13 de Novembro de 2016
Há textos mais difíceis que outros. Há uns que são uma seca literal e que nada fazem por nós. Este que agora escrevo é tanto por mim, como por tentar expressar aquilo que sinto em relação a este assunto.
Inúmeras vezes se fala dos jogos como uma forma de escapar à vida que temos. Inúmeras vezes se ouve, malta mais adulta ou gente que simplesmente deixou de jogar, que os jogos exigem uma quantidade de tempo suficientemente grande para nos deixar agarrados, mais do que qualquer outra coisa na sua vida. Isto é, na verdade, um problema real, mas em nada diferente de no passado as pessoas se isolarem com outros tipos de entretenimento.
Eu sempre joguei a minha vida toda. Jogo desde que me lembro. Nunca usei como forma de escapar da minha vida, sempre fui feliz com ela. Houveram vários momentos em que quis fugir, houveram vários momentos que quase me fizeram desistir, deixar de ver gente, deixar de me levantar da cama. Neste momento, o que sinto dentro de mim é dor. A vida decorre e determinadas coisas acontecem.
Os jogos são a forma de expressão que mais me fez sentir completo. Nunca vi filmes, nunca vi séries, nunca li livros: tudo o que estes podiam proporcionar é substituído com a minha obsessão saudável de jogar. Muitos me fizeram me chorar de beleza e de felicidade inexplicável, outras deixaram-me com um nó na garganta por pensar no quão complicada é a situação posta, outros que me fizeram rir incondicionalmente, outros que me fizeram sentir tão pequenino que me faz questionar a minha própria existência. São estas as coisas que a vida não te pode explicar a menos que as procures com muita força, que estejas disposto a sofrer. De há uns anos para cá, comecei a conseguir compreender aquilo que as pessoas diziam relativamente aos livros: eu digo-o relativamente aos jogos. E se o meu caro leitor não consegue ver isto a acontecer, pense. Os jogos têm cerca de quarenta anos. A tela está branca neste momento, há tanto por fazer. Há tanto por fazer e há tanto por dizer. E ainda assim, conseguem aparecer coisas verdadeiramente originais, nos últimos tempos, que demonstram o sentido para o qual o meio de expressão está a evoluir.
Mas o ponto é: para mim, os videojogos sempre foram uma forma de me encher com diferença. Sempre foram forma de sentir um mundo que não é meu da minha forma, com os meus sentidos. E sendo eu uma pessoa verdadeiramente apaixonada por viver e sentir, eu não consigo descrever o quanto essa lacuna é importante para mim. A vida é para se sentir, num videojogo eu consigo sentir a partir de outra personagem, sentir-me lá. Sentir lá. É complicado de descrever. Não consigo.
No outro dia calhou em conversa com um conhecido meu o meu filme preferido, que é o Lost In Translation. Ele dizia o porquê do título, fazendo analogias com a história e sobre o que realmente queria dizer Lost In Translation naquele contexto. Eu mandei-o parar e disse que ele podia achar obviamente o que quisesse, mas a mim nada me desconvence que aquele é um filme sobre comunicação. Aquele filme jamais me conseguiria fazer sentir daquela maneira se tentasse usar diálogo. E a fotografia, a música, tudo isso são outras formas de comunicar que os filmes têm acesso e que não estão a utilizar. Esse filme explora esses meios. E se pensarmos dessa maneira, os jogos são uma forma de expressão ainda mais completa que os filmes com muito mais coisas para explorar e muitas mais coisas para sentir.
Deixei de querer jogar. Deixei de querer sentir o que não é meu. Por uma vez na vida, sinto que tenho problemas graves que tenho de resolver comigo. Sinto que tenho de parar de mentir a mim mesmo e aceitar que o mundo não é linear. Porque não é. E tenho de assumir que há muitas outras pessoas, com infinitos pensamentos diferentes e que efectivamente, essas pessoas também são as mais importantes da sua vida e tratam-se através dos seus pensamentos e das coisas que acham corretas. Não quer dizer que estejam correctas, não importa. Não há correcto. E cabe-me a mim aceitar, porque quem sou eu para dizer que aquilo que eu estou a pensar é o que está certo. Se não há coisa que me falta é conseguir perceber. Eu consigo perceber tudo. Aceitar também não me custa. O que me custa é que me está a custar. E que não quero ter pena de mim, não quero que custe que me custe. Quero simplesmente sofrer o que tenho a sofrer e seguir em frente.
E dado isto, acho que perdi interesse em jogar a vida de mais alguém sem ser a minha.