Sem combinar, como é habitual, eu e o meu Waffenbruder, (porque eu não sei como se diz compagnon de route em francês) temos tendência a ter gostos e ideias semelhantes, e esta semana fomos parar a terras de Game Boy Advance e aos territórios da estratégia por turnos. Apesar de serem muito diferentes, e eu podia abraçar jogos que ele mencionou no seu artigo, vou sim falar de um que me é muito especial, Final Fantasy Tactics Advance.
Correndo o risco de blasfémia posso dizer que a par do Final Fantasy IV é o meu favorito. Dizer isto de um spin-off é grave quando a série principal tem mais de 10 jogos. Não tiro valor a nenhum dos Final Fantasy, alguns marcantes na história dos videojogos de uma ou outra maneira, mas Tactics é o que me tocou mais, por algumas razões muito específicas.
Talvez porque a par de Dark Arena, Final Fantasy Tactics Advance foi o primeiro jogo para o Game Boy Advance SP, para onde eu saltei directamente do Game Boy clássico sem passar pelo modelo a pilhas. Como era estupidamente caro em Portugal e as vendas online não eram propriamente proliferas no verão de 2003, aproveitei o facto de os meus pais terem ido aos Estados Unidos visitar família para me trazerem um e alguns jogos mais em conta. Sem conhecerem o mercado e numa jogada de sorte, com o aparelho vieram os dois mencionados acima. Como Dark Arena é um mau FPS, passei imediatamente para FFTA, e foi a minha desgraça durante semanas.
Embora o seu grande foco seja nas batalhas tácticas e seja fortemente inspirado em jogos como o Final Fantasy Tactics original da Playstation e Tactics Ogre, é a história e todo o ambiente de FFTA que fizeram dele um marco na minha história de videojogos da Nintendo.
Para alguém que gosta de ler, a ideia de entrar num livro é pura fantasia apenas reproduzida na nossa mente, mas não deixa de ser uma bela fantasia. Esta vai mais além, mesmo que descaradamente inspirada em Die Unendliche Geschichte no seu início. Tal como Bastian, Mewt é um rapaz tímido, com um pai que o ignora e uma mãe falecida recentemente, também ele rouba um tomo antigo e misterioso de uma livraria. Contudo, Mewt não tem oportunidade de ler o livro até meio como o protagonista de The Neverending Story, não tem tempo de conhecer um Atreyu, Falkor ou a Childlike Empress, não tem oportunidade de perceber a história antes de entrar nela porque ele e os seus amigos são automaticamente transportados para um mundo de fantasia, separados uns dos outros.
Apesar de Mewt ser o percursor de toda a aventura nós controlamos Marche, o habitual miúdo novo no bairro, escola, cidade, etc que estes jogos nos fazem vestir a pele.
Passando rapidamente para uma perspectiva técnica, nós somos forçados a completar missões onde vamos ganhando habilidades, membros para o nosso clã e avançando na história, uma diferença crucial ao Tactics original é que apesar de ser um jogo por turnos as acções dos personagens são efectuadas imediatamente, semelhante ao que viria a ser utilizado mais tarde em jogos como X-COM.
De volta à história que é a raiz da qualidade de Final Fantasy Tactics Advance. Marche descobre-se em Ivalice, um mundo muito semelhante ao dos jogos Final Fantasy que ele e os seus amigos são fãs. Com o tempo, vai descobrindo os seus amigos, o porquê e como foram lá parar. Marche debate-se com uma dúvida existencial durante todo o jogo. Em Ivalice, todas as fantasias dos seus amigos tornam-se realizadas, todos são aparentemente mais felizes. Marche é um jovem atlético e confiante nele próprio que é o oposto da sua personalidade no “mundo real”, Ritz é uma jovem de cabelo ruivo flamejante totalmente oposto ao seu cabelo albino pelo qual é gozada constantemente, Mewt tem a sua mãe viva e o seu irmão também já não está doente e confinado a uma cadeira de rodas. É aqui que FFTA deixa de ser um jogo infantil apesar do seu aspecto. Através de Marche debatemo-nos com um dilema que é o da destruição da fantasia de felicidade dos nossos amigos, e também a nossa porque temos consciência que é isso mesmo, uma fantasia, não é real.
Um pouco como Neo em The Matrix temos a capacidade de ver mais que os outros, temos a capacidade de destruir tudo, mas temos esse direito?
Depois de ter passado mais de 40 horas a debater-me neste dilema e após ter acabado as 300 missões obrigatórias para acabar a história, caminhando para o final que eu sabia ser inevitável destruí os sonhos dos meus amigos, trouxe-os de volta para a realidade, mas mesmo sabendo que no universo do jogo tudo ficava bem quando acabava bem, fi-lo com um coração pesado. Felizmente o jogo permite-nos continuar em Ivalice num final alternativo com mais missões e aventuras.
Anos mais tarde, Final Fantasy Tactics Advance 2: Grimoire of the Rift é lançado para a NDS, e apesar de ser uma nova aventura com uma qualidade gráfica e jogabilidade superior não me conseguiu puxar para cima das 100 horas de jogo como o original.
Talvez porque nessa altura tivesse menos escolha em jogos, talvez porque a história fosse mais interessante para mim ou por razões que não sei explicar, Final Fantasy Tactics Advance vai sempre ser o meu favorito, o mundo de Ivalice vai ter sempre o seu espaço especial nos meus sonhos.