O primeiro episódio da primeira temporada de Hitman foi lançado a 11 de Março do ano passado e o lançamento do jogo completo em formato físico viu a luz do dia a 31 de Janeiro deste ano. Se a 11 de Março parecia demasiado cedo para fazer um balanço a Hitman: First Season, hoje parece demasiado tarde, mas a verdade é que não havendo grande alternativa além de avaliar individualmente cada episódio da primeira temporada, não há então motivo para não arrastar também o meu veredito quanto a jogo que ainda hoje me divide.
Em bundle com Hitman: First Season veio também uma controversa forma de digital rights management. Para retirar a iO interactive do desconforto da posição financeira que poderá ter levado à redução da equipa de desenvolvimento a metade do tamanho em 2013, talvez justificado pela recepção controversa de Hitman: Absolution, Hitman: First Season conta com um sistema always online, significando que qualquer ou quase tudo o que façam nos menus é comunicado ao servidor. Em 2015 escrevi um artigo sobre o quanto os serviços de streaming eram uma ameaça para os videojogos, pelo simples facto de, uma vez que compramos um jogo para jogar em streaming não estamos efectivamente a comprar nada (não há conteúdo em nossa posse, nem físico nem digital) mas a pagar uma licença para jogar. Em Hitman: First Season, apesar de estarmos a adquirir conteúdo que nos vai parar a uma steel case bonitinha ou ao nosso HDD ou SSD, não podemos jogá-lo sem os seus servidores. Esperamos que num futuro próximo a iO interactive altere o jogo para poder ser jogado inteiramente offline e isto tenha sido apenas uma estratégia menos feliz para controlar as cópias ilegais enquanto este está em produção.
O lançamento de Hitman: First Season consistiu no lançamento de seis episódios ao longo do ano de 2016, cada um incluindo uma nova localização para jogar, uma missão principal. Este formato de lançamento permitiu também à equipa desenhar outras missões de menor escopo nas localizações que estavam disponíveis ao longo do ano, foi o caso do Bonus Episode de verão e natal que consistiam em, respectivamente, duas missões, uma em Marrakesh e outra em Sapienza, e uma missão em Paris. Estas missões não pertencem ao arco narrativo de Hitman: First Season mas consistem na primeira visita do Agente 47 a estas localizações. Além disto, acresce em conteúdo as missões desenhadas pela comunidade que, apesar de brindadas com menos eventos scripted, conseguem ser tão ou mais desafiantes que as missões principais.
Há muito trabalho incrível em Hitman: First Season. Talvez das melhores integrações que alguma vez ouvi da banda sonora num videojogo, uma vez que o ritmo é inteiramente controlado pelo ritmo da acção, desenrolada pelo jogador. Cada secção do nível tem um tipo de mood associada pelo estilo de acções que desenrolam naquele local. Essa mood é cimentada com os trechos de audio que tocam a entrar nesses locais e, além de extremamente bem escritos por estarem tão bem contextualizados nesta vibe 007, as transições são super suaves e poderiam fazer parte de uma peça a ser tocada por um conjunto de indivíduos e não um reproduzir de trechos de audio distintos, que é o que são, essencialmente. Por muito respeito que tenha pelo trabalho de Jesper Kyd nos anteriores jogos da série, é surpreendente ver alguém novo a fazer um trabalho tão refrescante e ao mesmo tempo, tão adequado e tão bem feito. Incrível, definitivamente do melhor sound design que vi no ano passado. Esse trabalho é elogiado tanto à equipa de desenvolvimento pela boa integração, como a Niels Bye Nielsen, compositor.
Apesar do prólogo do jogo tomar lugar sete anos antes de Hitman: codename 47, o resto do jogo decorre sete anos após os eventos de Hitman: Absolution. A história não é realmente o propósito do jogo, uma vez que o pouco que nos é apresentado relativamente a esse assunto limita-se a cutscenes de pares de minutos com uma breve contextualização. A apresentação da história é tão diminuta e tem um impacto tão pequeno sobre a acção que falar sobre ela seria dar demasiada relevância a algo que está tão pouco presente e tiraria o pouco gozo que ela vos pudesse proporcionar. Em cada missão do jogo existe um contexto para o alvo e esses contextos entrelaçam-se esporadicamente (seja numa missão específica, entre alvos, ou entre alvos de várias missões), toques interessantes mas não suficientes para sustentar apelo no jogo pela qualidade da escrita. A credibilidade do mundo reside muito mais nos perfis de cada npc que ocupa espaço no local da missão.
Se fixarmos um qualquer npc em Sapienza e praticarmos um pouco de shadowing (já lá vão os tempos dos meus 20 anos onde o praticava por desporto a pessoas aleatórias com um amigo meu) percebemos não só que essa personagem tem um cronograma específico, como ele está inteiramente dependente da localização e das outras personagens que o rodeiam. O escopo é surreal, só que em vez de ter sido construído de dentro para fora, foi construído de fora para dentro. O detalhe e a credibilidade do mundo não deixa de fazer sentido se desconsiderarmos a escala, o que já não é verdade para a maioria, e talvez devesse arriscar totalidade (mas não quero ofender malta que respira os jogos da Rockstar*), dos jogos em mundo aberto. Apesar de vos conseguir garantir que o nível de credibilidade do mundo de Hitman: First Season está bem além do que vi em qualquer Grand Theft Auto. Isto é claramente um enorme ponto a favor da quantidade de diversão e rejogabilidade deste jogo (o que também reforça o quanto se adequa ao formato episódico que foi lançado) e uma excelente forma de aumentar os tempos de loading, que quando somada aos acessos ao servidor do jogo tornam-se numa pedra no sapato dado o tipo de jogo que estamos a jogar. Eu não tenho particular problema com loadings o problema é que neste jogo é problemático.
Este artigo está dividido em duas partes e por isso espero por vocês no próximo artigo. Nele irei entrar um pouco mais no game design de Hitman: First Season e até contrariar uma ideia que se estabeleceu como default quando se fala neste jogo.