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Foi onde toda esta aventura começou. Não me refiro à minha paixão pelos videojogos obviamente, mas sim na aventura verdadeiramente maravilhosa que tem sido a da crítica de videojogos. Para além de ser uma das minhas série favoritas de sempre e para o qual eu serei sempre um eterno Rapaz-Ventoinha, Gyakuten Saiban (como é conhecido no original) está também interligado com a minha vida no Rubber Chicken.

Há cerca de seis anos decidi começar a escrever num blogue, para mim mesmo, sem partilhar os artigos com ninguém sem ser com a minha mulher, numa espécie de exercício de escrita/diário cuja única razão para existir era para ser uma expressão narrativa minha sobre coisas que tanto me apaixonavam. Oportunamente o meu primeiro artigo acabou por ser sobre a trilogia inicial de Phoenix Wright, uma série que me foi apresentada no final de 2007 na sua versão de Nintendo DS. E que foi não só um dos corolários daquela que é para mim e para o João a consola com o melhor catálogo da história os videojogos, como a minha porta de entrada para o mundo das visual novels, e de uma das minhas séries favoritas de todos os tempos.

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No final de 2012, um ano após a sua fundação, o Rubber Chicken andava à procura de redactores. Apesar de seguir fielmente aquele que considerava o último reduto crítico do mercado em terras lusófonas, nunca pensei sequer em concorrer com os artigos que produzia para mim, como extensões pessoais da minha reflexão, e que aí deveriam ficar circunscritos. Mas foi com a amável pressão da minha mulher que decidi submeter um artigo, justamente o de Phoenix Wright, ao “concurso” de angariação de novos redactores do Rubber. Com alguma surpresa minha, das 12 candidaturas à época, apenas eu e o João Ortega (que entretanto saiu para se dedicar por inteiro ao game development) entrámos na equipa. E quatro anos depois, setecentos artigos entre Rubber, Observador e Mais Educativa (uma extinta parceria cá da capoeira), uma série de vídeos e podcasts, milhares de quilómetros percorridos em representação do RC, centenas de pessoas que conheci e outras centenas de jogos que joguei, para além de dezenas de apresentações que fiz enquanto redactor e posteriormente editor e editor-chefe do Rubber, eis que o círculo se fecha com a minha primeira participação nesta rubrica com o mais recente jogo da série Phoenix Wright.

Quando eu e o João decidimos, enquanto “nintendistas” residentes da capoeira em começar esta rubrica dedicada à nossa paixão à grande N, deixámos bem cientes que qualquer jogo de qualquer consola poderia ser vítima do nosso evidente e inconsequente fanboyismo. Ao invés de mergulhar na já longa história de Wright e Cia. parece-me que o oportunismo verdadeiramente maravilhoso do recém-lançamento na Europa do sexto jogo da série principal de Phoenix Wright, Spirit of Justice.

(a partir deste parágrafo o rapaz-ventoinha tomará conta do texto)

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Spirit of Justice vem comprovar mais uma vez que Phoenix Wright é sem sombra de dúvida a melhor visual novel para o gosto ocidental. Sem nunca recorrer aos estereótipos niponizados que tantas vezes afastam o público do Ocidente de alguns maneirismo anime-esq, PW consegue também apresentar um dos ritmos narrativos mais interessantes do mercado.

Depois de tantas vezes afirmar que desejo de forma ardente que a Capcom entre em bancarrota e que a Nintendo a adquira e a todas as suas PIs, Phoenix Wright: Spirit of Justice vem também comprovar que esta pode ser a última e única série que a companhia ainda verdadeiramente respeita, e cujas produções mantêm o mesmo patamar qualitativo de iteração para iteração.

Depois de 6 jogos principais decorridos e uma série de anos passados dentro do universo do jogo, a evolução dos personagens é notória e há um sentimento de pertença e de familiaridade para com eles. Phoenix já não é o novato que tentava sobreviver de caso em caso sem o olhar da sua mentora, e é hoje aos 35 anos de idade um dos mais respeitados advogados de defesa do mundo. Apollo Justice, dois jogos depois de ter surgido já não é o recém-licenciado advogado que necessita de Phoenix para suceder, mas é ele mesmo uma figura de mentoria para com Athena.

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Esta evolução e este crescimento dos personagens é um dos melhores pontos de toda a série, e que tem neste Spirit of Justice um dos seus melhores exemplos. Seja no facto de que mentor e mentorandos estão separados geograficamente a lutar as suas próprias batalhas, com Phoenix em Kura’in a visitar Maya e Apollo, Athena e Trucy na sua cidade-natal a manter o barco da Agência de Advogados Wright Anything em bom porto. Sempre que possível.

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Para os fãs da série é o regresso de Maya Fey que marca grande parte do tom de Spirit of Justice, também ela uma personagem bem diferente daquela que nos habituou. A jovem descontraída que sempre acompanhou Phoenix e que todos aprendemos a amar ainda existe, mas é hoje uma mulher de 28 anos à procura do próximo passo na sua busca pelo apogeu da espiritualidade.

Seguindo a tónica da série, o que aparentemente parecem casos isolados vão mais cedo ou mais tarde pegar nas muitas pontas soltas das Fey, de Phoenix, Edgeworth, Apollo, Athena e os Gramarye, nomes que todos os fãs tomam como parte integrante da suas suas memórias mais profundas e queridas. Spirit of Justice não desilude nesse aspecto, e é curioso ver em mais uma iteração a forma como os argumentistas da série conseguem coser as linhas destes casos às teias soltas que se vão complexificando dos jogos anteriores.

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Visualmente a série continua a mostrar todo o seu potencial com a continuação da utilização do 3D com cel shading, abrilhantando ainda mais um dos grandes factores de genialidade da série: o seu character design and creation. Seja o monge budista/metaleiro do primeiro caso ou a nova assistente de magia de Trucy, ou mesmo o antagonista do jogo, o procurador Sahdmadhi, que em cada animação e cada reacção surgem mais uma vez como peças num dos elencos mais fascinantes não só dos videojogos mas de qualquer outra obra cultural, ultrapassado apenas, diria eu, por One Piece.

Como em todos os jogos da série, em Spirit of Justice as muitas mecânicas para encontrar a verdade estão de regresso somadas a mais uma: as Séances, sessões espíritas no qual vemos os últimos instantes em torno da alma da vítima, e que vem complexificar ainda mais uma visual novel que nos habituou a mecânicas e “mini-jogos” inteligentes como forma de apimentar toda a batalha judicial que aqui decorre.

Após quinze anos seria de esperar que a série de Ace Attorney fosse perder parte da sua maravilha, do brilhantismo tresloucado que tece as teias dos seus argumentos e da lógica quase-absurda quase-genial de cada caso, mas não. No ano em que a série de anime vem captar uma nova audiência, Spirit of Justice surge e mantém o patamar qualitativo da série. Agora que a sequela de Dai Gyakuten Saiban: Naruhodō Ryūnosuke no Bōken foi anunciada, resta-nos esperar que o spinoff do antepassado de Wright com Sherlock Holmes veja finalmente a localização na Europa, a beber do excelente momento que Spirit of Justice nos brindou. E se nunca jogaram a nada de Ace Attorney, posso pedir-vos enquanto Rapaz-Ventoinha que o façam, e se quiserem comecem pela trilogia original também disponível para 3DS. Tomem então contacto com uma das série mas geniais de sempre, e que continua, a caminho dos vinte anos de idade, a dar imensas cartas. E nem todas são passos de mágica da Trucy Wright.