Acho que ficou bem explícito no artigo anterior que estou a ADORAR o Resident Evil 7. E sim… a adorar, o que significa que ainda não o acabei. Que, por sua vez, significa que ando a protelar porque tenho medo de o jogar. Não me julguem – é a primeira vez na vida que tenho medo (à séria) de jogar algo e por isso não sei como arranjar coragem para me submeter a tanta tensão e acabá-lo. É que depois de um dia de trabalho extenuante, chego a casa e só me apetece relaxar e um jogo em que estou em constante “sofrimento” não é propriamente o melhor remédio para isso. Assumir um problema é o primeiro passo para o ultrapassar (é o que dizem os da minha “raça” profissional). O marido bem diz que me apoia e faz o jogo comigo, mas não é ele que está de comando na mão a tentar matar um gajo que não há maneira de morrer. P…a de Família que inventaram para o jogo.

Mas, por mais que adore o jogo (ou esteja a adorar) e que considere que foi o melhor que a Capcom poderia ter feito para reavivar a série, já para não falar do tremendo estalo de luva branca dada à Konami pela interrupção do PT, existe uma coisa que não consigo deixar de pensar o quão me incomoda. E incomoda-me muito.

Estou a falar de ti – Todd Soley! E perguntam vocês: “Quem é este???” É o actor que dá a voz à personagem principal do jogo: Ethan Winters. Uma das piores representações de voz que já ouvi nesta era moderna dos videojogos.

E à medida que ia jogando, fui-me apercebendo com cada vez mais clareza como é importante para mim enquanto jogadora, para a minha experiência de jogo, um Excelente Voice Acting. Apenas para trazer mais algum contexto ao que vos quero falar, deixem-me explicar uma pequena coisa: como cinéfila que sou, costumo usar a expressão: “Its all about the acting” sempre que analiso um filme. De facto, quando se trata de cinema, nem me importo que os efeitos especiais não sejam muito bons, ou a cinematografia seja trivial, ou a realização algo “by the book”, a história seja mais ou menos banal, ou que os diálogos sejam básicos e a narrativa limitada… se os actores forem suficientemente convincentes no seu papel, eu consigo gostar e apreciar um filme pelo que ele é. Claro que, quanto todos os elementos se combinam na perfeição, temos Obras ímpares da 7ª Arte como Blade Runner ou Fight Club… mas às vezes temos apenas coisas geniais na sua simplicidade, como é o caso de: Training Day ou Good Will Hunting filmes cuja capacidade dos actores fez com que premissas simples se transformassem em originais e únicos clássicos. Um Excelente actor consegue fazer de algo corriqueiro uma experiência imperdível.

E nos videojogos, para mim, funciono cada vez mais assim.

Vejamos o caso de The Last of Us, um jogo cujo argumento nada traz de novo e a sua premissa já foi feita mais de um cento de vezes. Homem contra seres zombiescos? Um mundo pós-apocalíptico? Conceitos tão antigos como o próprio conceito de videojogo. Mas, quem jogou The Last of Us sabe que este é o jogo de uma vida. Apenas porque nele somos Joel e conhecemos e protegemos Ellie. E ambos têm vida para além do ecrã – Vida essa que devem a Neil Druckman, que os escreveu soberbamente, mas, acima de tudo, a Ashley Johnson e a Troy Baker, que os trouxeram para a Vida. Que os tornaram reais ao ponto da experiência de videojogo se tornar algo estranhamente real. Passei horas de jogo a assistir aos pequenos diálogos entre Joel e Ellie, a “observar” auditivamente as pequenas interacções entre ambos: o tom de voz sarcástico de Joel, o cansaço e desilusão na sua voz… a ingenuidade, tenacidade e provocação de Ellie. Estes momentos fizeram com que as personagens se tornassem parte de mim… não apenas pela sua excelente animação – mas sobretudo pela Voz! Quando desligava a consola, era o riso de Ellie e as vezes infinitas que ela dizia Fuck! que me traziam um sorriso ao rosto… detalhes vocais que dependem única e exclusivamente da capacidade interpretativa dos actores.

Nas horas que já passei em Resident Evil 7, pouco a pouco, subtilmente, dei-me conta que algo estava francamente errado num produto tão verdadeiramente BOM! Dei-me conta que eu não tinha qualquer apego à personagem de Ethan. Chegou ao cúmulo de, para escrever este artigo, ter que pesquisar o nome dele. E enquanto joguei as primeiras horas, senti que a tensão no jogo era criada sobretudo pela câmara ser na primeira pessoa e pelo excelente ambiente que nos rodeia… e não porque temo que Ethan (ou seja lá qual for o nome do senhor) possa morrer ou viver. Isso significa que não tenho qualquer empatia pela personagem.

