Meio mundo está derretido com a chegada de mais uma sequela de Resident Evil, e outro meio mundo ansioso com a aproximação com a data de lançamento da Switch (sendo que eu também me incluo neste grupo). E aqui estava eu aos pulos, entusiasmado com o lançamento de mais uma jogo de uma das séries que me marcou enquanto jogador. Nem preciso de fazer grande suspense, se estão a ler este artigo já clicaram no título e sabem que se trata de mais uma iteração de Double Dragon.

Double Dragon II para Game Boy foi o segundo jogo que alguma vez possuí e aquele que me fez perceber uma valiosa lição que traria comigo para o resto da vida, dentro e fora dos videojogos: só o esforço e a dedicação conduzem ao sucesso. Eu sei que a este lema falta-lhe apenas a “dedicação e a glória” que servem de bandeira ao meu Sporting e sei também que apesar dessa ser a minha máxima existencial, que rapidamente percebemos que a injustiça tão presente no mundo vem muitas vezes esbofetear violentamente a minha utópica frase.

Indubitavelmente um dos jogos que marcou o final da década de 1980 e que abriu caminho para que na década de 1990 jogos como Streets of Rage e Final Fight tivessem possibilidades de singrar em todo o globo.

Double Dragon foi um fenómeno. Um daqueles enormes, em que as duas palavras juntas eram suficientes para que todo o pré-adolescente e adolescente soubessem exactamente do que se estava a falar. Duas memórias de umas férias em Vila Nova Milfontes em Julho de 1995 serviam para demonstrar o quão forte era a franquia: por um lado um cartaz A4, ao baixo, mal-amanhado, a anunciar o filme que estaria em exibição durante 4 noites no Cine Girassol (em Milfontes), e a série de animação da DiC Entretainment que nos deliciava nas tardes desse Verão. Mas o filme não passa de uma falsa memória colectiva, porque na realidade a película que incluía tristemente Mark Dacascos, Scott Wolf, Alyssa Milano e Robert Patrick nunca existiu. Podemos fazer o acordo de cavalheiros (e damas) e enterrarmos esta memória no canto de “coisas que nunca aconteceram”?

Double Dragon estava quase em todo o lado, mas o prazo de validade do género acabou por ditar-lhe uma morte anunciada. Entre as tentativas de se tornar num 2D Fighting Game e manter-se à tona agarrado ao bote salva-vidas de Street Fighter 2 e uma ou outra iteração de quase vão-de-escada que viria a culminar em 2012 com uma versão auto-parodiada do mercado indie.

Não sendo de todo o quarto jogo da série (é aliás o nono da linha principal), Double Dragon IV foi lançado dia 31 de Janeiro para PS4 e PC como uma sequela de Double Dragon 3: The Rosetta Stone de 1990. E porquê uma sequela deste jogo, e não de Double Dragon V de 1994? Porque este Double Dragon IV é o quarto jogo de NES. Construído de forma estanque para o ser.

Se num clima de “factos alternativos” que parecem ser a tónica de 2017 (infelizmente) anunciássemos este Double Dragon IV como uma história romanceada de um cartucho perdido de 1992 que só hoje, 25 anos depois, viu a luz do dia, decerto que muitos acreditariam. Não sendo a nossa verdade alternativa verdadeiramente verdade (passando o pleonasmo), Double Dragon IV é em (quase) todos os aspectos um jogo de NES. Os movimentos e os controlos são idênticos aos que conhecemos desde a nossa infância. As sprites e as suas animações são exactamente as mesmas, com o pequeno truque de que a resolução é muito maior, e cada pixel visível é na realidade o somatório de muitos pixéis como forma de manter aquele aspecto rude dos personagens da sua primeira iteração na Nintendo. Só o som é diferente, e acarreta melodias e possibilidades técnicas bem superiores aos permitidos pelos chiptunes originais. Tirando esse facto, podem experimentar: este é um jogo de NES. Com a única diferença que não o podem jogar lá.

Os interlúdios entre missões relembram outro jogo desse período: Ninja Gaiden, e as suas vinhetas estáticas que emulam as rudimentares cutscenes da geração de 8-bits. O enredo não poderia ser mais clássico: por entre cenas de pancadaria e pugilato por ruas, docas, armazéns e outros cenários obrigatórios de 2D side scrolling beat’em ups, conduzimos os gémeos Billy e Jimmy Lee a salvarem Marian, a namorada do primeiro, que é sem dúvida a Peach dos jogos de luta, tal o número de vezes que já foi raptada.

Ao mesmo tempo que ando a sofrer com outro lançamento actual, Nioh, coloquei as mãos neste Double Dragon IV e rapidamente me lembrei do quanto esta série e este período possuíam jogos duros de ultrapassar, e ainda mais de roer (se a nossa dieta incluísse o plástico e metal do cartucho). A dificuldade deste DDIV é a mesma dos jogos originais, aqueles tais que me obrigaram a gastar semanas das minhas tardes livres da infância para o quebrar. Neste caso 5 Continues distribuídos por 3 vidas cada, e isso tem que ser o suficiente para levar Billy e Jimmy a resgatarem Marian. Se falharem encontrarão o glorioso sabor do ecrã inicial, e começarão tudo outra vez.

Da primeira tentativa consegui chegar ao último nível, acabando por morrer com as enxurradas de inimigos que o jogo sadicamente nos atira. Contendo os mesmos movimentos simples dos jogos originais, e as mesmas secções frustrantes de plataformas que nos sacam mais vidas do que as sequências de combate. Com uma separação de 26 anos entre a primeira vez que joguei o primeiro Double Dragon e este, não esperava chegar tão longe “à primeira”. Parece que aquela velha máxima do esforço e da dedicação sempre valem algo.

É de valorizar o risco da Arc System Works de desenvolverem mais do que um jogo retro, atingindo realmente um jogo que poderia sem qualquer dúvida ter sido criado na era áurea da NES. Mas por outro lado há uma série de fragilidades e extemporaneidades (especialmente mecânicas) que são evidenciadas ao acometer este passo em 2017, e o entusiasmo inicial de ver mais um Double Dragon de NES a chegar rapidamente se revelou como mera nostalgia.