Ver o regresso das aventuras point ‘n click (ou aventuras gráficas, como tão convictamente ainda lhes chamo) em toda a força, com vários bons jogos a surgirem no mercado a um ritmo mensal, vem mostrar que há esperança para um género que muitos julgaram defunto, mas que estava apenas apenas a fazer um longo sono de beleza, e surge agora rejuvenescido em todo o seu esplendor.

Esta semana trazemos 3 abordagens indie a este género e que utilizam todo o poder artístico para alicerçar as suas histórias, e, possivelmente, para ganharem destaque no populado mercado dos dias de hoje.

Silence

Apesar de a Daedalic não utilizar essa referência no título, Silence é na realidade a sequela de The Whispered World, a tal anunciada e com lançamento apontado para 2014, mas que só no final de 2016 viu a luz do dia.

Apesar de não ser óbvia a conexão com The Whispered World e de não ser explicável se incorrer num spoiler tão grande que destruiria a experiência de o jogar, Silence faz a ponte perfeita entre os 2 jogos ao colocar-nos na pele de Noah, que nos é apresentado no preciso momento em que ele tenta desesperadamente levar a sua pequena irmã Renie para um bunker, durante mais um bombardeamento.

Para quem conhece o estilo artístico de TWW e tem o primeiro contacto com este Silence, há uma janela de expectativa do jogo trazer um enredo brando, suave, e até algo pueril, mas a realidade é que a temática e a ambiência têm uma grande carga emocional, é é-nos difícil conseguir manter um sorriso na cara à medida que a tristeza transborda do ecrã para dentro de nós mesmos.

A únbica grande crítica que podemos atribuir a Silence é a extrema necessidade de termos de jogar o seu antecessor para conseguir usufruí-lo e compreendê-lo na plenitude. Porque do ponto de vista artístico a decisão de construir todo o jogo com modelos tridimensionais que se deslocam em ambientes bidimensionais soberbamente ilustrados fá-lo destacar-se num mercado que conta com a direcção artística como gigantesco elemento diferenciador. A diferença estética entre os dois jogos poderá ser compreendido pela ligação que existe entre o mundo de TWW e Silence. Mas referi-lo era estragar ambos os jogos para quem o vá jogar.

Memoranda

Inspirado por histórias curtas do escritor Haruki Murakami, Memoranda põe-nos ao controlo de Mizuki, uma personagem que tinha quase todas as possibilidades para ser uma personagem de um JRPG, mas não é.

Afectada por uma estranha amnésia, Mizuki percorre o seu prédio e a sua pequena cidade por entre cantos e recantos pejados de surrealismo, com momentos e um elenco que poderiam facilmente fazer parte de um estranho transe alucinogéno.

O ambiente de contornos inesperados é-nos apresentado logo no início, quando Mizuki nos fala da sua insónia, e a espécie de maldição do velho de olhos vermelhos que está sentado no chão do seu quarto, e a certeza que enquanto ele não adormecer ela também não o fará.

Os puzzles são lógicos, ainda que todo o jogo fale a língua de Breton, ou aliás, a de Murakami. Contrariando aquilo que era habitual nos jogos de aventura point ‘n click, mas em linha de consideração com a tónica contemporânea, quase todos os puzzles possuem hints que nos ajudam a encontrar o caminho da sua solução, sem serem excessivamente directos.

Memoranda de Bit Byterz é realmente memorável no seu elenco caricato, mas sobretudo pela sua direcção artística, e pela decisão de uma estética de ilustração próxima do cinema europeu de animação. Que nos permite rapidamente deixar-nos submergir na história como se de um bom filme se tratasse.

Bear With Me

Mesmo dentro dos jogos de aventura point ‘n click bidimensionais com orçamentos baixos (especialmente quando comparados com os níveis de produção em que o mercado mainstream se encontra), há que perceber que uma tremenda parte de ressaltar no meio da multidão passa pela direcção artística.

Bear With Me, a par dos anteriormente citados Memoranda e Silence é mais um desses casos, em que facilmente nos lembraremos dele por quão distinta e identificativa é a sua estética. Levando o conceito de história policial noir de forma literal, Bear With Me existe todo a preto e branco, aliás, mais cinzentos e pretos do que brancos, criando uma óptima abordagem numa história de investigação policial de uma menina, Amber, e do detective (e urso de peluche a tempo inteiro) Ted. E. Bear, à medida que os 2 procuram pistas sobre o paradeiro do irmão daquela.

Apesar do visual mais infantil e até próximo daquilo que poderíamos ver numa série de animação, Bear With Me apresenta umas complexidade e um desafio que satisfarão até os fãs de jogos de aventura mais empedernidos, e apesar de curto, na duração e no preço, decerto que deixará uma memória num ano que se avizinha entusiasmante para os jogos de aventura point ‘n click.