Eu sei que num jogo de First Person View, é suposto que a personagem seja um mero catalisador e não tanto um interveniente com personalidade vincada e distinta como acontece nos jogos Third Person. Mas ainda assim, ajuda muito na minha imersão de jogo, de deixar que a câmara que sou se torne a minha pele por umas horas, se a voz que existe como veículo condutor entre a personagem e eu, seja convincente ou realista.

Sem fazer qualquer tipo de Spoiler, vou-vos contar alguns detalhes: Ethan recebe uma estranha mensagem da esposa 3 anos após o seu desaparecimento, a pedir que a vá buscar a uma localização remota. Vemos Ethan a falar deste tópico telefonicamente com um amigo qualquer na primeira cutscene do jogo. A emoção que Ethan demonstra nesta conversa é a equivalente à minha emoção a descrever a minha actividade de lavar os dentes todas as manhãs quando acordo. Quero dizer – recebe uma mensagem da esposa supostamente desaparecida e fala disto como se fosse: “just another day at the office”? Depois chega à tal casa, encontra um ambiente decrépito, entra numa cave, num esgoto, depara-se pela primeira vez com um cadáver… um homem em decomposição que insiste em boiar à sua frente, e a sua única reacção é… arfar alto. Deixem-me dizer isto novamente: ARFAR ALTO. É a única reacção perante um cadáver que emerge na água imunda de um esgoto. A sério??? Senhor Todd Soley e equipa de realização da Capcom, foi o melhor que conseguiram fazer? Garantidamente, se qualquer um de nós for a andar por uma cave que não conhece e vir um cadáver a boiar, não se vai limitar a arfar alto. Eu consigo pensar em 10.000 coisas que diria alto e arfar seria algo que faria apenas quando conseguisse estar léguas longe dali.

A cena, que é verdadeiramente o primeiro susto que apanhamos com a nossa personagem, tem metade do impacto no jogador que deveria ter pela falta de reacção do actor. Ele banalisa e, por inferência, o jogador também.

Mas posso dar mais exemplos: encontra a sua mulher. Vê-a pela primeira vez em 3 anos. Repito – PRIMEIRA VEZ em 3 anos. A esposa encontra-se fechada numa cela! Primeira linha de diálogo: “Mia, are you alright?”, num tom de voz como se a tivesse visto no dia anterior. Ou como se a esposa tivesse escorregado e caído na sua rotina em casa e ele perguntasse, casualmente, se ela está bem. Mia demonstra um comportamento gradualmente mais errático, tudo o que diz parece não fazer sentido, e Ethan continua sem mostrar qualquer tipo de emoção de surpresa ou terror, confusão, seja o que for. Continua, calmamente, a narrar os acontecimentos e a fazer, ocasionalmente, um comentário de alguma moderada consternação naquela voz robótica e “chapa 5” de videojogos do género.

O cúmulo para mim acontece quando é atacado a primeira vez pela esposa e perante TUDO o que está a ver, continua, a dizer apenas, compassadamente: “What is wrong with you Mia?”. Nada mais do que isso….

Sinto que estou a ser picuinhas com Resident Evil 7 e detesto ser picuinhas com seja o que for. Mas estamos numa Era de Ouro nos videojogos, em que as produtoras têm à sua disposição as mesmas ferramentas que existem na indústria de cinema – desde o orçamento, como argumentistas, designers, realizadores e… actores.

A capacidade de nos imergirmos totalmente num jogo, principalmente um produto que é de Terror, está directamente dependente da nossa “mistura” com a personagem e essa mistura apenas acontece na perfeição quando as reacções da personagem – animações e acima de tudo, Voz – são o mais humanas e emotivas possível. E, num produto tão complexo e bem feito como Resi 7, esta falta de emoção corta a ligação umbilical jogador-personagem. Ao cortar esse cordão, o jogador é devolvido à realidade quando deveria estar totalmente ali… naquele cenário doente.

É só um detalhe… mas são os detalhes que separam o Muito Bom do Perfeito!

Não consigo deixar de sacudir a sensação desconfortável de que fui picuinhas. Detesto ser picuinhas. Mas apenas sei escrever quando sinto e este factor era algo que já não conseguia sacudir de mim. Desiludiu-me tanto quanto me irritou.

Enfim – agora que já sacudi e purguei este detalhe que tanta importância tem para mim, vou continuar a tentar acabar Resi. Passinho a passinho. Sala a sala. É que, podem acreditar, a emoção que o actor Todd Soley tem em falta, tem a jogadora Alexa em demasia. E o meu “voice acting” no jogo está “excelente” – vernáculo com fartura verbalizado através de distintos tons agudos de cacofonia histérica. Um “filme” embaraçoso de uma jogadora acagaçada que, felizmente para ela, não está a ser gravado.