Ser Rapaz-Ventoinha tem muito que se lhe diga. Se tivéssemos tempo para o fazer, provavelmente tínhamos textos diários até 2025 só falando de coisas que saíram até hoje. Reduzir a lista até achar o jogo do qual vou escrever de duas em duas semanas é uma tarefa hercúlea.

Os catálogos das consolas da Nintendo são gigantescos não só em quantidade como em qualidade. Há plataformas com muitos mais jogos, mas não serve de nada ter milhões de jogos dos quais mil nem chegam a ser medíocres quanto mais bons. E apesar de concordar com o Ricardo no que diz respeito à Nintendo DS ter o melhor catálogo da história os videojogos, também acredito que o Game Boy Advance não lhe fica muito atrás, nem sequer a Gamecube, apesar de proporcionalmente o rácio de qualidade ser maior na GC por causa do número de jogos total ser muito inferior, ali são quase todos pérolas ignoradas. Mas deixemos a matemática de lado porque isto tudo era apenas para dizer que é no Game Boy Advance que está, não só, um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, mas também o que é quase indiscutivelmente o melhor de uma das maiores franquias da Nintendo: Metroid Fusion.

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Vou admitir que alguns puritanos possam sentir-se ofendidos com a minha afirmação, porque é de consenso geral que dos Metroid puros, este é, alegadamente, o menos Metrois dos Metroids, e Super Metroid é dos melhores jogos de sempre seja em que geração ou plataforma, ainda assim, tenho as minhas razões para o que digo.

O meu primeiro contacto com a saga foi com a minha primeira NES no final dos anos 80 e nas várias horas e dias que eu e o meu amigo Texugo passámos a explorar aquele mundo labiríntico que nos obrigava a andar de um lado para o outro, para cima e para baixo, sem mapa, sem indicações e sem save points excepto uns códigos gigantescos que muitas vezes perdíamos e éramos obrigados a voltar a fazer grande parte do jogo. Anos depois no Game Boy a aventura continuou com Return of Samus e anos mais tarde com Super Metroid na SNES, mas apesar de eu já ser fã incontestável da série nesse altura, foi em 2002 que as regras mudaram com o lançamento de Fusion para o GBA e de Prime para a Gamecube quando ambos transformaram os paradigmas do que até aí era um Metroid.fusion-3

Da mesma maneira que Mario 64 e Ocarina of Time pegaram nos jogos originais e os evoluíram para outros campos, Prime pegou no jogo de plataformas e transformou-o num dos melhores jogos First Person alguma vez feitos (recuso-me a chamar-lhe um First Person Shooter porque acho que vai muito além disso).

Metroid Fusion manteve o 2D e as plataformas mas deu-lhe uns ajustes, tornando-o mais constrito apesar do seu ambiente quase open-world. Todo o jogo é menos labiríntico que os clássicos anteriores, todo ele é menos metroidvania, mas é isso mesmo que o faz melhor, o ser diferente.

A cronologia de Metroid Fusion não é fácil para quem não jogou, mas é crucial para compreender a importância deste jogo em toda a saga. Enquanto Fusion é, ex-equo com Prime, o quarto jogo a ser lançado, numa perspectiva narrativa é a última aventura de Samus Aran (até agora). Não faço ideia se na altura já tinham planeado os jogos que publicaram posteriormente (excluindo remakes e spin-offs) mas sendo a aventura final de Samus Aran marcou o que deveria ser toda a história dela até ali. De um ponto de vista cinematográfico é um Return of the Jedi. Só que um que as prequelas não estragaram ou desrespeitaram os pontos que ele afirma como verdade.fusion-4

Mas não foi só nisto que este jogo foi importante, a inclusão de pequenas alterações conseguiram dar uma camada completamente nova à aventura que na sua base técnica é semelhante às suas predecessoras em que Samus tem que ganhar/recuperar as suas habilidades para chegar a certos pontos e/ou derrotar certos inimigos e completar a missão em causa.

(In)felizmente Metroid Fusion é único, e da mesma maneira que nunca mais fizeram um Metroid clássico como os que Fusion utiliza como base primordial, tenho pena que nunca mais tenham feito outro, mas pensando bem é isso que lhe dá a sua magia… O estilo de jogo para contar a história passou para o First Person, do qual não tiro mérito nenhum pois gosto imenso da saga Prime, e as plataformas foram deixadas de lado, até Other M que é uma espécie de hibrido 2.5D com algumas secções First Person, mas deixa muito a desejar na sua jogabilidade.

