carro, com menos de três tentativas. Sim, eu sei. Estou a ser machista. Mas lá está! Até por aí podíamos ter um fio condutor para boas mecânicas. Ou mecânicos.

Alessandra Ambrosio

Como me recuso a colocar uma imagem de Gynophobia, deixo aqui uma mulher que me mete medo, uma vez que não tenho carta de condução de pesados.

O resultado final é uma nulidade. Gynophobia podia ser o jogo de tutorial de um programa de criação de jogos. Mas nem isso pode ser, porque até esses jogos são bem melhores. Gynophobia é um first-person shooter que parece um mod do Doom dos anos 90, se alguém tivesse tirado features e elementos ao jogo. O seu criador, se é que a palavra se aplica, limitou-se a arranjar uns assets genéricos, a juntá-los numa amálgama de bugs, animações toscas, cenários despidos, e a colocar umas aranhas e umas mulheres a atacarem-nos para justificar a sinopse. Três níveis (que são uma ofensa ao conceito de nível) e uma grande linha de diálogo que o nosso personagem(?) lê numa sms do pai: “A tua psicóloga disse que afinal tu tens fobia das mulheres, como a que tens das aranhas. Assim estou mais descansado. Estava com medo que fosses gay”. A classe, a arte de um momento histórico do Game Design. Ou então não.

A verdade é que Gynophobia não merece que se escreva uma única frase sobre o mesmo. A verdade é que Gynophobia não merece ser jogado. Então porque estou aqui a escrever? Porque a verdade é que Gynophobia existe, está à venda no Steam, e há quem vá acabar por comprar. Porque a premissa cativa-nos, embora o resultado seja um não produto. Novamente: mas existe. Está à venda. Pode ser comprado. E voltamos aos youtubers.

Give 'em the old razzle dazzle

Give ‘em the old razzle dazzle

O Rui Parreira (podem seguir aqui) é youtuber. Mas antes de ser youtuber, o Rui Parreira foi um dos jornalistas mais experientes na escrita sobre videojogos. O Rui viajou muito, para visitar estúdios internacionais e entrevistar os criadores dos grandes AAA. Mas o Rui viajou sempre como jornalista. Perguntei-lhe como se preparava para essas entrevistas:

“Procurava informar-me de tudo sobre o jogo até então, e sobretudo, sobre as pessoas que iria entrevistar. Se o jogo era sequela, relembrar os anteriores se tinha jogado, ou informar-me para procurar cruzar informações ou nabos da púcara. Gostava de ter sempre uma ou outra pergunta menos confortável. (…)

(…) quando entrevistas um produtor, tens sempre um PR a acompanhar que, mediante a pergunta, pode ou não interferir, a dizer que não podem falar sobre esse assunto. Nunca ninguém me fez pressão sobre perguntas difíceis, aliás, como disse anteriormente, era a minha especialidade!(…)

(…)tinha alguns truques. Fazia três perguntas numa só, obrigava-os a responder faseadamente como se fosse uma só. Eu depois cortava e abria a entrevista. Sobretudo entrevistas coletivas, onde tens um tiro para dar. Tenho muita atenção se o que vais perguntar não foi perguntado, e depois elaboro como disse.”

Tudo o que o Rui refere atrás chama-se jornalismo. O entretenimento não quer, nem tem que ter as mesmas preocupações. As entrevistas, as visitas, as análises, as antevisões não têm obrigatoriedade de partilhar qualquer sentido crítico. Servem, prioritariamente, para entreter. Por essa razão, as editoras vão concentrar as suas baterias nestes novos “media”. O que nos conduz a outra curiosidade. Enquanto as revistas e os sites são por norma compostos por uma equipa, os youtubers são uma pessoa. Bombardeados que estão a ser, como a nova coqueluche para a promoção de produto, estão afundados nos AAA da actualidade, e no que interessa às editoras promover. Espaço para outros jogos, é inexistente (a menos que sejam os jogos e as séries que sempre lhes deram a grande base de fãs como Minecraft, Fifa, CS, entre outros).

pewdiepie-tuber-simulator

Juntemos então tudo no mesmo saco. Youtubers que querem entreter, editoras que passam a querer esta promoção, ausência de crítica, e agora juntemos o ingrediente que torna tudo isto muito preocupante: qualquer um pode fazer um não jogo e pôr à venda no Steam ou noutras lojas. Chegamos então à conclusão para a qual este artigo caminha desde o início:

Nunca, como antes, foi tão necessária uma curadoria de videojogos.

Não me refiro a uma postura de superioridade intelectual ou moral sobre os videojogos. Longe de mim. Mas é preciso separar o trigo do joio, encontrar a agulha no palheiro. É preciso uma postura de tentar procurar e encontrar o melhor que por aí se faz, saber escarafunchar na porcaria, passar por muitos Gynophobias e outros, até encontrar as pérolas. O Ricardo, aqui do burgo, encontra muitos. Mas não está só. Tem com ele uma equipa que faz essa pesquisa e essa triagem, que passa horas a experimentar jogos terríveis ou injogáveis, para no entanto descobrir e levar aos jogadores aquela obra genial que poderia passar despercebida. Porque uma equipa tem esse tempo, e porque uma equipa tem esse propósito. Acho que foi isso que nos trouxe a todos aqui: partilhar aquilo que gostamos. Este artigo também não é apenas sobre o Rubber Chicken. Há mais a fazer o que fazemos. E têm de surgir mais. Na escrita, e no vídeo. Para que um dos momentos que se está a mostrar a maior explosão criativa de toda a história dos videojogos, consiga levar esses jogos aos jogadores. É preciso repensar e reformular os media. E esta é uma discussão que todos devemos ter, quem produz, quem segue, e quem consome.

Agora sim sobre o que é este artigo: é sobre todos nós.

E é sobre o facto de sempre que nos rirmos com um tiro numa das bordas, existir um Punch Club que fica por descobrir e jogar.