Não há uma, nem duas, nem três razões para se desejar que Space Hulk: Deathwing seja um bom jogo. Este surge com o peso de 40.000 razões do gigantesco universo de Warhammer 40.000. Space Hulk: Deathwing traz novamente para os videojogos o jogo de tabuleiro em torno da gigantesca nave literalmente a abarrotar de Genestealers.

Ora fígado, baço, um rim…. o outro rim?!

Não é a primeira vez que, do riquíssimo universo de Warhammer 40k, surge uma adaptação para videojogo da sub-temática Space Hulk. O original data de 1993 e colocava, já então, os nossos Space Marines, geneticamente modificados e tremendamente couraçados, frente aos Genestealers, uma espécie de fotocópia dos xenomorfos de H.R. Giger em Alien. Desde então, após uma segunda ronda promovida pela Electronic Arts, com Space Hulk: Vengeance of the Blood Angels, houve um longo hiato que se prolongou até 2013, ano em que Space Hulk volta aos videojogos, agora pela mão da Full Control. A recepção foi morna, mas não impediu o estúdio de explorar mais o universo do jogo com Space Hulk Ascension, lançado em 2014. Space Hulk: Deathwing, lançado em dezembro de 2016, é o mais recente título da série, agora pelas mãos da Streum on Studio, e leva-nos, como não poderia deixar de ser, de volta à enormíssima nave que, como disse – e provavelmente voltarei a dizer – está absolutamente a rebentar pelas costuras com Genestealers, os tais Aliens sem o sangue ácido e mandíbulas coaxiais que, por um lado, dificultariam imenso a manutenção de uma nave daquele tamanho em caso de um corte acidental a fazer uma salada e, por outro, certamente criariam toda uma epidemia de cáries e bafo de bode.

E qual é a nave que fica completa sem uma bela estátua?

Fundidos dentro da nossa armadura estilo Mech, nós somos um dos Space Marines. Uns tipos com a fisionomia de um Ikea PAX a transbordar autoconfiança a ponto de envergonhar Gustavo Santos e cujo nível de testosterona é suplantado apenas pela sua devoção quase religiosa à sua causa. Isto não é malta que dá uns tiros e depois vai para casa ter com as mulheres e os filhos e beber uma cerveja enquanto vê a bola.

Não, isto são Space Marines. Quando não estão a enviar alminhas às centenas para o Criador, estão à procura de alvos para que possam fazê-lo. É malta máscula – literalmente, não há meninas lá, pelos vistos – e só não cospe para o chão enquanto arrota morte e destruição porque a saliva iria colar-se ao capacete e depois é complicado limpar aquilo por dentro porque as mãos também estão dentro de umas luvas do tamanho de mochilas e aquilo deve ser complicado para as meter dentro do capacete. E agora que falo nisso, espero que a ribombante armadura inclua uma algália. Mas eis que disperso. Voltando ao tema, os esquadrões de Space Marines fazem um ataque coordenado para invadir aquele pequeno Continente em forma de nave com o intuito de exorcizar aquilo tudo e apresentar a conta da lavandaria no final. Assim. Épico. Claro que depois andamos só com 2 companheiros durante a maior parte do tempo, mas acreditem, éramos muitos.

No interior da câmara de refrigeração, o visor do capacete deixa antever o frio proibitivo.

Ora, como qualquer campanha militar planeada ao pormenor, chegando lá, andamos a tentar resolver problemas imprevistos. Malta que aterrou sabe-se lá onde e que deixou de responder aos contactos via rádio. A confiança desta gente nos seus Space Marines é tão grande que, apesar de colocaram grupinhos isolados de 3 contra uns quantos milhões de Genestealers, pelos vistos não lhes terá passado pela cabeça que provavelmente os Space Marines entretanto já estarão a ver batatas pela raiz, devidamente picotados, estraçalhados e temperados para o guisado das 8 da noite.

Não deixem que este meu tom leve vos engane. O jogo cumpre quase na perfeição a criação do ambiente opressivo e claustrofóbico dos corredores labirínticos da nave, com decorações distintas, mas bem trabalhadas e ilustrativas da verdadeira amálgama de naves que criou o gigantesco Space Hulk. Os exíguos corredores mal iluminados dão lugar a fossos onde geradores e fábricas laboram para, a seguir, entrarmos num claustro algures entre uma igreja steampunk e um talho de carnes Halal. Os sons ajudam a criar a envolvência que as luzes e as construções em volta alicerçam e ali, dentro da nossa pesada armadura, o jogo consegue por vezes transportar-nos satisfatoriamente para aquele universo sujo e desesperante. Se são adeptos da série 40K, este será certamente um jogo a ter em conta, com arte e grafismo com nota bem alta a elevar a fasquia do jogo e que vos pode ajudar a fazer vista grossa para os seus problemas.