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Muito do que Metroid Fusion faz bem é uma homenagem aos seus antecessores fazendo algo diferente. Ou dito de outra maneira o melhor de Fusion é alterar os originais mas sem perder a essência ou qualidade. Um bom exemplo é Adam (o computador da nave de Samus) e as recordações e introspecções que vão aparecendo em texto numas pequenas animações durante o jogo. Até aqui os jogos eram completamente solitários, tínhamos uma explicação inicial da missão e pouco mais. Samus Aran sempre foi uma One Woman Army. Ela sozinha contra tudo e todos os seres na sua missão, equipando os seus extras aos poucos e nós tão sozinhos como ela, estando no seu lugar de um modo virtual. Mas nunca tivemos uma janela para a sua mente, para quem ela realmente é, pensemos que só no final de Metroid é que se descobre que ela é uma mulher para ver o quão longe ia este secretismo.

Durante os primeiros não temos um desenvolvimento de história ou personagem, e sem perder a sua essência, sem estragar nada em Fusion sabemos mais sobre Samus, os pequenos momentos em que podemos ler os seus pensamentos, ou as suas conversas com o seu computador Adam foram uma adição genial que torna a nossa fusão com ela mais empática.

A inclusão de Adam e de ter uma jogabilidade mais focada na narrativa reformou muito a jogabilidade de Metroid Fusion, mas conseguiram manter a sua essência inalterada. Uma característica dos Metroid(vania) é que andamos um pouco sem rumo, perdidos sem saber para onde ir até que encontramos o objecto ou aprendemos a habilidade que nos permite abrir mais zonas e por aí em diante. Até aqui éramos guiados por cabeçadas na parede (às vezes literalmente), nunca sabíamos qual o objectivo final até lá chegar, com Adam e algumas salas específicas temos ordens directas de onde ir e que fazer.

Todo o enredo desta última missão de Samus é uma lição em narrativa. Começamos com uma situação aparentemente banal para ela, e um twist que a altera em todos os aspectos físicos, psicológicos e até estratégicos. Ao ver-se obrigada a juntar forças com um dos seus maiores inimigos para derrotar seres que absorvem e clonam o aspecto e habilidades de tudo o que tocam a sua motivação muda, porque um desses clones é dela própria. Infelizmente também muda a sua maneira de combater porque esse inimigo tem todas as suas forças e nenhuma das suas fraquezas, incluindo a mais recente devido à sua aliança forçada. Toda a história é construída sobre isto, sem falhas, sem soluços, flui perfeitamente de início ao fim. De tal modo que os jogos posteriores cuja acção se passa antes respeitam o cânone que este delimita. Este jogo encerra tão bem a história de Samus Aran que nenhum dos 4 jogos feitos após 2002 se passam depois destes acontecimentos.

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Metroid Fusion assume tudo o que era bom nos três primeiros e vira-o, transforma-o, funde-o com outros aspectos, mantém-se fiel às suas origens. Apesar de ter Adam connosco, Adam é uma máquina, é um ser de inteligência artificial, portanto podemos falar com ele, ele pode dar indicações mas não temos o calor necessário, o apoio emocional, continuamos sozinhos num ambiente hostil. As suas indicações não tornam o jogo mais fácil de completar. Lá porque temos uma bola a piscar com o nosso objectivo no mapa é apenas uma direcção geral porque se ela está no escuro do que ainda não foi descoberto vamos ter que desbravar o caminho para lá da mesma maneira, vamos ter que encontrar os objectos necessário para “abrir portas” até lá.

Acima de tudo é SA-X, o clone de Samus Aran que torna este jogo brilhante. Aqui foi das primeiras vezes que eu levei a sério a expressão “eu sou o meu pior inimigo”. Até ao final, somos perseguidos por SA-X, mas tendo em conta que “ela” está no topo das suas capacidades, e nós não todos os momentos em que os nossos caminhos se “paralelam” são de tensão. Posso confessar que apenas pelo facto de nestes segundos ocasionais este jogo me fez sentir mais medo e pressão que muitos jogos de terror é razão suficiente para estar no topo dos meus jogos.

Ainda volto ocasionalmente a Metroid Fusion, quase anualmente. Mesmo conhecendo os mapas e bosses de trás para a frente é um daqueles que é sempre novo e fresco quando lhe pego. Tenho a sorte de o ter na minha 3DS, portanto quando quero um momento de grande jogabilidade e narrativa, está sempre à mão.