Ainda no espírito do desencantamento com videojogos que tenho vivido ultimamente, continuando no meu dilema sobre o que vai ser do meu futuro como videjogadora (e do que aí advém), tenho dedicado o meu tempo a uma das minhas outras verdadeiras Paixões – o meu Amor original desde que me lembro de existir: Cinema.

E no meio das sessões infinitas de filmes de terror que faço com o meu marido, uma ideia começou a formular-se na minha mente…mais uma pergunta que começou a criar raízes e a tentar desabrochar por entre as sinapses constantes do meu cérebro.

Porque é que os videojogos se transformam, regra geral, em filmes de cocó? Porque é que esta ponte é tão difícil de ser estabelecida e cruzada? Porque é que uma obra literária complexa consegue ser transportada para uma obra cinematográfica que é muitas vezes Excelente, mas um videojogo, que à primeira vista tem muito mais em comum com filme do que um livro, não o consegue fazer?

Pensemos todos juntos sobre esta questão. Vou pensar “Alto” (que neste contexto, é como quem diz: vou escrever “alto”) e tentar transpor o meu raciocínio para este artigo o mais coerentemente que conseguir. Quero muito poder “falar” disto convosco. Vamos ponto por ponto, devagar, que uma boa conversa quer-se com calma e desejavelmente acompanhada de um bom vinho.

Comecemos pelos livros. Um livro depende muito da imaginação de quem o lê certo? Ou seja, existe tanto do autor como do leitor na experiência magnífica de desfolhar uma história através de páginas. Quando lemos a descrição de um lugar, a nossa imaginação transporta-nos para esse local imaginário – criamos uma imagem, damos corpo a uma personagem, pomos características nossas e de quem conhecemos nos protagonistas e seus diálogos – partimos as letras e tornamo-las Um com a nossa imaginação. Quanto melhor o livro, quanto mais bem escrito, mais fácil é essa ligação.

Seguindo esta linha de raciocínio, se virmos um filme depois de lermos o livro, ainda que o filme seja Excelente, ficamos, mais vezes do que desejaríamos, desapontados pois aquilo que estamos a ver no ecrã, raras vezes corresponde ao que imaginámos na altura da leitura. Essa decepção é eventualmente ultrapassada quando apreciamos o filme como um Todo – como uma obra solitária, sem dependência do livro. Posso-vos dar o exemplo de um dos meus livros e filmes favoritos: Blade Runner. Este genial livro de Philip K. Dick, cujo nome é Do Androids dream of Electric sheep? tornou-se uma das minhas histórias favoritas desde que a li. Ao ver o filme, a primeira reacção foi pensar que este distorceu o final, alguns detalhes fundamentais e que tomou demasiadas liberdades criativas. Depois do embate inicial do confronto: “Imaginação da Alexa vs. Visão do Realizador”, apreciei a extraordinária obra cinematográfica que ali estava. O excelente trabalho do realizador, dos actores, cenografia etc e percebi que as liberdades criativas não distorciam a história – contavam-na de outra maneira.

Julgo que esta foi a primeira vez em que me dei conta do quão difícil deveria ser passar um livro para um filme – pegar na imaginação de um autor, multiplicada exponencialmente pela imaginação de todos os seus leitores, e criar uma obra estanque – um filme, que possa não só fazer justiça ao material original como também agradar aos espectadores. Não invejo nada os argumentistas.

Peguemos agora em Videojogos. Continuando a (tentar) seguir a mesma linha de raciocínio, tentando manter alguma coerência, e pegando em tudo o que disse acima, seria de concluir que, pela lógica, deveria ser bem mais fácil transportar e adaptar um videojogo para um filme. Afinal num videojogo temos imagens concretas: personagens já com corpo e personalidade, características físicas definidas, forma de andar, trejeitos e tudo o que a pode tornar única. Temos cenários já construídos, locais estabelecidos e até ângulos de realização previamente estabelecidos – se virmos as cutscenes como um pequeno filme. Nos videojogos, já existe uma história clara, um lore e um destino. É só pegar em todos os elementos e transportar para o ecrã de cinema. Levando ainda mais a fundo a comparação – pegar no ecrã do videojogo colá-lo no cinema.

Então porque Raio é que Ninguém sabe fazer isto bem? Seremos justos… não é Ninguém. Perguntarei assim: porque raio é que todos os que tentaram, falharam redondamente? Bom, alguns filmes podem até nem ser maus de todo… alguns até são divertidos… Mas isso Não CHEGA! Não chega para o meu coração que quer ver uma vez na vida, um videojogo ser transformado num Grande Filme. Um Excelente Filme! Um Filme que faça todas as pessoas que menosprezam videojogos como uma arte menor, olhar para eles como um excelente veículo de histórias.

E é nesta pergunta: “Porque é que todos os que tentaram, falharam redondamente?” que tenho ficado nestes últimos tempos.

Ao falar deste assunto com o marido, uma ideia interessante surgiu: talvez porque os videojogos têm imagens e conceitos tão concretos e, de certa forma fechados, não permitem aos guionistas, realizadores e até mesmo actores, uma liberdade criativa que lhes permita criar Arte sua. Ou seja – limitam-se a tentar transpor um conceito e reproduzir uma imagem que já existe. Daí resulta uma limitação subjacente na criatividade e imaginação que depois se reflecte no resultado final. Dito de forma mais simples: a facilidade de ter algo concreto para transpor, em oposição ao que acontece com os livros, torna-se em prisão da imaginação. Sem imaginação – não existe criatividade. Sem criatividade – não existe Arte e por isso mesmo os filmes daí resultantes são maioritariamente… Maus.