Workaholic!

É que os bons gráficos e o excelente trabalho com som e iluminação cobram pesada a sua factura e não é qualquer máquina que corre este jogo satisfatoriamente. E será essa uma das principais queixas que encontramos face ao jogo. Pesadito. Mal optimizado E com bugs. Bugs daqueles que, pessoalmente, considero inadmissíveis num jogo lançado para o mercado a quase 40€. Alguns terão sido corrigidos, aos poucos, e por aqui acabei por me deparar com poucos, sendo o mais caricato deles um inimigo que, sendo supostamente um mini-boss, era, de facto mais resistente que os demais bichos com garras, mas ficou ali impávido e sereno,  qual monge tibetano a levitar enquanto eu e os meus companheiros debitamos sobre ele mais balas do que os espectadores de um estádio da primeira liga em dia de clássico. E ele ali. Parado. A flutuar a mais de um metro do chão. Nem se dignou a olhar para nós, o sacana.

Bugs? Quais bugs?

Por momentos pensei que fosse um problema da AI, vulgo Inteligência Artificial, sendo que aqui a palavra “Inteligência” é para ser utilizada com as devidas reservas. Os Genestealers não são lá muito espertos. Mas dá a entender que são, quando os ouvimos a percorrer partes escondidas na nave… ouvimo-los através das paredes, do chão, do tecto, a juntarem-se, a agruparem-se e a comporem o tal ramalhete do ambiente que, de facto, me merece nota elevada neste jogo. O pior é que meticulosa e tensa preparação resulta apenas na corrida desenfreada para o grupo de Space Marines para procurar mordê-los e dar-lhes umas chapadas. De um lado, 3 Space Marines equipados com as armaduras Terminator e com armas prontas para cuspir balas, do outro, uns indivíduos mal formados, nus, a correr para nós. A coisa dá para pintar prédios inteiros com sangue e ficamos a esperar que a armadura tenha botas magnéticas porque o chão deve ficar escorregadio com as torrentes de sangue que por lá correm.

Olhando atentamente para a imagem, conseguimos encontrar um bocado de parede sem qualquer mancha de sangue.

A questão é que não é um combate tacticamente exigente ou interessante. É procurar encostar-nos a algum lado, carregar no gatilho e esperar que as fileiras de gafanhotos vão tombando umas atrás das outras, o que até poderia ser engraçado se os corpos se fossem amontoando e atravancando os já de si exíguos corredores, mas a o fim de meia dúzia de corpos, estes vão começando a desaparecer, afundando pelo chão.

Para mais, é suposto envergarmos uma armadura verdadeiramente imparável, com armas poderosíssimas e sermos uma espécie de one-man-army…. mas na realidade as coisas não são bem assim, e a tal armadura que é comparável a um Tanque andante, capaz de resistir a tudo menos as armas mais poderosas, surge-nos aqui como estranhamente vulnerável a umas unhacas compridas e a tiro de umas armazitas que, de tão piores que as nossas, fazem lembrar uma espingarda de pressão de ar.

Uma das vantagens não mencionadas do capacete: afastar os odores!

Desapontantes são também as nossas armas, que falham na tarefa de nos transmitir a ideia de que somos de facto um colosso destruidor. A arma inicial, um Storm Bolter, parece uma espingarda de assalto bastante normal, com o seu carregador de 60 balas a ser suficiente para desbaratar um punhado de inimigos dos mais vulneráveis. Aceita-se, mas perante inimigos mais poderosos, não sentimos ter ali uma arma potente o suficiente para ser fiel ao espírito do jogo. O jogo permite-nos desbloquear mais algumas armas, pelo que ansiava encontrar uma verdadeiramente poderosa, a fazer justiça à imagem do Space Marine… meh. Esperava encontrar no Assault Cannon uma arma de referência, capaz de obliterar os rastejantes exércitos de Genestealers vaga atrás de vaga. A desilusão foi grande. Oh sim, dispara rápido. E as balas parecem dar mais dano que as do Storm Bolter. E o carregador leva umas centenas de balas, pelo que ansiava manter o dedo no gatilho e admirar uma coreografada sinfonia de morte, destruição e fígados a voar… o problema é que o pináculo da tecnologia dos Marines dispara com a precisão de um indivíduo a mandar perdigotos… volta e meia, lá calha um para onde estamos a apontar. Os outros 200 vão para códigos postais distintos, quando disparados a distâncias superiores a 2 metros. Dei por mim munido de uma arma teoricamente mais potente, capaz de regurgitar melodias de falecimento em ritmo death metal mas com inimigos à distância de um abraço por incapacidade de os manter à distância… A outra opção para curto alcance, um Lança-Chamas, não se revelou muito mais eficaz. E, daí em diante, o desfilar de armas que parecem poderosas no papel mas que depois apresentam uma confrangedora fraqueza em situações de combate não tem fim.

