Lembro-me do tempo em que 2010 era uma data futurística, em que provavelmente grande parte dos humanos já teriam suplementos cibernéticos a conceder-lhes uma extensão pós-vida, e em que a Humanidade teria finalmente cumprido a sua rampa de evolução social que culminaria com uma sociedade mais igualitária e mais justa. Pois bem, 2010 foi há 7 anos, e todas as minhas esperanças para um futuro melhor parecem tão pueris como muitos dos meus ensejos de pré-adolescente.
Quando comprei o cartucho de Street Fighter 2010: The Final Fight, nessa época distante em que 2010 era ainda mais distante, fi-lo porque ansiava ardentemente por um side scrolling platformer hiper-difícil com laivos de sci-fi e com um grande foco em batalhas tão desafiantes que testassem a minha destreza pré-púbere ao máximo.
Mentira.
Comprei o cartucho de Street Fighter 2010: The Final Fight para a minha Family Game pela mesma razão pela qual toda a gente o fez: tinha Street Fighter no nome.
Não, este não é um Ataque dos Clones para quem tenha clicado involuntariamente e não saiba do que estou a falar, e não é um seguimento do segundo artigo dessa rubrica de sempre, que se debruçava sobre Street Fighter IV (o clone de 1993).
Este artigo é sobre um spinoff de 1990 da aclamada série Street Fighter, numa época ingénua em que o pueril mercado de videojogos assumia que os consumidores comprariam qualquer produto desde que tivesse uma franquia forte no nome. E assumia-o bem porque ainda hoje o fazem. Não esquecer que este é o período que antecede grandemente a massificação do acesso à internet (pelo menos no território português), e em que o contacto com trailers era virtualmente inexistente. Ou éramos convencidos pelo artwork dos cartuchos, tirando as ilações necessárias a tentarmos adivinhar sobre o que raio o jogo tinha, ou era preferível ir totalmente à descoberta.
Foi o que me aconteceu (e a possivelmente à grande maioria de jogadores que o compraram à época) e que só descobriram que tipo de jogo se tratava depois de o começarem a jogar.
Curiosamente, se ultrapassarmos alguma dose de infâmia que o jogo possa ter ganho, e pegarmos nele com o desapego de esquecer que as palavras Street e Fighter fazem parte do seu título, este (…) 2010: The Final Fight (assim denominado doravante para evitar enraivecimentos desnecessários) é um grande jogo escondido do tremendo catálogo da NES.
Aqui Ken (na versão ocidental do jogo, Kevin Striker na versão original japonesa) um ex-lutador tornado polícia ciborgue está no “distante futuro” (sic) de 2010 a percorrer planeta em planeta com o auxílio do seu exoesqueleto cibernético na tentativa de encontrar o seu amigo Troy. Cada nível tem um objectivo, e um objectivo apenas, simples de encontrar mas dificílimo de alcançar: percorrer o infernal level design de cada um dos planetas para derrotar o boss desse planeta, e obter um objecto que nos permita abrir um portal trans-dimensional para o próximo nível.
(…) 2010: The Final Fight é difícil, como referi. Aliás, é muitas vezes injustamente difícil. Ainda hoje penso em que raio de reflexos sobre-humanos ou capacidades mnemónicas aguçadas eu deveria ter aos 9 anos quando o joguei para o ter passado até ao fim.
Numa tónica de jogos exclusivos da NES e que eu joguei nos (hoje) amados cartuchos de plástico multicoloridos, (…) 2010: The Final Fight está quase ali taco-a-taco com outras dores de cabeça de 8 bits que eu por algum milagre pré-adolescente consegui terminar, como a trilogia de Ninja Gaiden ou Battletoads.
Há semanas voltei a pegar no jogo e rapidamente percebi que ele é muitas vezes injustamente maltratado pela péssima decisão da Capcom de esmifrar o pesado e valioso nome de Street Fighter para tentar vender uns milhares de cartuchos adicionais de outro jogo produzido in-house.
Não, aquele não é o Ken que me extorquiu imensas moedas de 20$ nas máquinas de arcadas, e continuo a preferir chamar-lhe Kevin Striker do que ceder ao oportunismo ocidental da Capcom. Striker (que curiosamente se assemelha ao personagem que anos mais tarde seria criado para MK) é um bom protagonista de um sci-fi platformer desafiante exclusivo da NES.
Por outro lado acredito que se não fosse o facto da Capcom ter utilizado esta técnica de pseudo-auto-usurpação do nome, nem eu nem grande parte dos jogadores algum dia teriam contacto com este desafiante jogo, com belíssimas e desafiantes sequências de platforming e ainda mais memoráveis e difíceis boss battles.
(…) 2010: The Final Flight é um grande jogo e que aconselho a todos os rapazes-ventoinha que anseiam por um desafio como na velha guarda. É decerto um jogo que gostaria de ver o meu compañero de viaje de rubrica a jogar.