No outro dia, durante uma conversa telefónica com alguns membros da equipe dei por mim inconscientemente a jogar Thea: The Awakening.
Porque voltamos a certos jogos quando a escolha é tão variada? De certeza que muitos, tal como eu têm uma lista considerável, sejam ofertas, bundles ou simples vício de armazenamento devem ter alguns nos quais nunca tocaram nem o irão fazer porque por alguma razão são sempre os mesmos a que voltamos, aquela mão cheia de nomes que visitamos e nos abraçam como um velho amigo assim que estamos à sua porta. Aqueles jogos que nos dão uma sensação de conforto de estar sentado nosso sofá, moldado à nossa figura, embrulhados no calor de um bom cobertor.
Para mim, durante os últimos anos foram Metroid Fusion, Civilization V, XCOM, Rogue Squadron II, The Witcher (o primeiro), Super Mario Galaxy, Ocarina of Time, Master of Orion, e mais recentemente a sua nova versão acompanhado por Transformers: Devastation e Thea: The Awakening. Alguns são considerados melhores que outros, alguns nada têm a ver com os outros e são apenas parte das minhas taras e manias, sendo mais amigos virtuais que objectos de entretenimento imateriais.
Quando dei por mim a jogar Thea outra vez, voltando regular e quase diariamente aquele mundo de fantasia apercebi-me que só escrevi sobre o jogo em Setembro de 2015 aquando do seu early access e nunca cheguei a fazer uma análise ao produto final propriamente dito, mesmo tendo recebido o Machado desse ano, e decidi fazer um DLC a esse texto original.
Quantas vezes gostamos de um jogo quando este é lançado e meses ou até anos depois quando jogamos, pensamos: “meh”? Depois da paixão inicial esmorecer, percebemos que não é assim tão bom como julgávamos na altura?
Este não é o caso, não só continua excelente, mas também teve muitas, muitas, muitas, muitas, muitas melhorias pequenas e grandes que conseguem dar mais conteúdo ao que já era rico originalmente.
Thea: The Awakening é uma obra sui generis, combinando várias peças de vários estilos, e alterando-os numa peça que podia ser uma salganhada mas apesar do seu ar hibrido criado por um cientista louco é perfeitamente funcional.
Ênfase no perfeitamente.
É uma espécie de ornitorrinco dos jogos.
O que é mesmo Thea: The Awakening?
Tudo. Ou quase, seria a resposta correcta.
Apesar de ser baseado num estilo 4X, não o é. Apesar de ter componentes de RPG não o é. Tem partes de survival e não o é. Tem card battling mas não o é nem é um jogo de gestão de recursos e criação de cidades, apesar de também ter esses aspectos. Ao mesmo tempo que não é nenhuma destas partes, é uma soma de todos criando algo tão maior do que se esperava de um estúdio que se lançou pela primeira vez num jogo de grande porte.
Aqui controlamos uma aldeia num mundo destruído após um cataclismo mitológico. Neste universo de inspiração eslávica, controlamos de inicio cerca de 10 habitantes e temos que prosperar neste mundo abominavelmente perigoso. Cada um dos nossos habitantes tem a sua função, habitualmente 1 médico, e os restantes divididos entre guerreiros, lavradores e construtores. Dentro da aldeia temos sempre um recurso alimentar e um de combustível, algumas armas e conhecimento para os básicos. Mais tarde existem mais opções e mais funções e mais habitantes, mas nós, o Deus desta aldeia, não os vamos deixar por conta própria e cabe-nos guiar os nossos seguidores iniciais e os que aparecem para a sobrevivência. Temos que fazer progredir a cultura para novas construções, temos que enviar grupos recolher recursos que apenas são encontrados fora da aldeia e regressar a ela para essas e outras construções, fazer missões e descobrir o mundo sempre com aquela única base a que chamamos casa.
