Este não pretende ser de todo um artigo feminista (não que isso tivesse algum mal), mas sim um artigo que vos convida a reflectir, assim como eu reflecti, relativamente às transformações que o Mundo dos videojogos foi vivendo ao nível do género. Ao longo da minha jornada como Gamer e Mulher observei várias vezes este Mundo tendo um cunho muito estereotipado como masculino, não me tendo surpreendido como Psicóloga que existissem dados a reforçar algum sexismo nesta área. No artigo Videojogos no Feminino viu-se que tal discriminação não faz sentido, já que quase metade dos jogadores de videojogos na América, por exemplo, são mulheres. Já aqui pretendo fazer uma curta reflexão, tendo como base a minha opinião pessoal, mas também trazendo-vos alguns dados interessantes, sobre as atitudes que ainda muito se observam neste meio.

  • As raparigas são menos competentes?

Apesar do elevado número de raparigas a jogar videojogos no presente, o Mundo dos Videojogos sempre foi estereotipado como um Mundo de Homens apenas para homens (Kafai, Heeter, Denner, & Sun, 2006), onde as mulheres são vistas como alvo a criticar ou como pessoas que não têm tanta capacidade para jogar o videojogo como os rapazes (Kasumovic, Kuznekoff, 2015). Tal facto é habitual e visível nas Streams, nas quais muitas das streamers são criticadas pela sua jogabilidade (muitas vezes sem qualquer justificação), ou vistas apenas pelas suas características físicas.

Stephanie “missharvey”  Harvey, uma jogadora profissional de Counter-Strike, revela que de facto as mulheres para crescerem nos e-Sports devem ser realmente emocionalmente fortes para lidarem com o ódio e comportamento tóxico que é vivido no ambiente competitivo maioritariamente masculino. Muitas vezes são estes insultos e comportamentos que tiram a motivação a uma jogadora novata que até tinha vontade de começar a jogar mas que pela atitude dos que a rodeiam perde a vontade. Mas o que leva a estes insultos ou comportamentos de discriminação?

Novos estudos têm vindo a demonstrar que os jogadores do sexo masculino que têm pior performance nas competições são aqueles que mais discriminam as suas colegas jogadoras, sendo que não têm a mesma atitude com os seus colegas de sexo masculino, os quais percepcionam como melhores. Aqui verifica-se então que a preocupação em perder contra uma rapariga se encontra vigente e é vista como mais ameaçadora para este tipo de jogadores do que jogar e perder contra jogadores do sexo masculino. Pelo contrário, os jogadores de sexo masculino com melhor performance de jogo demonstram um maior apoio e menos atitudes de discriminação com relação às jogadoras de sexo feminino. 

Não é incomum ouvirem-se também comentários como “Não lhe vou falar do videojogo, ela não vai entender.”, “Tens que ser support/healer” (dirigido a uma rapariga) ou “Sim eu faço o esforço de jogar contigo” (dirigido a uma rapariga), existindo uma descrença por parte dos jovens de sexo masculino em acreditar que os videojogos podem ser realmente uma escolha de atividade por parte das raparigas e que estas podem realmente ser competentes seja em que papel for no videojogo.

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O impacto desta discriminação vê-se também nas competições de e-Sports nas quais se encontram pouquíssimas equipas femininas ou mistas na grande ribalta. Será que tal se deve realmente ao pouco interesse que as raparigas demonstraram dar no geral aos jogos competitivos tal como Nick Yee e Nicolas Ducheneaut referiram na sua análise de dados da Quantic Foundry ou realmente não existe qualquer tipo de diferença no desejo de jogar jogos competitivos como Kasumovic e Kuznekoff sugerem?  Por outro lado será que este pouco interesse na participação aos videojogos competitivos provém de um ambiente tóxico no qual as raparigas não se sentem confortáveis a aderir? É um facto que os videojogos competitivos trazem consequências neurais, comportamentais e fisiológicas  que se comparam às competições físicas, porém este é um tipo de competição que não requer uma maior força física, não fazendo portanto sentido a discriminação de capacidade. Ainda assim a percepção de homem guerreiro/competitivo e mulher a ser protegida (Ogletree S, Drake R, 2007) sempre foi um conceito que em várias culturas predominou e que de certo modo aqui poderá ter a sua influência.  A verdade é que muito ainda tem que ser investigado neste âmbito, mas até lá será importante alertar à reflexão e a comportamentos mais integrativos ao público feminino nos videojogos, principalmente nos videojogos competitivos, pois a verdade é que este é literalmente um Mundo que é tanto de homens como de mulheres.

Stephanie Harvey referiu ainda “Nós podíamos jogar em equipas masculinas, mas queremos marcar a diferença”. Senti tais palavras como uma possível consequência de raparigas que sentindo a sua competência ser constantemente posta em causa sentem o desejo de marcar o ponto de que também elas são capazes de chegar longe no Mundo dos e-Sports como mulheres. Stephanie Harvey, juntamente com outras raparigas fazem parte de uma das Equipas da Counter Logic Gaming (CLG) em conjunto com outras equipas, todas elas com membros de sexo masculino.

