À medida que o comboio do desalento em relação à Switch encabeçado por uma série de detractores que têm polvilhado o espectro internáutico com uma série de reticências e medos (cujo fundamento só perceberemos nos próximos meses) vai ganhando mais passageiros, acho curioso como o meu estóico entusiasmo permanece inabalável após a apresentação do final da semana passada.

Não o faço apenas pelo meu assumido e óbvio fanboyismo pela Nintendo. Fanboyismo esse que é racionalizado o suficiente para nunca se sobrepor à ética inquestionável de ter de avaliar, e proferir a opinião o mais isenta possível perante o nosso público, que reconhece a minha nunca negada proximidade afectiva com a companhia, mas com a certeza de que essa mesma ligação não tolda de forma alguma as opiniões, sejam positivas ou negativas em relação aos produtos da Nintendo. A nossa tarefa, dentro do amadorismo de não sermos remunerados nesta tarefa diária, é o da apaixonada isenção perante os objectos e nunca o de promotores subtis ou encapotados.

Ainda não tive oportunidade de experimentar a consola in loco, de perceber na primeira pessoa se a habitual e aprimorada concepção ergonómica tão usual em todos os produtos da Nintendo se se mantém com os Joy-Con, que parecendo uma brilhante ideia de design (e de desenvolvimento tecnológico), trouxeram-me uma quase apreensão devido ao seu tamanho diminuto. Não tendo qualquer tipo de experiência pessoal para indicar se a transposição entre o modo “doméstico” e o modo “portátil” é tão suave quanto aparenta, ou quão confortável é o ecrã com o seu aspecto mais anguloso, e se é ou não tão pesado quanto a enganadora aparência em vídeo demonstra, prefiro não acometer afirmações oraculares. Mas tudo isto são suposições e reflexões que pouco ou nada me demovem da minha vontade de possuir uma Switch assim que for comercialmente possível.

Se alguma dúvida existia em mim sobre a compra da consola, posso garantir que o que cimentou a minha decisão não foi a apresentação sensaborona para “conselho de accionistas verem” (que saudades da genuína e apaixonada genialidade de Iwata).O ónus da conquista definitiva e desnecessária da minha vontade de comprar a Nintendo Switch recaiu sobre os ombros deste simpático vídeo:

Não é a maravilha técnica da aplicação, ou apenas a forma como humanizaram as preocupações de um pai com a utilização do Boswer e do seu filho. O que nos fala directamente ao coração é o real posicionamento da Nintendo, que é precisamente no local onde sempre esteve: a família.

A Nintendo é o elemento constante da maturação da minha geração, e cada passo dado a companhia pareceu acompanhar-nos nos gostos, nas mudanças de paradigmas e nas grandes alterações das nossas vidas. Grande parte dos seus fãs, como eu, estavam a emancipar-se (ainda que de forma tardia como é característica da Geração Y) durante o lançamento da Wii, e a consola acabou por ser uma parte integrante de grande parte das casas de jovens, uma peça tão obrigatória quanto uma Nespresso. Vejo pelo meu caso, em que a Wii (com Wii Fit) foi literalmente a prenda que comprámos para comemorar a aquisição da nossa casa, imaginando-a como elemento central do nosso entretenimento e da diversão dos muitos jantares de amigos que cá tivemos.

A Wii U chegou cá a casa mês e meio antes do nascimento do meu filho, e cedo percebi que a possibilidade de poder jogar a minha consola “de sala” no recato de um ecrã deixava a televisão da sala (a única que possuímos) livre para o resto da minha família. Eu podia estar com eles enquanto viam um programa, e eu, sem monopolizar a TV para jogar, podia estar alegremente no sofá a fazer-lhes companhia.

A Nintendo Switch chega na altura certa da perfeita definição do meu filho enquanto jogador (paixão essa supervisionada por nós, os pais, e que funciona como actividade de partilha entre a minha mulher, o meu filho e eu). Por muito que os media a vendam como uma consola estigmatizada em comparação com as outras potências do mercado, e os jornalistas-promotores a vendam como o canivete suíço das consolas que irá apelar a todos até à massa seguidora de eSports, a realidade é que todos falham sequer em perceber a verdadeira mensagem e real posicionamento da consola: a família.

É para ela que a consola, com a sua lógica de partilha imediata, de transporte fácil, de conversão entre consola doméstica e portátil, é direccionada, e é aí que o passo de inteligência comercial deve ser dado. A Geração Peter Pan que é a minha, e que se recusa e recusar-se-á para sempre a deixar morrer a criança dentro de si está neste momento com família constituída, e as preocupações inerentes são transversais a todos nós. A aplicação de controlo parental vem demonstrar que a Nintendo está perfeitamente ciente de qual é o seu público e que a geração que comprou Gamecube porque tinha um CRT pequenito e baratito no quarto para poder “jogar jogos” é hoje trintona e tem filho ou filhos, e a probabilidade de num estilo contemporâneo urbano (e suburbano) de possuírem apenas uma televisão em casa, a necessidade de ter uma consola que se possa mutar para se adaptar às necessidades da família, dos adultos e das crianças que partilham o mesmo espaço, nos primeiros momentos da História de famílias integralmente constituídas por quase nativos digitais. É este o público-alvo da Nintendo que sabe que uma consola doméstica tem de ser um objecto transversal de partilha entre pais e filhos. Salvo excepções, é seguro definir que o público afecto às potencialidades tecnológicas, o vanguardismo gráfico e potências de processamento das consolas domésticas líderes de mercado não são de todo permeáveis ao que a Nintendo tem para oferecer, e ver artigos a misturar o mercado da Nintendo com a óbvia líder de mercado das consolas domésticas, a PlayStation, é incompreensível. Lamentando desde já o redutio ad absurdum da comparação, mas tentar colocar os públicos-alvos e os conceitos desses dois mercados tão distintos é como um consumidor indagar-se porque é que uma SUV familiar não tem as mesmas características que um desportivo descapotável.

Como a simples app de Controlo Parental, que não revoluciona o mercado mas demonstra de forma gritante a auto-consciência da marca. “O que é que o meu filho joga? Durante quantas horas?” são algumas das muitas preocupações que ficam bem demarcadas pelas ferramentas de supervisão que a Nintendo anunciou de forma discreta no final da semana, tornando a experiência de jogar numa consola Switch uma actividade para ser experienciada por, para e em família.

Mas acima de tudo a Nintendo quer continuar a ser a nossa parceira nesta nova etapa da nossa vida, depois de nos ter acompanhado desde a idade que os nossos filhos têm hoje, é ela a fornecer-nos as ferramentas para melhor partilharmos esta paixão comum com quem amamos, e tendo-a como aliada e como companheira de diversão e de construção de memórias. Não sei como é que a Nintendo se adaptará à geriatria da sua(minha) Geração Peter Pan quando a altura chegar. Mas estou convicto que a empresa manter-se-á viva, a acompanhar-nos nessa etapa da nossa vida, depois de tanto ela como nós termos passado por altos e baixos que apenas serviram para nos fortalecer. A Switch vai ser mais um passo nesse caminho, e acredito, se a mensagem do seu direccionamento familiar passar, um passo de sucesso.