Confesso-me um PC Gamer. Isto já vem de trás, desde os meus velhos tempos com um Spectrum a programar em Basic, ainda mal sabia eu o que palavrões como “défice” ou “constitucional” queriam dizer. Habituei-me à posse da minha máquina. O meu computador. A exemplo daqueles que, tendo um carro, gostam de o lavar, esfregando minuciosamente as jantes, secando-o com um pano próprio e outras manias. Eu lavo o carro na lavagem automática e cumprimento os senhores sempre que lá vou, uma vez por ano. Mas gosto de saber o que se passa por debaixo do capot do meu computador. Foi assim com o meu Spectrum, depois com o meu 286, o meu 486 e aí por diante, até aos dias de hoje, depois de duas licenciaturas em informática legitimarem, definitiva e decididamente, o velho lema “casa de ferreiro, espeto de pau”.

É que, sou gamer. E sou Pai também. Dois magníficos petizes, verdadeiros Achievements que ajudaram a platinar a minha vida. Dois mini-jogos dentro deste MMORPG sui generis que é a vida. Os gráficos não são maus (a miopia não permite tirar verdadeiro partido dos avanços gráficos que a coisa levou), a banda sonora é extremamente variada e coleccionável em MP3, vinil e CD, a jogabilidade poderia ser um bocadinho melhor (que a idade já pesa e o personagem não é nenhuma ginasta russo), mas consta que os respawn times são imensos. Mas os putos deram luz à minha vida e, por uma razão ou por outra, nunca os puxei muito para o meu lado de gamer como puxei para o lado da música, dos livros ou dos desenhos animados a sério (daqueles velhinhos, dos bons!). Nem PC, nem tablet, nem smartphone, nem consola… nunca foi coisa que eu cultivasse entre eles, embora tenha tudo isso em casa. Oh, ia havendo umas brincadeiras com o tablet, com o mais velho… mas a consola que tinha e tenho lá por casa foi ganhando o título a consolidar o cargo de pisa-papéis.

Até dezembro de 2016.

Foi em dezembro que comprei o Steam Link. Já andava curioso com as Steam Boxes, uma espécie de proposta da Valve para o mercado das consolas, mas o Steam Link, ainda para mais em promoção, a 21€, acabou por me convencer a comprá-lo.



O que é o Steam Link? É uma caixa. Uma caixinha do tamanho de uma cigarreira. Simples, huh? E o que tem essa caixa? Seis buracos. Só isso. Vamos enumerá-los:

1 buraco para ligar o transformador.

1 buraco para ligar um cabo HDMI para ligar a uma televisão.

1 buraco para ligar um cabo de rede.

3 portas, perdão, buracos USB, para ligar coisas tipo teclados, ratos ou receptores de comandos.

E que faz o Steam Link? Duas coisas.

1.

A primeira, é servir de ligação, ou interface, para o computador. O que o Steam Link faz é permitir aceder à conta Steam dos meus computadores e jogar os seus jogos na televisão onde se encontra ligado. Ou seja, da minha televisão da sala, aceder aos jogos do meu computador, dois andares acima. A ligação é feita através da conta Steam e, na televisão, somos brindados com o ecrã Big Picture, desenvolvido pela Steam para ser utilizado em televisões, com um interface mais leve e facilmente navegável. A partir de lá, podemos executar qualquer um dos jogos na nossa conta Steam ou, se assim o entendermos, minimizar o Big Picture e o Steam e aceder ao nosso computador a partir dali, para streaming de vídeos, música ou para jogar jogos noutros serviços, como o Origin ou o Uplay. Para tal, podemos utilizar um teclado e um rato – pouco exequível no ambiente normal de uma sala – ou comandos. A Steam propõe os seus Steam Controllers, mas o equipamento é compatível com Joysticks, comandos PS2, PS3 e PS4, Xbox One, Xbox 360 e outros mais. Perfeita maneira de rentabilizar os 2 comandos da minha “pisa-papéis”, portanto, embora, para os ter a funcionar, tenha adquirido um bundle com um comando extra e um conector Wifi, ligável à Link por USB e capaz de conectar até quatro comandos. Assim, com um investimento relativamente pequeno, a Steam Link punha-me na sala 3 comandos e o acesso à minha conta Steam.

Ora, para que conste, uma conta Steam é gratuita. E o Steam conta com perto de, não 7, não 70, mas 700 jogos inteiramente gratuitos para jogar. E, se estão a revirar os olhos inferindo que os jogos disponíveis não são grande coisa, desenganem-se! Entre os jogos gratuitos estão nomes incontornáveis na indústria dos videojogos como Dota 2, SMITE, Paladins, Team Fortress 2, Warframe, Path of Exile, World of Tanks Blitz, Heroes & Generals, Planetside 2, etc… e, se a esses juntarmos aqueles que a minha lista contém, ficamos com muitos, muitos jogos disponíveis para jogar. E não é difícil engrossar a conta Steam, com promoções até aos 90% várias vezes por ano que colocam, não raras vezes, aqueles jogos que queremos abaixo dos 10 ou 15€. O Steam Link trouxe-me, então, isto: Perto de 2000 jogos na sala. Por pouco mais de 20€.

2.

Posto isso, que fez o Steam Link? Pôs os meus putos a jogar. Melhor que isso, pô-los a jogar comigo. E, pelo meio, trouxe a sua adorável Mãe, a minha querida esposa, para um meio onde ela raramente se deixa arrastar. Coisas boas, portanto.

