Esta rubrica tinha como pressuposto apresentar aos nossos leitores alguns dos muitos jogos que eu e o João, inveterados mas vertebrados Rapazes-Ventoinha da Nintendo, gostamos de tal forma que quase queremos evangelizar toda a gente à nossa volta para os conhecer. O que eu não esperava é que fosse esta rubrica a dar-me a oportunidade de jogar jogos que ou não conhecia, ou conhecia e não tinha tido oportunidade de jogar. Ao andar a remexer numa das minhas NDS na tentativa de jogar o jogo que o João aconselhou na semana passada, cruzei-me com um jogo que estava na prateleira há demasiado tempo. Que como podem ter visto pelo título é Ghost Trick: Phantom Detective.
Eu já disse várias vezes e volto a repetir: desejo ardentemente que a Capcom chegue perto da bancarrota e que a Nintendo se veja na obrigação moral e empresarial de adquirir a totalidade ou quase totalidade das Propriedades Intelectuais da empresa, e que consiga dirigir o espólio magnífico que a Capcom possui e que tão-mal aproveita. Este jogo é só mais uma prova de que no fundo eu devo ter mesmo razão.
Criado por Shu Takumi, a mente por trás de Dino Crisis 2 (do qual já enunciei como o meu jogo favorito do género), e claro, Ace Attorney, Ghost Trick: Phantom Detective é um original e surpreendente puzzle game e que ainda de forma mais surpreendente abriu uma franquia de sucesso crítico e comercial que a Capcom, para espanto de todos, deixou abandonada a um canto.
Ghost Trick começa justamente com a morte do protagonista. O que em muitos outros casos seria o twist de encerramento de qualquer história, aqui é o mote para uma narrativa e mecânicas que giram em torno da vida pós-morte e de possessão, o que à primeira vista soa bem mais ominoso do que verdadeiramente é.
Takumi consegue com mestria equilibrar no fio da navalha assuntos sérios com humor que nunca se torna nem desconfortável nem forçado, e isto avaliando até para uma observação cultural ocidental. A tónica de Ace Attorney sempre demonstrou que era possível falar de assassinatos, da tristeza e da crueldade humanas com ondulações de humor. É sabido que esta jigajoga entre seriedade e comédia é extremamente difícil de encontrar, e o seu cumprimento é sem dúvida uma das razões pelas quais o nível de qualidade dos muitos jogos de Phoenix Wright se manterem ao longo de mais de dez anos.
Ghost Trick tem esta peculiaridade: numa história de conspirações e faca e alguidar, em que controlamos o nosso protagonista post mortem (ou a alma dele), toda a temática dos assassinos a soldo e dos crimes por si cometidos (no qual o nosso homicídio é o primeiro) é tratado com uma ligeireza e boa-disposição que se coadunam com todo o espírito de filme de animação nipónica dos anos 1970. Sendo que no capítulo animações, Phantom Detective é possivelmente das mais fluídas e coesas abordagens que vimos, em especial na geração da NDS.
Mecanicamente Ghost Trick é uma verdadeira experiência dentro de um género que muitas vezes tarda em encontrar novas soluções para se reinventar. O tipo de experimentação narrativa, artística e mecânica que Ghost Trick representa e que parece não ter grande eco dentro das grandes companhias nos dias que correm. O nosso objectivo (para além do principal que é descortinar os motivos que levaram ao nosso assassinato) é conseguir reverter outras mortes no decorrer da noite, que é a única janela de tempo que temos até a nossa alma desaparecer para sempre. Para conseguirmos impedir que essas mortes que não a nossa sejam definitivas temos duas habilidades distintas: a primeira é o poder de voltar atrás no tempo exactamente 4 minutos, algo que podemos fazer quantas vezes quisermos, e que é a justificação mecânica para o sistema de tentativa e aprendizagem que temos perante os puzzles que são a tentativa de impedir os assassinatos. Por outro, e mais fulcral ainda, como não temos existência corpórea conseguimos possuir objectos inanimados e utilizá-los para ir resolvendo as situações mais caricatas.
Pelo meio há muito diálogo com o tom habitual e genial do que Phoenix Wright nos habituou, demonstrando o quão subvalorizado enquanto autor Takumi é. Em relação ao final pouco tenho para vos dizer (porque ainda o estou a terminar), sendo que não vos diria nada mesmo que soubesse, cumprindo a nossa política de no-spoilers. Mas fico surpreendido com a possibilidade da existência desta rubrica me fazer jogar a algo que eu ainda não tinha jogado e que se tornou instantaneamente para mim como um dos jogos da consola que considero, e repito, ter o melhor e mais variado catálogo da História dos videojogos.