Se Gravity Rush 2 é a forma de 2017 anunciar que os lançamentos de videojogos high profile serão muito bons, então poderemos estar a braços com um dos anos mais profícuos nesta área que nos é tão querida.

Quando recebemos a nossa cópia de análise há algumas semanas foi fácil perceber nos primeiros minutos de queda vertical que aquele crime quase capital de nunca ter jogado o jogo original para a Vita (ou o port para a PS4) teriam um preço a pagar nesta sequela. A solução mais simples? Aproveitar o desconto na PS Store e comprar de imediato o jogo original para que a sequência da série faça todo o sentido.

Antes de mergulhar no porquê deste Gravity Rush 2 ser uma das melhoras formas que poderíamos ter tido para entrar num ano onde se esperam tantos, mas tantos jogos de qualidade que enunciar The Legends of Zelda, Horizon: Zero Dawn ou mesmo o recém revelado Super Mario Odyssey parece cair amplamente no vazio, temos primeiro de explicar que, e tomando-me como exemplo por não ter jogado Gravity Rush, este segundo título não é mais amigável quando jogado isoladamente.

Não o refiro do ponto de vista mecânico: nesse aspecto há um tremendo trabalho dos estúdios SIE Japan Studio e Project Siren para nos enquadrar perfeitamente em todas as pequenas nuances e peculiaridades que ajudam a distinguir Gravity Rush de qualquer outro jogo contemporâneo. Mas tendo em conta que aqui a narrativa é de extrema importância como cimento que une a maravilha de mundo que foi construído, é importante, para usufruir na máxima potencialidade com tudo o que o jogo tem para oferecer, de apanhar o fio condutor que começou no original, sob risco de sentirmos que caímos em queda livre* num enredo complexo e cuja substância nos ultrapassa.

Se a direcção artística de Gravity Rush, lançado em 2012 para a injustamente mal-amada PS Vita, era exímia, ter o desenvolvimento desta sequela directamente para uma consola como a PS4 concedeu um exponencial livre-trânsito artístico aos seus criadores. Toda a linguagem estética de um anime de alta produção trazidas pelo cel-shading de alta qualidade é exacerbada pelas potencialidades tecnológicas que a consola da Sony. E esse poder nota-se pela fluidez orgânica dos movimentos de Kat, a protagonista, e do brilhante elenco que povoa este mundo tão fantasiosamente coeso.

É aliás o visual (para mim com imensos brilhos de Katsuhiro Otomo por cada canto da cidade e pela construção dos cenários) um dos elementos que mais facilmente conquista qualquer um. A iluminação a compor o equilíbrio cromática de Gravity Rush 2, evocando-nos e transportando-nos para uma filme de animação interactivo, em que as acções da protagonista são controladas por nós.

O espírito do jogo remete-nos para a visão nipónica da temática ocidental (maioritariamente norte-americana) dos super-heróis. Kat e Raven são a abordagem japonesa aos super-humanos que conhecemos desde sempre através de comics, mas envolvidas numa roupagem anime, onde a quebra com o convencionalismo ocidental é mais do que evidente. Os shifters (os seres super-poderosos deste universo) têm a capacidade de alterar a direcção de atracção da gravidade, e é isto que (n)os permite “cair” em diversas direcções.

A forma como foi feita esta transposição conceptual em termos mecânicos demonstra a visão fresca que criadores japoneses têm sobre o que seria mais expectável e conservador no ocidente. Tenhamos Infamous como exemplo e percebemos que a forma como os personagens e os seus poderes funcionam correspondem a uma visão “clássica” e “conservadora” do género, tipicamente norte-americana, é algo com que Gravity Rush quebra por completo imputando-lhe um elemento inesperado e de inovação criativa.

É no mundo aberto povoado de missões, NPCs, cenários destrutíveis e muitas side quests que Gravity Rush 2 embrulha todas as brilhantes e consistentes partes que o constituem, criando um dos grandes jogos obrigatórios na PS4. Diferente, descomprometido com a norma e com apostas confortáveis de game design, Gravity Rush 2 coloca já a PS4 num avanço em relação a lançamentos de qualidade de 2017. Consigam as restantes plataformas igualar, e poderemos dar-nos mais uma vez como sortudos por vivermos esta era dos videojogos.

*trocadilho intencional