Numa altura em que o proto-fascismo parece estar na moda, a Rebellion volta a pôr-nos uma espingarda na mão com o objectivo de limparmos a paisagem europeia da década de 1940 de fascistas. E esse bilhete balístico tem como destino a Itália de Mussolini.

É possível que Sniper Elite 4 tenha um enredo ali no meio, mas eu tenho de admitir que rapidamente ele se tornou ruído branco. Alguém dizer que joga qualquer que seja a iteração de Sniper Elite pelo enredo é o mesmo de ver defensores de argumentos complexos em pornografia. A narrativa pode estar ali, mas serve tanto o seu propósito nestes casos específicos como os livros nas casas dos infindáveis reality shows da TVI.

O fascínio que os videojogos me cultivaram em relação à acção dos fraco-atiradores deve ser transversal a grande parte dos jogadores. Este fascínio não é realista ou belicista, mas é ao invés mecânico, alimentado por algumas abordagens subtis de sniping de alguns FPS clássicos. Sniper Elite veio apoiar-se em jogos que sentiram esta necessidade do mercado, como o já clássico Silent Scope, e trouxe-lhe uma abordagem nova, tornando-se contemporâneo e mais apelativo. Mas o grande elemento de sucesso da série e aquele que tem garantido o seguimento de muitos jogadores consegue-se descrever em 3 palavras, sendo uma delas um determinante, e outra um substantivo composto:

Mortes em Raio-X.

Este sim é o grande elemento de venda, e aquele que exaustivamente developers da Rebellion e fãs de Sniper Elite mostram a putativos jogadores como um folheto de evangelização. E se há algo que Sniper Elite 4 tem, e cada vez melhor em relação aos seus antecessores, é a espectacularidade das mortes em Raio-X, que para os mais distraídos resume-se a vermos em câmara lenta a nossa bala a ser disparada do cano da espingarda em direcção ao corpo do soldado adversário, e quando penetra vermos o interior do seu corpo como uma radiografia, e vermos os danos que essa bala teve desferiu. Épico, sangrento, violento, mas a grande e talvez a única grande razão para jogarmos esta série.

Como crítico de videojogos reconheço que o fiel da balança que muitos criadores têm de fazer perante as suas obras podem surgir como espadas de dois gumes na avaliação crítica. É fácil insurgir-nos contra um estúdio que repetidamente lança iterações sucessivas da mesma franquia efectuando poucas ou nenhumas alterações de edição para edição, mas também reconheço o quão fácil é recriminar alterações quase diametrais de algumas fórmulas. Pelo menos quando estas mudanças não funcionam.

Sniper Elite 4, de forma mais ou menos consciente, muda em muito a tónica de franco-atirador de Sniper Elite, pelo menos na sua campanha single player. A construção de níveis, que é sem dúvida uma grande melhoria da iteração anterior, estando nesta quarto jogo da série principal muito maiores do que qualquer cenário anterior, condiciona uma mudança abrupta da forma como nos é mecanicamente quase imposta a “solução” para passar cada nível. Percebemos logo na primeira torre que encontramos na primeira missão que o conceito tão delicioso e fundamento de venda da série: o de encontrar vantage points e eliminar o exército adversário com paciência e cautela, é quase substituído por uma lógica de aproximação com pistola com silenciador, tornando Sniper Elite 4 muito menos distinto de outros jogos de acção furtiva.

Sem incorrer no erro de comparar o incomparável, mas houve outro ponto que não só colide com o artigo de ontem da Alexa, como com a sensação que Yakuza 0 e Horizon Zero Dawn nos deram em relação à utilização do voice acting. Numa história sofrível como a de Sniper Elite 4, o terrível voice acting dos muitos personagens atira a qualidade interpretativa dos personagens e de quem lhes confere a voz a um Tommy Wiseau, o que demonstra ainda mais que se é para termos um enredo e um voice acting martelados, sem qualidade e num aspecto quase filler, é preferível reduzirmos o jogo à sua essência mecânica.

Sniper Elite 4 arrisca em alguns sentidos, demonstra a visão da Rebellion em complexificar o seu level design (sendo impressionante do ponto de vista de construção) mas acaba por sacrificar muita da sua alma na mudança de paradigma. O apelo deste jogo é a possibilidade de “arrumarmos” com centenas de soldados fascistas com um posicionamento estratégico e uma mira apurada, exponenciada pelas gratificantes animações de Raio-X. Mas ao fim do dia sentimos que o peso da palavra Sniper no título é muito mais forte do que a sua execução mecânica. E para jogar jogos furtivos de guerra há opções brilhantemente executadas que ofuscam a medianidade deste jogo da Rebellion.