Todas as nossas acções têm sérias consequências, todas as decisões vão ter uma repercussão mais cedo ou mais tarde, desde a escolha dos membros e objectos da expedição que vai procurar recursos levará, até a uma simples resposta num diálogo de um random encounter. Até as opções de diálogo nesses encontros são consequência de quem levamos connosco.
A MuHa Games já me tinha surpreendido com a sua produção ainda não estava ela acabada, mas depois disso conseguiram dar-me mais ainda porque são daqueles estúdios de desenvolvimento que fazem a diferença e utilizam o early access para aquilo que devia ser utilizado: Ter um feedback dos jogadores e corrigir a sua obra de acordo com isso. Foram feitas correcções, ajustes, melhoramentos e até acrescentaram elementos operacionais e estéticos sem pedir nada em troca sem ser a opinião de quem joga, até deram (e continuam a dar) uma expansão com mais missões, opção de multiplayer para 2 jogadores (cada um controlando a sua aldeia no mesmo mapa), trocas comerciais e uma imensidão de missões e arte novas sem custo adicional para o jogador. Horas oferecidas pelo preço original da obra. Para quem quiser até inclui um editor de eventos para os nossos jogos ou partilhar com outros jogadores multiplicando o potencial de replay exponencialmente.
Colocando os aspectos técnicos e funcionais à parte porque não são por isso que regresso a Thea: The Awakening, falemos do que realmente importa. Cada vez que regresso a este mundo é diferente e ao mesmo tempo familiar, sei exactamente o que devo fazer mas nunca faço exactamente as mesmas coisas. Aquela minha aldeia torna-se um lar virtual, todos os seus habitantes são amigos e família, sejam eles humanos, orcs, goblins, anões, lobos ou elfos. Demónios e até aranhas gigantes são todos bem-vindos em New Gotham, são todos protegidos debaixo do meu olhar vigilante aos perigos do mundo. Tentar fazer um grupo de personagens sobreviver num ambiente exageradamente hostil é um fácil de aprender, mas muito difícil de aperfeiçoar, posso dizer que com as dezenas de horas que já joguei, ainda há muito que tenho para descobrir, erros que devo evitar, e especialmente aprender a lidar com a dor de perder alguém no jogo. Seja em batalhas, maldições, ou por outra razão ocasionalmente perdemos habitantes, e tal como em XCOM ou outros a morte aqui é parte da vida, e é permanente. E quando perdemos alguém não é um lavrador ou um guerreiro, é a Dobrovka ou o Kazmir, ou seja qual for o nome que lhes deram, até pode ser o Zé do Pipo ou a Maria Cachucha, são personagens com particularidades e funções próprias, com uma história e na minha imaginação até personalidade e custa bastante quando os perdemos e vários turnos mais tarde se tornam apenas memórias. Nada mais que cicatrizes nas estatísticas do final.
São muitas as razões que fazem um jogo bom. São menos as que fazem um grande jogo. Não são gráficos ultra-realistas ou o facto de estarem em plataforma X e não na Y ou Z, não é o facto de terem um grande nome da indústria por trás ou a dar a cara pela produção, não são os anúncios de TV ou as citações nas publicações da especialidade. Um grande jogo, um verdadeiro clássico é aquele que é feito com paixão, é aquele que tem uma qualidade inegável independente de tudo o resto que pode ser quantificado em escalas ou pontuações, mas acima de tudo é aquele ao qual voltamos constantemente depois de passar o fogo da paixão. É aquele com que assentamos e passa a fazer parte de nós. Thea: The Awakening é desses jogos. Apaixonei-me quando o joguei pela primeira vez, e essa paixão não esmoreceu mas desenvolveu-se numa relação estável e duradoura, que me dá algo de novo a cada reencontro. Não há muitos assim.
Por respeito por todo o trabalho e dedicação incansável desta produtora aconselho vivamente a compra de Thea: The Awakening sempre a preço inteiro. Nunca em saldos, nunca em bundles, há coisas que valem o que pedem por isso e oferecer menos é ofensivo.