É Natal, é Natal, sinos a tocar…

Felizmente, somos um Librarian… Um bibliotecário, vá. E isso, para eles, é suposto impor respeito. Não, não é por andar no meio dos Genestealers de dedo espetado a ordenar silêncio… Temos uns ataques psíquicos! Assim uma coisa da mente. Mais do que dobrar colheres, uma coisa capaz de fazer os inimigos gritar de dor e de… não, também não. Inicialmente, dispomos de um raio eléctrico a fazer lembrar Palpatine que, com algum esforço, lá mata 2 ou 3 dos inimigos mais fracos. E temos um Shockwave que, dado o seu efeito, bem poderia ser o Shockwave da Garnier. Terminando as missões, vamos tendo uns pontos para alocar e adquirir novas habilidades numa espécie de garatuja de RPG, mas nem isso está particularmente bem feito. Nunca conseguimos elevar tudo ao máximo e quanto ao seguinte poder de Librarian, embora de facto mate alguma coisinha, o seu efeito e animações serviriam apenas para deitar por terra o que falei anteriormente acerca dos belos gráficos que este jogo possui.

Valham-nos os nossos companheiros. Seguem-nos para onde formos e executam as nossas ordens cegamente, interrompendo o silêncio mecânico da nave com comentários mais ou menos pertinentes. Recordo-me de uma altura em que, rodeados de inimigos a morder-nos os calcanhares e atrapalhados a disparar, recarregar, curar e esbofetear, um dos meus companheiros me informou “We’ve got movement!”…. Imaginei a minha personagem a olhar para trás, por cima do ombro, e a perguntar com belo sotaque nortenho “A sério, Carlos?! Ainda não tinha reparado!”.

Friendly fire off, na campanha. Senão ia ser bonito!

Um deles assume grande parte das despesas de dano. O outro é um Apothecary, que é como quem diz, um médico. A meio das missões podemos aceder, por vias psíquicas, a uma mini-oficina onde reparam a nossa armadura instantaneamente e podemos equipar armas e ajustar poderes psíquicos. Atente-se, no entanto, que não convém mudar tudo no médico, caso contrário, deixará de poder curar-nos.

Posto isto, as missões propriamente ditas são um lento e pesado deambular pelos estreitos corredores da nave, de beacon em beacon, voltando para trás de quando em vez, retesando-nos quando uma horda de inimigos se faz anunciar com gritos e com o Carlos a dizer “We’ve got movement”. E se por vezes temos a sensação de que já estivemos em determinado sítio, é bem provável que lá tenhamos estado. A nave pode ser enorme, mas o backtracking existe.

A campanha é, assim, uma sucessão meio insonsa de missões mais ou menos desconexas. Esperava mais. O fenomenal trabalho gráfico e de sonoplastia merecia mais. Talvez o online pudesse ter salvo a honra do convento mas… nem isso. Poucos jogadores, poucas salas disponíveis. Uma percepção ainda mais dolorosa da deficiência de algumas animações dos nossos colegas Marines e uma incompreensível ausência de comunicação por voz, que daria para, partilhando sessões de jogo com amigos, fazer-nos mergulhar no fantástico mundo de 40K. Mas não. Podemos comunicar apenas através de teclas de atalho ou de um menu contextual de ordens, pelo que mesmo a experiência multijogador transpira solidão e nos faz questionar se o tempo que estamos a jogar o jogo vale, decididamente a pena. O meu veredicto, ao fim de algumas horas a tentar usufruir deste título? Não. Não vale a pena. A tentativa de nos moldar como uma figura imponente num campo de batalha, um gigantesco Marine que tudo aguenta e tudo mata, resulta numa espécie de trambolho de jogo, com falhas de design e com uma ausência de fine-tuning inadmissíveis para um jogo com este preço e historial. Não vale a pena. É pena.

[ Todas as imagens aqui presentes, bem como todos os testes realizados com Space Hulk: Deathwing foram realizados na máquina fornecida pela Alientech, a ALIENTECH MASTER EDITION, cujos specs podem verificar aqui.]