Caçada Semanal #46

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Depois de toda a azáfama da Lisboa Games Week e do Indie Dome, aos poucos tento, e tentamos, volta ao ritmo normal do mundo. Ritmo, rotina, são duas palavras que um obsessivo-compulsivo ama como qualquer outro ritual. E as Caçadas Semanais fazem parte da minha rotina, do ritmo de escrita e descoberta do mercado indie que, de forma militante, tento (e tentamos) trazer semana após semana, e que entra hoje na sua quadragésima sexta edição.

Semana após semana, e sempre que possível, há uma tónica para cada um destes artigos, e o desta semana centra-se nos limites da Arte, onde a manifestação e criação artísticas encontram e transpõem as barreiras da experimentação e da exploração. E é dentro (e fora) destas charneiras artísticas que encontramos os três jogos indie desta semana.

Small Radios Big Televisions

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Se o mercado indie tem dado asas à criatividade e tem destruído pré-concepções sobre géneros, pegando neles e levando-os para áreas que possivelmente nem eram a ideia original dos seus criadores, então Small Radios Big Televisions é possivelmente uma dos adventure games mais “diferentes” que tivemos o prazer de jogar nos últimos tempos.

Vindo da mente sui generis da Adult Swim, Small Radios Big Televisions leva-nos a explorar, qual sombra divina, uma série de edifícios abandonados em busca de pequenas cassetes áudio que vão, lentamente, criando uma narrativa, e onde os puzzles vão-se sucedendo como fios condutores de um mundo cujo sentido não é imediatamente calculado.

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Esta exploração, ao contrário do que poderá surgir à mente de qualquer um após a descrição, não é feita na primeira pessoa. Mas sim numa aura incorpórea, distante, em que os edifícios sob a nossa exploração agem como dioramas perdidos no tempo e no espaço, em que a nossa presença é o único abalo para o trazer de volta à continuidade.

Candle

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Mantendo a tónica de jogo de aventura com um forte foco de puzzles surge Candle, da Daedalic. Com uma concorrência imensa de jogos com uma direcção artística forte, verdadeiros eye-candy que nos arrebatam antes sequer de sabermos do que tratam, a realidade é que visualmente Candle soube tirar proveito do melhor que a arte humana pode trazer. Numa fase em que quase todos os ilustradores se renderam ao digital (por milhentas razões, sendo que a economia e o conforto são duas das maiores), os artistas dos Teku Studios decidiram pintar todas as imagens que compõem este maravilhoso Candle à mão.

Sendo eu um tremendo defensor das ferramentas digitais, a escolha dos Teku Studios de apostarem em tinta-da-China e aguarela para todas as suas ilustrações conferiu uma transparência natural que se ajusta na perfeição na história folclórica e fantasiosamente etérea deste mundo tribalístico.

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Com puzzles devidamente desafiantes, Candle sabe manter a fasquia de qualidade que a editora alemã imputou ao seu catálogo, aprendendo com a forte linguagem artística do estúdio Amanita e fazendo algo seu, dando vida a um dos mundos artisticamente mais brilhantes deste final de 2016, e certamente um dos jogos de aventura mais subvalorizados do ano.

Along the Edge

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Não fosse o facto de que a nossa rubrica Gomo-Gomo No Chicken nos tem feito conhecer e jogar dezenas de visual novels, e apenas compreenderíamos alguns dos preconceitos nipónicos que afastam muitos jogadores deste género nativo do Japão.

Along the Edge não é a primeira incursão ocidental pelas visual novels, mas é sem sombra de dúvida uma experiência que vive muito da carga emocional de jogos com Life is Strange.

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As múltiplas escolhas que a protagonista tem, e que nós escolhemos, por extensão da ligação entre jogador e personagem, permitem-nos de forma curiosa ir definindo aquilo que é a personalidade de Daphné, permitindo múltiplas playthroughs para ir conhecendo diversas “Daphnés”, distintas de cada vez que a “conhecemos” pela primeira vez. É claro que existe um limite de repetição para a sua rejogabilidade, mas Alonge the Edge vem demonstrar novos caminhos artísticos e emocionais para onde levar as visual novels, longe dos clichés “mangaescos” que dominaram o género desde a sua criação.