Começo este Rapaz-Ventoinha por deixar uma reflexão no ar para o meu compagno d’armi o João: quando começámos a falar desta rubrica dedicada à Nintendo, acho que nenhum dos dois alguma vez pensou em falar de jogos ou propriedades intelectuais da companhia fora das suas plataformas. E aqui estamos nós, um mês depois do lançamento de Super Mario Run, a primeira aventura dos nomes fortes proprietários da Nintendo a viajar para lá do controlo das suas plataformas.

Este Rapaz-Ventoinha é uma dupla subversão do pressuposto da própria rubrica. A primeira subversão prende-se com o facto de que o jogo não é propriamente uma pérola do gigantesco catálogo da Big N (e sendo um dos melhores jogos do género na App Store, até acho que todos os Super Mario lançados nos últimos 10 anos são superiores a esta abordagem mais “simplista”) como nem sequer coabita no ambiente natural das consolas Nintendo.

Mas é este segundo ponto motiva este artigo. Era conhecida e compreensível a ideia de Iwata de que o transporte das suas PIs para longe do ambiente Nintendo poderia descaracterizar a companhia. Com o inegável apelo financeiro que o colossal mercado mobile representa, é natural que administradores e accionistas acabassem por ver com maus olhos este isolacionismo da empresa, perante a possibilidade de facturar extra num ambiente que lhes era estranho.

Iwata acabaria por mudar de opinião antes de morrer, e desde então que todos aguardávamos com curiosidade no que resultariam as aventuras da “nossa” companhia num ambiente desconhecido.

Excluindo as aventuras de Miitomo e Pokémon GO (cuja propriedade é pertença da The Pokémon Company, um consórcio do qual a Nintendo faz parte), a curiosidade agigantava-se de ver como é que uma das grandes figuras como Link, Mario ou Kirby funcionariam num telemóvel. E coube a Mario com este Super Mario Run a tarefa corajosa de trazer as PIs da marca para a App Store (e futuramente na Play Store).

Super Mario Run é um bom jogo. E não o digo apenas pelo facto de que estive algum tempo parado a olhar para o ecrã do computador a tentar lembrar-me de um jogo de plataformas do Mario que fosse mau. E com toda a honestidade não o encontro. Refiro-o porque num mercado pejado de medianidade e mediocridade como é o mercado mobile, Super Mario Run destaca-se e muito por aproximar a experiência de jogo (em termos de qualidade de desenvolvimento e game design) do que estamos habituados a receber no mercado das consolas. E talvez essa diferença qualitativa justifique os 9,99€ do jogo, valor esse amplamente mais elevado que o habitual mobile game.

Mas o último ponto e o mais curioso deste Super Mario Run é uma questão de bastidores de produção. É quase desnecessário indicar Miyamoto e Tezuka como duas das pedras basilares das gerações de game developers que lhes procederam (e até da sua própria geração). Portanto percebermos a quantidade de géneros e as centenas (senão milhares) de jogos que nascem fruto da sua influência é uma constatação mais do que óbvia. Mas Super Mario Run é fruto da reflexão destes dois históricos game designers sobre os speedrunners e os endless runners que nasceram de anos de jogabilidade dos seus jogos clássicos, criando um diálogo inter-geracional de influências criativas.

Super Mario Run é sem sombra de dúvida um dos melhores endless runners no mercado mobile, e deveria ser um jogo obrigatório para todos os fãs de endless runners que querem jogar jogos níveis rápidos no telemóvel.

Ver a Nintendo a chegar ao mercado mobile depois do sucesso perfeitamente epidémico do “seu” Pokémon GO é uma demonstração da força que a empresa tem, e até onde os tentáculos da influência das suas Propriedades Intelectuais pode ir. Aguardamos com expectativa ver outras franquias que nos são queridas a chegarem a um mercado hiper-democratizado como o mobile, e que vai demonstrando necessitar de candeias que alumiem o seu caminho.

Nota do autor: após editar este texto foi exibido o Nintendo Direct de dia 18/01 sobre Fire Emblem, em que foi anunciada mais uma produção mobile da Nintendo: Fire Emblem Heroes.