Se Dante vivesse hoje e estivesse a escrever a sua Divina Comédia (ou uma sequela), decerto que descreveria um lugar muito especial no Purgatório, uma tierra de nadie para todos os jogos que foram lançados em Early Access e que de lá nunca saíram. E dentro desse limbo um espaço considerável a todos os survival games que cumprem esse requisito, mas por terem tantos óbvios exemplos ocupam mais espaço do que deveriam.
Quando todos pensávamos (ou desejávamos) que esta verdadeira praga que são os survival games tivesse terminado, lançados em catadupa e inacabados para sempre no Steam, como uma espécie de herpes simplex irritante e intratável, eis que a Funcom lança mais um jogo multiplayer, e arrasta consigo a franquia de Conan, porque o desaire fora-de-tempo de Age of Conan não tinha sido suficiente para mutilar a obra de Robert E. Howard.
A extemporaneidade é aliás um ponto que facilmente reconheço à marca norueguesa. O já referido Age of Conan num momento notoriamente descendente do mercado dos MMORPG, e este Conan Exiles aparece numa época que provavelmente grande parte das pessoas esqueceu ou desejou esquecer os survival games. O que inclui as respectivas equipas de desenvolvimento, visto que os jogos continuam inacabados passados anos dos seus lançamentos em Alpha.
Mas desenganemo-nos da inteligência de grande parte dos jogadores , e da bem-aventurança do público que já poderia ter aprendido algo com os lançamentos alpha-eternos do género. Conan Exiles é um dos jogos mais vendidos das últimas semanas, com mais de 320k cópias vendidas segundo o Gamespot. Isto poderá significar que a missão da Funcom está cumprida, e a par de todos os estúdios dos jogos do género que lhe antecederam podem ir para casa com algum dinheiro no bolso, e rir a bandeiras despregadas com os comentários que seguiriam, mas apenas meses depois, das legiões de fãs que se sentem enganados pela falta de produto final.
Se é isto que espera Conan Exiles, não sei. Mas sei que o que existe agora é pouco ou nada apelativo para dar credibilidade a um género que será um dos maiores engodos do mercado dos videojogos.
O meu primeiro contacto com Conan não passou pelos magníficos livros de Robert E. Howard, mas sim pelas adaptações da Marvel a preto e branco que felizmente existiam lá em casa e que eram adaptadas pelo grande Roy Thomas e ilustradas por dois gigantes que foram, e são, 2 das minhas maiores influências artísticas: Barry Windsor-Smith e John Buscema. A forma irrepreensível como o universo épico de Conan foi trazido para a nona arte abriu-me as portas para conhecer, anos mais tardes, a escrita do próprio Robert E. Howard. Um mythos tão interessante e tão complexo, com íntimas ligações com o mythos lovecraftiano (de quem Howard era correspondente) e que praticamente é inexistente neste Conan Exiles. Aliás, tudo o que sabemos sobre a ligação deste jogo ao universo de Robert E. Howard prende-se com o título e com a cena inicial que nos coloca um bárbaro moreno de olhos azuis a salvar-nos da crucificação. Ponto final, bárbaro.
Em termos mecânicos Conan Exiles é insípido e pouco ou nada traz de novo a um género que foi massacrado com baldes de shovelware. Diria até que nesta fase inicial do jogo haveria muito pouco a apelar-me de o experimentar se o peso do nome Conan não servisse de letreiro rubi incandescente a alumiar-me o caminho pelo mar de Early Access lançados semanalmente no Steam.
Desculpem, esta última frase tem uma grande imprecisão. Aliás, grande, dependendo da dimensão que o definimos na criação de personagem. É que um grande factor que tem chamado alguma atenção a Conan Exiles, entre o riso e a surpresa, é a existência assumida de genitais e da física associada, e se escolhermos estar a jogar sem censuras é fácil vermos uma sombra balanceante adicional pela areia tórrida do deserto.
Corajoso? Certamente. Conceptualmente coeso com o universo de Conan, se sequer existissem algumas referências (para já) que nos fizessem sentir realmente em casa. Mas termos o realismo de genitais balouçantes não é decerto o maior argumento de vendas daquilo que neste ainda é “apenas” mais um survival game.
E não, nem a possibilidade única que o jogo permite o torna assim tão vendável nos seus 29,99€. Falo é claro de podermos ter a mais realista saqueta de chá do mercado dos videojogos.
Perceberam?