Boundnoun
Bound saiu a 16 de Agosto de 2016, entrou a 10 de Dezembro do mesmo ano. Foi nesse dia que através de um par de lentes entrei num universo sem pedir autorização e tive a oportunidade de me ligar através dos meus sentidos a um mundo que conhecia mas por um quadro, uma tela. Fora da realidade mas dentro de um mundo, sentia-o, viva-o, enquanto explorava a profundidade do céu e a textura das paredes, me sentava no chão acompanhado por alguém que não conhecia mas compreendia. A realidade em Bound sempre foi dividida no universo a que se cingia: entre momentos de reflexão e descarte de memórias de uma mulher grávida, entre imagens dessas memórias e um universo sonhado por uma criança que mais diz sobre o universo dela do que do imaginado. Uma história a quatro: a rainha, a princesa e outros dois gigantes para a mãe, filha, irmão e pai, história para ser experienciada por ordem arbitrária mas sentida de igual forma, quando cada um de nós a vive de forma diferente. Existem 720 ordens diferentes para a história, só uma coisa para sentir. Passividade. Falta de agência.
https://youtu.be/e-Vqmaa70hQ
É mais ou menos essa a forma como vivemos o mundo nos primeiros anos de vida. Não decidimos, não somos responsáveis pelo que acontece à nossa volta, ou pelo menos, é assim que presenciamos o mundo. Inconsequente além do limite do corpo que encarnamos. Ironicamente, à medida que crescemos e amadurecemos, alguns desses momentos passam também a ser aqueles que sofremos. Dia 10 de Dezembro pelas 18 horas vi-me num desses momentos. Numa daquelas salas ocupadas por tantas sombras e de paredes de betão, em que a única decisão que podemos tomar que tem qualquer tipo de consequência é correr contra as paredes e esperar que os músculos da nossa cara se separem dos ossos que lhes dão estrutura, projectar-nos com tanta força que o mundo deixe de fazer sentido, parar de respirar, engolir a língua. Não o vou fazer enquanto tiver motivos para lutar, e na verdade até tenho. Um dos quais, fechado numa sala de mesmo tipo, tentou decidir o que pouco que há para decidir (como enunciei) por não aguentar a dor, não aguentar a ansiedade.
plural noun: bounds; noun: bound
1.a territorial limit; a boundary.
a limitation or restriction on feeling or action. technicala limiting value.
Não havia forma de fugir, não havia forma de evitar o agitar, o mau estar. Porque nada podia fazer. Queria apenas fugir, mas a sala segue-me. Abro os olhos e vejo a sala num mundo insípido salpicado com cores florescentes, enfeites inéditos em qualquer fábula ou fantasia. Heinali é responsável pelo som que sangra para os nossos ouvidos, sangue que age como anti-matéria, sangue que nos suga para o mundo fantástico de uma bailarina que, apesar de ter, e aceitar, um papel passivo, resiste. Perco noção das linhas para entender que a sala de que partilhamos instâncias distintas é também o que nos protege. Protege. Lá fora é pior que cá dentro, mas aprender a resistir é dos sentimentos mais gratificantes do mundo. Aceitar a caixa onde moro, conhecer-lhe os cantos e os limites. Impor que se eu não posso sair, então nada mais pode entrar.
Mas eu entrei. E assim que entrei e senti o mundo, mirei a silhueta ao fundo, da personagem que guio e que me representa. Coloco-me de pé e dou uns passos em frente, (recordo-me do controlo) deslizo o polegar esquerdo na minha direcção e passo. Após passo. Após passo, aproxima-se e olha-me com o seu rosto ausente. Os nossos rostos quase que se tocam e eu sinto a presença, sinto o motivo. Silêncio berra de forma dolorosa de dentro dos meus pulmões e enquanto aguento a respiração sinto a instabilidade dos meus lábios, um aperto no peito como nunca, depois um aperto como sempre, um rápido piscar os olhos por sentir uma peça de igual forma ao que em mim está ausente. É nesse momento que, por um movimento involuntário, pela vontade de sentir perto, pela vontade de acudir e ajudar que o stick se move para a colocar mais próxima. Tive o inesperado.
verbverb: bound; 3rd person present: bounds; past tense: bounded; past participle: bounded; gerund or present participle: bounding
1.form the boundary of; enclose.
place within certain limits; restrict.
O sentimento de que um fantasma acabou de passar por mim. Tudo que preciso de ajudar, o único sítio onde tinha de estar, a tristeza e ardor que me derretem a cara passaram por mim como se não houvesse eu. Como se eu não pertencesse àquele mundo. Como se eu não estivesse lá mas conseguisse ver, mais que isso, apesar de não estar lá, ter-te a ti, a olhar-me nos olhos. E assim que retiro os óculos confirmo que não estás lá, estás longe: cerca de noventa e quatro quilómetros de distância numa cama, espontaneamente fora da tua vontade, livre de qualquer agência, a ficar melhor. E aqui, limitado a um par de olhos para um mundo de que quero fazer parte para não fazer menos que ajudar, estar lá, fazer a diferença. Abraçar, dizer como és importante e não deixar que vás; que cada momento no meu mundo é pelo menos mais que um momento em que sinto que tenho, preciso, tenho mesmo de ajudar-te a trabalhar um mundo onde não te custe, um mundo que adores e queiras estar sempre mais um segundo e, mais que isso, um mundo que consigas chamar teu com todo o orgulho que fingiste não ter durante tanto, imenso, demasiado tempo. Estou sempre pelos meus motivos e por isso carregarei às costas tudo o que houver para sofrer.