Mas… como é que alguém – assumidamente pouco dado a manipular comandos – apresenta aos seus petizes o enorme e maravilhoso mundo dos videojogos? É com isso que me vou debatendo e foi por isso que me surgiu a ideia de vos escrever estas linhas. Adoro videojogos. Jogo muitos e conheço muitos mais que não joguei ainda, por opção ou indisponibilidade. E apresentar todo este gigantesco mundo a dois miúdos, um dos quais mal consegue pegar num comando da XBOX com as duas mãos e chegar aos botões todos, não é tarefa fácil. Carece de cuidado na escolha de jogos e do devido acompanhamento. Um bocadinho a exemplo do que faço com os brinquedos que chegam às catadupas no Natal, e aí introspectivamente, revejo os meus tempos em que colaborava com críticas para um site de música que me pagava em CDs. Quando me pagavam um lote grande e me chegavam 10 CDs ao mesmo tempo, o usufruto que eu tinha de cada um era inferior ao que me merecia. Perdia-me na oferta e, concentrando-me num ou dois eleitos, acabava por deixar os restantes passar ao largo daquilo que seriam prazenteiras audições se a coisa me fosse sendo fornecida a conta-gotas. Faço o mesmo com os brinquedos para os miúdos. Vou doseando, ao longo de um período alargado. Deixo-os tirar da caixa um, de tempos a tempos e saborear o novo brinquedo, usufruir dele… Passado um tempo, novo brinquedo é aberto e redescoberto. E o usufruto de cada brinquedo é então superior ao que seria se abrissem e tirassem da caixa todos os brinquedos no primeiro dia.

A mesma máxima se aplica aos videojogos. Têm perto de 2000 disponíveis. Cabe-me ir doseando a coisa com a tarefa extra de ir procurando adaptar os jogos “desembrulhados” aos gostos e particularidades de cada um. Witcher 3: The Wild Hunt é um dos meus jogos preferidos de sempre, como estou novamente a redescobrir. Mas, convenhamos, não é o jogo ideal para crianças tão novas. Tal como Doom, Metro 2033 ou outros. Assim, o meu cuidado foi ir procurando pela lista jogos que se adequassem a um, a outro ou a ambos, e criar ali um pequeno lago experimental onde eles pudessem nadar em conforto e começar a experimentar, gradualmente sem o meu envolvimento.

O meu “mainuobo” gosta de carros. E corridas. E carros. E veículos. E velocidade. E carros de corridas. Já o “maibelho” prefere tudo o que envolva animais, natureza e exploração. Coisas parecidas, portanto. E foi lançado o desafio de navegar por entre a extensa lista de jogos, filtrada por jogos compatíveis com comandos, para encontrar algo que lhes agradasse. Alguns eu já tinha em mente. Outros foram-me recomendados. Outros estavam na calha para, num futuro próximo, lhes dedicar alguma atenção… Os jogos da Lego, que nunca havia jogado, foram os primeiros a entrar na lista. Sei que são bons. Mas nunca foram aquele tipo de jogos que eu pretendesse jogar sozinho. Amigáveis o suficiente para os miúdos mas, o mesmo tempo, com fases mais complexas para quem ainda não manipula bem o comando e não está familiarizado com mecânicas de videojogos. Seguiram-se outros jogos que considerei apelativos para eles. Ori and the Blind Forest, Talewind e Poi como platformers para eles irem brincando e explorando. Seguiu-se ABZU, que todos adoraram – e que deixou a minha cara-metade deleitada a jogar. Um dos jogos que não havia sido muito do meu agrado, Rocket League, foi um dos que mais lhes agradou. Tem carros, pelo que o “mainuobo” delirou, e tem um modo que permite jogarmos todos juntos, na mesma equipa, uns contra os outros ou contra bots que nos permitiu e tem permitido passar umas boas horas a jogar a um jogo que pessoalmente havia encostado há muito. Os testes levaram-nos também a repescar o velhinho Crazy Taxi, para gáudio do “mainuobo”. Já o “maibelho” adorou Shelter 2 e Never Alone, e foi dos que mais avançou em Ori e em ABZU, primeiro com companhia, depois, gradualmente, de forma autónoma, reservando aquele tempo para si e para usufruir daqueles jogos em pleno.

São passos pequenos para, aos poucos, irem entrando em mais esta forma de cultura e entretenimento. O “maibelho” vai lendo aquilo que os jogos propõem, explica ao irmão e tira dúvidas connosco, quando elas surgem. A autonomia e o envolvimento vão crescendo, aos poucos. Tal como a coordenação óculo-motora e a motricidade fina necessária para devidamente manipular um comando com todas as suas manivelas e botões. E, aos poucos, vai crescendo o bichinho pelos videojogos também. Não como um bicho-papão que abocanha e devasta todos os outros interesses, como o desporto, os brinquedos, os jogos de tabuleiro, a leitura ou a televisão, mas como aquilo que, a meu ver, é o seu lugar de direito: um outro produto de cultura e entretenimento, que convive saudavelmente com os outros. E, para mim, é uma forma de os puxar um pouco para este lado da minha vida e de estar com eles. De abrir as portas para este gigantesco tipo de conteúdo. De ser Pai e companheiro de brincadeiras. De ensinar através da diversão e das brincadeiras. E de, nostalgicamente, me transportar para os tempos em que eu, mais novo, jogava com amigos e uns ficavam a ver os outros jogar, aguardando a sua vez, comentando os jogos, conversando. E dou por mim muitas vezes satisfeito, sentado no sofá, espreitando por cima de um livro e, embevecido, admirá-los a jogarem juntos.

O Steam Link tem sido aquilo que uma consola nunca foi lá em casa. Pelo preço, pela volumosa quantidade de títulos oferecidos, pelo toque a reunir em torno de um sofá ou de um Puff para uma sessão de jogatana com gargalhadas à mistura, em família.