Das três edições até agora fui pela segunda vez à Lisboa Games Week no passado fim de semana. E cada vez mais tenho que concordar com a Alexa na sua opinião do ano passado, nem que seja só no título porque apesar de estar melhor, continua a ser um evento com uma organização geral amadora e pouco profissional (há uma diferença, podemos ser amadores e ter uma atitude profissional). Não sei se é falta de experiência (que duvido porque não é o primeiro evento na FIL) se é o típico comportamento português de cortar em todos os cantos e alguns centros para poder encher mais os bolsos directamente, ou se em bom vernáculo é uma atitude de “para quem é, bacalhau basta”? Sei que já estive em eventos por todo o Portugal e alguns no estrangeiro, das mais variadas temáticas de finanças e seguros até cutelaria artesanal e de todos inclusive na Gamescom, a pior organização que já vi é na LGW. E eu já estive numa convenção num hotel de 5 estrelas em São Paulo que assim que saia do evento tinha uma favela com uns gajos muito bem armados do outro lado da estrada.

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Infelizmente o amadorismo do evento é geral. Não é uniforme, nem sequer é absoluto, mas vai desde a organização principal, aos participantes e ao público.

Eu não vou falar da organização do Indie Dome porque, por razões óbvias a minha opinião não seria considerada isenta fosse positiva ou negativa, se disser que gostei “é porque foi organizado pelo pessoal do Rubber Chicken” se disser que não gostei “é porque foi organizado pelo pessoal do Rubber Chicken e não posso falar bem” portanto vou simplesmente não falar do Dome em si, mas posso falar de outras coisas, e já lá vamos, primeiro temos que tratar do Pavilhão e evento principal.

Por onde começar?

Portugal é um país pequeno, e quando vejo estes eventos (independente do tema) não consigo deixar de pensar que somos um nicho. No geral, Portugal é um nicho, e qualquer mercado em Portugal por maior que seja no país, é um nicho dentro de um nicho a nível mundial, quando dividimos esses negócios em rivalidades e fanboyismos são umas matryoshkas de nichos.

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Quem entrava na LGW nos últimos dias era presenteado pela grande presença na feira e em Portugal, a secção da Sony, ladeados pela Warner Bros. e mais algumas marcas incluindo a Microsoft que decidiu aparecer este ano, ao contrário da Nintendo que se manteve oficialmente ausente. Haverá algum acordo de cavalheiros em que não podem estar as três no mesmo espaço ao mesmo tempo porque podem criar algum paradoxo espaço-temporal? Ou a Sony não alinha em Handicap Matches? Algo em que pensar.

De qualquer maneira, era a Sony que dominava o espaço central primário do pavilhão, mas e o resto? O resto era detido por amadores, como o espaço Família e Nostálgica onde com muito esforço que eu admiro e tiro o chapéu estavam montadas estações para os jogadores testarem algumas opções mais retro que podiam não conhecer. Os espaços de vendas ocupavam uma parte das traseiras que é perfeitamente aceitável pois muito da industria está suportado em merchandising, apesar de mais uma vez, muitas bancas não serem das marcas oficiais mas de lojas distribuidoras ou até de produtores artesanais. Também havia um ringue de Wrestling e um espaço para Youtubers famosos inclusive um que foi acusado de roubar os seus fãs, mas tudo na boa, raramente vi gente culpada ser presa em Portugal. Faz parte da nossa tradição como Fado, Touradas e Sandes de Couratos quando se vai à bola. E falando em roubar, também havia um espaço de vendas da Worten onde era fácil de o fazer, pelo que ouvi uns miúdos a gabarem-se nos corredores.

Mesmo assim, este ano não vi uma única caixa de cartão a servir de mesa ou separador de zona, e isso é de louvar.

Eu não quero que me entendam de uma maneira errada, eu admiro imenso o trabalho que o pessoal fez ali, o esforço que muitos fizeram por paixão e com custos do próprio bolso (que podem ter visto retorno ou provavelmente não). Mas uma feira de videojogos não devia ser 50% ocupada por amadores ou coisas que não são jogos. A indústria de videojogos em Portugal não é grande. É a nível mundial e europeu, mas não é em Portugal, como já disse num artigo há uns tempos e agora usando uma analogia nova: É uma gota de água numa garrafa de Whiskey. Não faz a mínima diferença ao conteúdo total, contudo a gota de água acredita que sim.

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O amadorismo deste evento é evidente em especial no público que o visita, maioritariamente adolescentes e crianças acompanhadas pelos pais, porque infelizmente o mercado aqui é feito por eles. Não pelos que jogam, não pelos que compram jogos, nem sequer pelos que os apreciam, mas pelos que seguem youtubers e dizem que um jogo é bom porque viram alguém jogá-lo. Aqueles que acham que “…jogos indies são todos uma merda!” mas fazem os pais gastar centenas de euros por ano em recauchutagens do mesmo jogo, mais as suas subscrições, são aqueles mesmos que fizeram os pais pagar €10 ou €13 por dia para verem pessoas jogar jogos grátis, testar demos grátis, e tentar jogar jogos grátis também (para quem não sabe, falo dos LOLs, Dotas e vários que estavam em demonstração. E aquilo estava cheio, especialmente no sábado. Não sei quantos lá passaram mas era um número impressionante.

Estes mesmos milhares que passaram no pavilhão 3 da FIL foram os que ignoraram os conteúdos do pavilhão anexo.

O Indie Dome sofreu de amadorismo também, mas o que sofreu foi praticamente todo externo. Desde os painéis de conteúdos e convidados interessantes que não tinham quase audiência nenhuma porque ouvir pessoas debater assuntos interessantes sobre a indústria dos jogos como psicologia e marketing, jornalismo e retrogaming não interessam a ninguém, o que é fixe é ver alguém jogar CS:GO.

Ver jogos independentes feitos por pequenos estúdios portugueses e estrangeiros não interessam, nem sequer vale a pena falar com eles “porque eu gosto de jogos e vou fazer é um Dark Souls ou um Uncharted quando acabar o meu curso, não é uma merda destas!” toda essa atitude é um exemplo da mentalidade de todo o evento. Mas eu não posso defender a totalidade dos participantes portugueses que também no seu amadorismo (no geral, embora tivesse assistido a excepções) não falavam com as pessoas que os circundavam, nem sequer se levantavam das cadeiras onde falavam e mostravam os jogos aos colegas de profissão em vez de mostrarem e pedirem opinião ao público que potencialmente são os seus clientes e iriam fazer o maior marketing que existe que é o de passar a palavra. Mas o povo diz sempre aquilo sobre frutos secos e gengivas.

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Contudo há alguns exemplos de profissionalismo que vi e fiquei admirado tendo que os louvar como um jovem que tinha o seu jogo em mostra no Indie Dome e passou a feira inteira a fazer marketing directo ao seu jogo dando cartões a toda a gente para irem ver o mesmo, o Mário Tavares e a sua compilação de material retro que deram a muitos a primeira visão dos primórdios deste mundo dos videojogos, e acima de tudo aos organizadores e participantes dos painéis do palco ISCTE, que independentemente do tema ou falta de plateia fizeram os seus comentários, tiveram os seus debates e agiram com o máximo brio, como se estivesse uma casa cheia.

Foi pena que não estivesse mas é a nossa cultura, ninguém vê documentários, bom, mas mesmo bom, é a Casa dos Segredos, e para uma pessoa que tem que passar os dias a “adultar” é muito complicado.