Quando aceitei escrever sobre clones defini para mim próprio uma série de regras que estou prestes a quebrar com este texto. A meu ver, um clone é um objeto videolúdico produzido com um intuito comercial e cujo conteúdo infringe uma propriedade intelectual existente. Se não tiver ambições lucrativas não é um clone. Se for original, por mais rasca que possa ser, não é um clone.
Azar do calendário, o Natal impõe-se como conteúdo suficientemente imprescindível para quebrar as regras. O Natal é também um pouco isso. Fingir que está tudo bem quando não está, fazer dos ateus crentes temporários em troca de presentes, simular a existência de um idoso mágico… Já dizia o Alfred de Musset: “Qu’importe le flacon, pourvu qu’on ait l’ivresse.” (não vou traduzir mas é inteligente).
Sendo assim, trago aqui um conjunto de jogos flash de Natal altamente corrosivos e desnecessariamente violentos. Poderia optar por outros mas o sarcasmo é cool e particularmente lucrativo (diz-se). Afinal de contas o nosso público alvo é essencialmente cínico, traumatizado pela experiência familiar e intolerante com barbudos mágicos fantasiosos que não sejam o Gandalf ou o Dumbledore (estes sim, narrativamente coerentes).
Sei que alguns dos meus principais leitores -quem me corrige os textos- poderá ficar desapontado. Haja paciência. O Natal não sendo -ainda- uma propriedade intelectual suscetível de ser quebrada, o maior desrespeito que lhe possa ser feito é de ordem moral. Desvirtuar os valores da personagem é algo que estes jogos fazem muito bem… Vale o que vale. Se o Ataque dos Clones perdurar por muito mais anos podem contar com uma crítica do filme “Hustler’s Barely Legal – The Bitch That Stole Christmas”
Este jogo da Stencyl inspira-se na famosa canção de Jimmy Boyd “I saw mommy kissing Santa Claus”. Existe todo um registo popular de cantigas em que miúdos apanham adultos em situações vagamente sexuais e narram o acontecimento dentro dos limites da sua ingenuidade. Gozar com putos é um privilégio que pode ser apreciado até por incultos. O problema é quando a incompreensão tem efeitos imprevistos. Neste caso, o miúdo decide respeitar os códigos mais conservadores do patriarcado e inicia uma vendetta em defesa da dignidade da figura paterna. O Pai Natal, aqui um mother kisser, é o antagonista de um shooter primitivo sem qualquer consideração pela decência de gameplay ou os valores natalícios. Podemos trocar de armas sem isso trazer qualquer vantagem, alguns inimigos são vulneráveis às nossas balas enquanto outros só se lhes saltarmos em cima da cabeça… O prazer canalha da subversão não foi para além do supérfluo e é nesse sentido algo parar se rir 2 minutos… Como procurar sinónimos de genitais no dicionário da escola.
Um dos melhores joguinhos desta lista. Num estilo gráfico rudimentar, um Pai Natal enfrenta numa arena fechada uma horda de zombies e outras criaturas para proteger a sua fábrica. O tema do Pai Natal é aqui praticamente irrelevante mas a qualidade do jogo é suficiente para perdoarmos o oportunismo da utilização da personagem.
Um survival horror com o Pai Natal? Tá certo. Após uma falha do rena Rudolph o trenó do pai Natal embate numa montanha. As Renas estão desaparecidas, o Pai Natal severamente lesionado e cercado por zombies. Tal como um John McClane da Lapónia o nosso pai Natal tem de pegar nas armas para resgatar as suas renas e salvar o Natal.
Apesar das suas imperfeições este jogo acaba por ser o meu favorito. Com a sua vista de cima e o nevoeiro perpétuo o jogo consegue criar um ambiente sombrio que ultrapassa a absurdidade do guião. O combo rato teclado funciona bem e os upgrades possíveis no arsenal incentivam-nos a continuar.
Jason vs Freddy? Nop. Jason vs Santa. Azar do calendário este dia 24 de Dezembro parece coincidir com a agenda do assassino da mascara de hóquei. Matar o máximo de duendes possíveis até perder a paciência e matar o Pai Natal é o objetivo do jogo.
Confesso que esperava muito mais. A inspiração visual promissora merecia um gameplay à altura do concept. Infelizmente, em vez de proporcionar um beat them up para exorcizar o que nos sobra de maldade antes da consoada, o resultado é um jogo quase impraticável e sem qualquer propósito. Crueldade desnecessária para com o Pai Natal e o jogador.