Apesar de considerar esta ideia do marido muito interessante e de, quanto mais penso nela, mais sentido me faz, não me parece que seja uma razão única. Parece-me que existe nas equipas que se envolvem nestes projectos cinematográficos uma total ausência de Paixão por videojogos. São produtores de cinema que querem fazer dinheiro. São estúdios que querem vingar com um título de Sucesso. São realizadores que querem filmar uma cena como se de um videojogo se tratasse, numa tentativa de imitação amadora dos ângulos de câmara que se observam num videojogo. Para enganar o espectador e levá-lo a pensar que estão a ver algo muito semelhante ao que jogaram.

Inevitavelmente caem num erro técnico crasso: o que funciona num videojogo, raramente funciona em cinema. Para dar um exemplo mais claro: uma Luta – Não podem filmar uma Luta como se esta fosse tirada de um videojogo: com ângulos de câmara muito próximos da personagem, edição rápida e sobreposta como se o espectador estivesse dentro da luta. Num filme, ao contrário do que acontece num videojogo, somos espectadores, não intervenientes. Para que o espectador possa entender o que está a acontecer e criar alguma ligação emocional que seja o suficiente para se importar em saber como a cena acaba, tem que a observar na sua plenitude. Ou seja, enquanto espectador, eu preciso entender a luta num todo – preciso observá-la e não estar “dentro” dela. A edição rápida funciona no frenetismo da luta de um videojogo, em que os planos de câmara mudam e/ou ajustam-se à nossa visão para nos dar a sensação que estamos lá…porque na verdade, estamos mesmo. Num filme, eu preciso entender quem está a bater em quem e como isso está a acontecer. Se a câmara continua a mudar de ângulo, lado, orientação, altura, etc… o meu cérebro vai, quase automaticamente desligar-se e não querer saber do resultado final.

O mesmo se passa com o reproduzir uma personagem. Tentar que uma personagem de um filme seja escrupulosamente igual à de um videojogo é absolutamente errado. O cérebro humano não precisa do “escrupuloso”. Precisa apenas do detalhe reconhecível. Quando se tenta copiar os detalhes mais ínfimos de uma personagem, como aconteceu com o guarda roupa de Dastan no filme Prince of Persia – Sands of Time a mesma, em filme, torna-se irrealista e quase cartoonesca face a tudo o que está à volta. Se apenas mantivessem o punhal e o medalhão que Dastan usava, o talento do actor preencheria os espaços restantes da nossa imaginação e o espectador ficaria com a sensação de que tinha efectivamente visto Dastan ganhar vida. Já para não falar que o filme é baseado no jogo Sands of Time e o guarda roupa de Dastan é o que este usa em Warrior Within. Claramente modificado porque este último tem um ar muito mais cool e badass que o primeiro. O pior é que foi levado tão “à risca” que, como ficou no filme… foi demasiado. Uma caricatura… uma prestação de um excelente actor: Jake Gyleenhal, deitada fora. Com uma personagem caricaturada, o espectador perde a seriedade com a qual está a ver o filme. Torna-se um filme para “miúdos”.

Nos “filmes para miúdos” está o problema número 3. A grande maioria destes filmes saem com o grande objectivo de fazer dinheiro… muito dinheiro. Querem a maior audiência que conseguirem. Agradar a Gregos e a Troianos. E como acontece isso? Fazendo um filme que seja considerado: “Para maiores de 13 anos”. Então, toda a violência que possa ser necessária para contar uma história, como por exemplo em Hitman, Resident Evil ou Assassin’s Creed, é “lavada” para que seja aceitável a audiências juvenis. Na visão destes produtores, tal como na visão da grande maioria das pessoas, os videojogos são coisas de “putos” e por isso mesmo serão os “putos” que vão ao cinema. Esquecem qual a idade média dos videojogadores de hoje. Esquecem ainda uma coisa mais óbvia: a idade para a qual os jogos que reproduzem para o grande ecrã, são direccionados. Jogos para “Maiores de 18” são convertidos em filmes para “Maiores de 13”.

Noto que, à medida que vou escrevendo, muitos mais argumentos vêm à minha mente. Como cinéfila e mulher fiel ao meu primeiro Amor, dou por mim já a entrar em espiral de análise. Adoro analisar filmes… mas todas estas ideias e conversas que estou a ter comigo mesma neste momento não cabem num só artigo. Quero falar convosco sobre isto.

Independentemente de todas as ideias que vou tendo, todas as análises que vou fazendo numa tentativa provavelmente inútil de chegar a alguma conclusão que me satisfaça, não consigo deixar de lamentar que as duas formas de arte que mais Amo não tenham ainda encontrado a Ponte que tanto merecem.  Sinto, com algum transtorno, que os realizadores e guionistas que trabalham nestes projectos, não são verdadeiros Amantes de Videjogos. Não passaram horas a viver uma história de comando na mão… não devotaram parte da sua vida a construir uma personagem – a crescer com ela. Tratam os videojogos e as suas histórias como algo menor. Não existe Paixão! E sem a chama indefinível e ininteligível da Paixão, a criatividade é obtusa, desinspirada… obsoleta. Tal como os filmes que aqui falo…