Vou comprar a Nintendo Switch. Essa é uma certeza. A decisão, sem hesitações, foi tomada exactamente no dia 20 de Outubro, às 15h02. Ou seja, mais ao menos a meio do trailer de anúncio da nova consola portátil. Sim leram bem, consola portátil. Já lá vamos. Primeiro, falemos de precipitações, histerias ou, como diz o nosso João, rapazes ventoinha.
Um individuo com um grau normal de inteligência, e com um conhecimento já considerável de quase quatro décadas a jogar videojogos, pode ser acusado de cegueira e imprudência, ao decidir comprar uma consola a meio de um trailer. Permitam-me, a todas e todos que assim acharem, discordar. O preciosismo e a diferença está na elaboração da frase e de um estrangeirismo: trailer. Se eu dissesse, que decidi comprar a próxima consola da Nintendo a partir do momento em que a Nintendo diz que vai fazer uma nova consola, aí sim, mesmo que parcialmente justificável – e também já lá vamos – poderia ser acusado de fanman (que eu de boy já não tenho quase nada, nem na idade nem em ligações partidárias). Mas isto não foi o anúncio, foi o trailer de anúncio.
O que nos mostrou esta espreitadela? Uma consola portátil da Nintendo com um poder de processamento considerável e comandos “tradicionais”, com dois analógicos, botões de ombro (sempre quis fazer esta tradução estúpida) e o que mais estamos habituados. Agora sim, falemos então um pouco de histeria:
“Fiquei pasmado com esta evolução da Nintendo!” Eu não. Na verdade nem é evolução nenhuma. É uma portátil.
“Isto muda por completo o gaming! As outras consolas vão ficar obsoletas!” Quais? As de secretária? Não, porque esta é uma portátil.
“A lista de third-party é impressionante! Finalmente vamos ter catálogo a sério!” Controlem lá a ejaculação precoce. A lista até é pequena e muito similar ao “apoio” inicial à Wii U.
“Deve custar uns 500 euros. Vou esperar 2 anos para comprar.” Da série, eu não percebo nada disto mas já que todos estão a comentar.
“É tão fixe mas é um risco para as crianças. Vão passar 24 horas a jogar e não vão fazer desporto”. Dude… menos.
Estes fazem parte de alguns dos comentários espalhados pelas páginas oficiais e não oficiais da Switch. Nem todos são como estes, muitos são negativos, vários são até preocupações bem informadas. Mas no geral, a ideia mais repetida é a de termos na Switch uma invenção incrível e que vai mudar a nossa forma de jogar. Não, não vai. Repito, temos uma consola portátil com um poder considerável e comandos “tradicionais”. Então, se o que temos é assim tão banal, porque raio decidi eu comprar uma a meio de um trailer? Três razões: Nintendo, PS Vita, e família.
É certo que jogar num televisor, em alta definição, é uma experiência gratificante, mas para quem como eu tem de partilhar o televisor com a mulher e a filha, o tempo de jogo torna-se limitado. Se assim não o é, então somos egoístas. Mais ainda, se somos pais e também maridos, namorados ou companheiros, cada serão passado a jogar, cada tarde de Sábado, são momentos em que deixamos as nossas companhias familiares entregues a si próprias. A PS Vita tem sido uma dádiva dos últimos anos. Sim, eu sei, não há jogos. Mas existem muitos na PS4. E muito do meu tempo de jogo da PS4 faz-se no ecrã da Vita, onde para além de não ocupar o televisor à família, ainda posso jogar no momento em que não perturbo os ritmos familiares: na cama, depois de todos deitados.
A Nintendo também me entrega isto em parte. A 3DS pode ir comigo para a cama também. A Wii U, em teoria, pode fazer o mesmo. Mas não é bem assim. Não sendo eu um maluquinho dos frames por segundo e dos Cuda Cores, é certo que gosto dos meus gráficos um pouco mais detalhados do que aqueles que a 3DS consegue. E a Wii U, com o seu esquema de infravermelhos entre o GamePad e a consola, impossibilita ter a consola na sala e o comando no quarto. Pela lógica, o que eu deveria querer seria uma PlayStation 4 portátil. Não, já cometi esse erro uma vez. O que eu quero é uma “Wii U portátil”. Quero a definição da Wii U, que eu possa levar para qualquer lado, com o catálogo da Nintendo.