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Equipa de Stephanie Harvey

A perspectiva de algumas jogadoras Portuguesas de Counter-Strike foi também abordada em alguns programas do RTP Magazine, onde o preconceito foi realmente um tema abordado pelas jogadoras, nomeadamente a Marta “D7KC” Barreira que referiu que as equipas femininas eram geralmente menos reconhecidas que as masculinas e a Tânia “Spooky” Santos que referiu ser difícil ser-se uma jogadora competitiva de videojogos por todo o preconceito existente, nomeadamente ao nível da competência (Programa RTP Magazine 26). É portanto de louvar equipas femininas nacionais – como a equipa dos Defining Stars, Alientech e-Sports ou dos Galatics e-Sports Club – e internacionais que com a sua participação e perseverança fazem constantemente por mudar a ideia estabelecida quanto às Raparigas no Mundo dos videojogos.

  • Objetificação sexual das mulheres nos Videojogos… existe?

Este é um assunto delicado e controverso, no qual detenho uma opinião pessoal muito específica. De facto existe uma grande quantidade de videojogos com várias características nas personagens femininas que as objetificam, levando a pensar que estes são jogos pensados para o grupo masculino. Porém, sendo realista, a verdade é que esta não é uma problemática dos videojogos apenas, nem de quem os cria, mas sim da nossa sociedade em geral que criou valores, estereótipos, e crenças que levaram a que a objetificação da mulher seja algo que realmente vende e se propaga de várias maneiras. Sendo assim, tal tornou-se uma ferramenta de Marketing para inúmeras empresas de todo o tipo de produtos, e os videojogos não foram excepção. A verdade é que caso pensemos nos números de jogadores do sexo masculino e do sexo feminino, não faz sentido uma objetificação exagerada. Nos últimos anos cada vez mais se tem visto como preocupação no Game Developing a integração da imagem feminina com respeito e até como personagem principal (Ex. Mirror’s Edge, Life is Strange, Beyond two Souls, Horizon Zero Dawn), o que demonstra evolução e preocupação por parte das Publishers em trazerem produtos que se adequem a ambos os sexos, tendo sempre em conta as historias das personagens dos videojogos. Sendo assim, na minha opinião pessoal, deve-se ter cuidado para não se ceder a extremismos críticos nesta vertente nem para um dos extremos nem para o outro, sendo que no outro extremo não é de esconder a excessiva sexualização muitas vezes dada em alguns MMORPGS, nomeadamente nas armaduras que são dadas às personagens femininas, como aliás é gozado no vídeo do NPC Man seguinte:

Mas como se sente de facto uma mulher quando escolhe a armadura para a sua personagem num MMORPG e a armadura não é nem mais nem menos que apenas um soutien ou uma armadura com um fio dental sexy? É aqui que os pensamentos poderão ser variados entre as mulheres jogadoras, algo que na minha vida de Gamer fui reparando. Vi então raparigas que reagiam de maneiras bastante diferentes existindo: aquelas que não se importam, aquelas que com tal caracterização sentem poder ser algo que sentem não poder ser na sua vida diária, aquelas que se sentem pouco caracterizadas mas que jogam à mesma, ou por outro lado aquelas que se recusam a jogar o videojogo por se sentirem ofendidas com a forma como a mulher é representada (confesso que este tipo não conheci pessoalmente). É apesar de tudo inegável que muitas vezes há um extremo na ideia que é transmitida nas personagens femininas, algo que na minha opinião pessoal não limita a possibilidade de as figuras femininas nos videojogos poderem ter uma aparência sensual ou cativante.

Sendo assim, penso que a palavra de ordem neste assunto é bom senso e compreender que neste momento o público é variado. É tempo de pensar “que tipo de imagem queremos passar para as mulheres jogadoras nos videojogos?”, “com que tipo de figura feminina é que as rapariga se caracterizam ou gostam de ver nas suas personagens?”, “Como se pode dar opções variadas quanto à apresentação das personagens para que este não seja um assunto que suscite problemáticas deste tipo?” e por fim a questão mais importante “Sendo este um tema tão subjetivo, onde é a linha do bom senso que separa a real objetificação feminina nos videojogos de uma representação “normal” (se é que existe) e ainda assim apelativa?”.  

Além destas áreas de discriminação, existem ainda outras onde a mesma é sentida nos videojogos, porém hoje quis trazer-vos apenas alguns exemplos em tom de reflexão e promoção de melhor integração de todos nos videojogos! Não deixem de dar a vossa opinião sobre o tema em comentários abaixo.

Outras Referências

Ogletree S, Drake R (2007) College Students’ Video Game Participation and Perceptions: Gender Differences and Implications. Sex Roles 56: 537–542. doi: 10.1007/s11199-007-9193-5

Kasumovic MM, Kuznekoff JH (2015) Correction: Insights into Sexism: Male Status and Performance Moderates Female-Directed Hostile and Amicable Behaviour. doi: info:doi/10.1371/journal.pone.0138399