Este artigo é a segunda das duas partes de Desconstrução de Hitman: 1st Season. Poderão encontrar a primeira parte aqui.
Inúmeras vezes vi pessoas a dizer de boca cheia que Hitman: First Season é um jogo para ser repetido. Antes de fazermos este statement de forma igualmente arrogante, gostaria de entender isto comparando-o com outros jogos. Grande parte dos jogos que se debruçam sobre a repetição têm ritmos acelerados e condições de derrota bastante abrangentes, fazendo com que cada tentativa dure pouco mais que uns minutos, alguns deles, pouco mais que uns segundos. Outro statement importante é que qualquer jogo, quando rejogado número suficiente de vezes, nos torna bons ou muito bons. É uma estratégia extremamente viável em jogos que nos permitem gravar a nosso critério e todo o motivo pelo qual morrem tantas pessoas de aborrecimento em sessões de playtesting nos escritórios da EA Games mais próximos de si. Porém, o Level Of Detail(LOD) do mundo somado a pequenos detalhes como, quando estamos perante um dynamic press com determinados requisitos estes estarem explícitos. Sim, claramente tiram mais partido de Hitman: First Season se o rejogarem, porém, determinados detalhes mostram-me que provavelmente, nos escritórios da iO não tinham total noção do que estavam a fazer.
Todos aqueles que jogaram iterações anteriores de Hitman sabem que espreitar por um buraco na parede ou fechadura de uma porta é uma mecânica conhecida para a série. Parte dessa mecânica, em Hitman: First Season, ainda existe e torna-se redundante uma vez que os jogadores têm acesso ao instinct mode no shoulder button direito. Neste modo poderemos ver os contornos de todas as personagens e objectos relevantes a uma determinada distância, sem obstruções. Provavelmente foi uma mecânica introduzida mais tarde para facilitar determinados jogadores, mas se Hitman fosse um jogo desenhado para ser rejogado, nem isto pertencia ao jogo. A consciência de serial killer que muitos dizem ser construída à medida que rejogamos cada um dos cenários é revogada pelo próprio jogo. Não só pela inclusão desta mecânica, como pelos vários minutos de espera sempre que quero carregar um save file ou recomeçar a missão.
Eu entendo perfeitamente o ponto de vista de que o máximo partido é retirado do jogo assim que entendermos o mundo, mas eu daria muito mais valor se Hitman me conseguisse apresentar um desafio justo num ambiente orgânico, da mesma forma que faz com a banda sonora. Inicialmente, quando não entendemos o mundo e ainda estamos a aprender a interagir com ele, não só recomeçar ou recarregar um save file se torna um pouco cheesy (e relembro, triste pelo tempo de espera) como não ajuda a intensificar aquele thrill de sair da área da missão calmamente depois de termos assassinado o alvo. Não é tão recompensante como um jogo em que cada partida se alastra para a casa dos sessenta minutos deveria ser.
Até as Opportunities – pequenos eventos scripted com formas originais de assassinar os alvos – que parecem (e todos chamam à atenção como) uma forma de aumentar o replay value são, na verdade, forma de afunilar a jogabilidade e fazer com que o jogador tenha formas menos arriscadas de atingir o seu objectivo, reduzindo o risco de falha. Estas existem para que em runs menos exigentes (como a primeira) exista uma forma de baixo risco de conseguirmos atingir o objectivo, recompensando-nos. O Super Meat Boy (jogo feito para ser rejogado) não tem atalhos óbvios para as primeiras tentativas, os jogos da série Souls (jogos feitos para serem rejogados) não têm táticas simples chapadas para ultrapassar determinadas secções. Poderia ser realmente uma inovação no género, mas o facto de não apontar exclusivamente para o aumento do replay value faz com que eu não esteja positivo, como já deixei explícito neste artigo, não seria a primeira incongruência presente no jogo.
Enquanto jogava Hitman: First Season, inúmeras vezes me lembrei de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain como contraste dentro do mesmo género. Ambos são jogos de stealth, enquanto Hitman se faz sentir um jogo muito mais artificial, scripted e cronografado que MGSV, a verdade é que, depois de voltar a inserir esse disco na minha consola, chego à conclusão que não. Como jogo stealth MGSV está muito mais limitado na forma como o mundo reage a ele mesmo, porém, a ideia que este passou é completamente diferente. Pequenos detalhes como o realismo em como rebolamos no chão, o quão próximo a câmara está em determinadas acções, a forma obtusa como os guardas reagem a situações caricatas, até a possibilidade de acariciarmos o D-dog ajudam a criar essa ilusão, mas no momento em que temos de ser objectivos e analisar o local de jogo, MGSV é mais limitado. Mas não parece. Recai agora a dúvida sobre o que é mais importante: ser ou parecer. E logicamente recaí sobre parecer, afinal, é sobre essas heurísticas que se rege o game design.
Porém, o facto de Hitman: First Season não parecer realista ao nível da jogabilidade e interacções não faz dele um jogo necessariamente mau: inúmeras vezes me questionei se estaria a jogar um jogo de tabuleiro, com regras rígidas estipuladas. Inúmeras vezes o jogo se faz sentir um jogo na forma como interage connosco e com ele próprio, onde as personagens se regem por linhas de código e não como pessoas, mergulhadas no mundo. A cada nova tentativa em terminar uma missão (que o jogo nos força a realizar) o cenário se faz sentir cada vez mais falso e actuado, inúmeras vezes me questionei se toda a acção não passaria de uma simulação ou parte de uma peça de teatro à escala real, como em Synecdoche: New York de Kaufman ou em The Truman Show. Não estou a criticar, faz parte do jogo, inúmeras partes dele apontam para isso e confesso que de alguma forma também lhe dá charme.
Podia-me alongar, podia explicar o quão bem o tom deste jogo é estabelecido. Até agora não consegui cimentar uma opinião sobre Hitman: First Season, mas a verdade é que, depois de três meses a jogá-lo de forma incessante, não creio que a vá cimentar. Diverti-me imenso, tal como qualquer fã da série Hitman se divertiria, e é um jogo com imenso conteúdo. Talvez para a pessoa que não compreende o apelo e não está disponível para perdoar determinadas falhas (ainda que de forma inconsciente) todo o conteúdo que trás seja conteúdo em excesso. A nota é positiva por achar que este jogo se excede a si e a todos os outros jogos no mercado em determinados aspectos, mas acho que o formato rushed em que foi lançado (de forma episódica) fez com que nem a própria iO interactive tivesse uma ideia clara sobre o jogo que estava a fazer, que permitisse olhar para um jogo como um todo cortando nos excessos e investindo nas partes que o fazem bom. O facto deste jogo ter First Season no nome faz com que me leve a achar que podemos esperar o mesmo modelo no próximo, porém, e espero, com melhores lições e mais afinado mecanicamente, mais claro e mais limpo. Poderemos estar perante o início da melhor série de videojogos stealth alguma vez feita (a um nível mecânico), mas para isso teremos de esperar para ver o que aí vem: uma sequência de jogos bem sucedidos ou uma segunda season sem melhoramentos claros que leva ao abandono do projecto (looking at you, Sonic 4).