Não quero enumerar os erros que conduziram ao falhanço (sim) da Wii U. Mas, mesmo com uma consola a ficar nas prateleiras mundiais, a Nintendo não deixou de nos entregar experiências de jogo que fazem a diferença em termos de inovação. É raro o jogo de uma propriedade da Nintendo que, historicamente, não avance o género e a indústria para a frente e – salvo raras excepções, como o Ricardo referiu no último Paper Mario – foi o que aconteceu com a Wii U. Pikmin 3, Mario Kart 10, Splatoon, Tropical Freeze, New Super Mario U (& Luigi), Super Mario Maker, Smash Bros, Woolly World, o inacreditável Super Mario 3D World, e os “third-party” Bayonetta 2 e Wonderful 101. Reparem, este é catálogo dos quatro anos de uma consola falhada. Estes são jogos que só por si podiam deixar qualquer tipo de jogador satisfeito para uma vida em termos de novas mecânicas de jogo. Se formos fazer o mesmo exercício com a 3DS, o catálogo de novas ideias é ainda muito maior. Em três anos de PS4 e Xbox One conseguimos contar com os dedos de uma só mão para cada uma delas, em termos de exclusivos que abanam a indústria e avançam os géneros. E no caso da Sony, estamos a falar de uma consola que já ultrapassou a Wii U, quase 5 vezes, em número de consolas vendidas até à data.
Vamos lá ser um pouco técnicos. No caso da Nintendo Switch estamos a falar num tablet com uma dock? Não. Do ponto de vista mais conservador do hardware sim, mas do ponto de vista da jogabilidade não. A partir do momento em que lhe colocamos comandos analógicos estamos a falar de uma consola. Portátil. Tecnicamente, esta consola não estará ao nível das suas congéneres. Os Tegra são bons processadores, mas mesmo um feito à medida não irá conseguir igualar a qualidade gráfica do que vemos na concorrência. Existe uma razão porque a PlayStation e a Xbox não são muito finas como um portátil da Apple. É que meter muita potência gráfica num chipset com essa “miniaturização” custa muito dinheiro ao consumidor. E os preços baixos que se estão a avançar para a Switch, mostram que esta consola é basicamente uma Nvidia Shield melhorada. Potente, sim, capaz, também, mas não igualável para competir com outras. Curiosamente, o facto de estarem a sair versões melhoradas e mais potentes das concorrentes, pode até jogar em beneficio da Nintendo, uma vez que estes “upgrades” só trazem confusão para o consumidor e para o mercado. The medium is the message. E neste caso, a consola é a mensagem. Depois do erro de comunicação que era a Wii U como peça em si, a Switch nem precisa de explicação. Olhamos para estas duas imagens, e qualquer um percebe o conceito, sem precisar de explicações adicionais. Design funcional em acção.
Não tenho dúvidas? Claro que tenho! Pode correr os cartões da 3DS? Dava jeito. A Nintendo não vai lançar nenhuma sucessora da 3DS? Também dava jeito para não canibalizar esta. É fácil portar jogos de outras consolas, onde muitos deles são originalmente desenvolvidos? Esperemos que sim e que os possa correr com um aspecto aceitável. Vamos ter versões remasterizadas de títulos recentes da Nintendo? Por favor avancem que o mercado já provou que compra remasters em força.
Todas as outras dúvidas não me preocupam. Não deve correr jogos em 4K! Não preciso dessa resolução num ecrã portátil. A bateria pode não aguentar! Liga-se à corrente. Memória interna de origem deve ser muito limitada! Enfia-se um cartão SD grande. Etc, etc, etc.
E isto, lá está, parece conversa de homem ventoinha. Mas não é. Voltando ao título do artigo. Não tenho certezas. Mas também não tenho medos. E vou fazer o switch (pun intended) logo no primeiro dia. Porque aconteça o que acontecer, desde miúdo que a Nintendo me habituou a ser surpreendido, arrebatado, desafiado, estimulado e, principalmente, entusiasmado sempre que tive o seu catálogo na ponta dos dedos; desde a minha primeira Game&Watch a todas as consolas que ao longo dos anos me passaram pelas mãos (e foram todas, assim como também foram praticamente todas as da “concorrência”, culpado me confesso). E não foi o hardware, não foi a estética, não foi o preço. Foram as ideias, e os jogos. E isso é a grande certeza da Switch. Os jogos que estão para chegar nos próximos anos. E com uma certeza destas, qualquer jogador minimamente informado e realmente experimentado na diversidade do que as marcas fizeram no passado, só tem que fazer uma coisa: começar a contar os trocos.