(consultem o Versículo 1 aqui por favor. Ámen!)
Lane Setup
Vou comparar aqui com o setup do League of Legends, onde tradicionalmente (que é como quem diz forçosamente, sob pena de morte, deportação e insultos multilingues) temos um jogador no top, um no mid, um na jungle e dois bot. Esqueçam isso para o Dota 2, por favor. O alinhamento base funciona apenas por prioridades de farm (amealhar dinheiro) – ou seja, angariação de dinheiro para comprar itens – e experiência. E são como que numerados de 1 a 5. O 1 será o carry, que é quem precisa de mais dinheiro para se tornar relevante. No extremo oposto, o 5 será o hard support. Aquele que menos itens e experiência precisará para ser eficaz, dando prioridade a itens para a equipa, como wards, smokes, dusts, sentries, etc… (já lá irei, já lá irei).
A disposição pelo mapa também é variável. Go crazy with it. A mais tradicional e conservadora é a formação 2-1-2. Dois elementos em cada lane lateral, um no mid e ala moleiro. Mas nem sequer podemos entrar no mesmo tipo de lanes que no League of Legends… é que no Dota 2 o mapa é assimétrico. As torres laterais estão colocadas em posições diferentes para ambos os lados. Assim, se jogarem em baixo – do lado dos Radiant – a bottom lane será a lane teoricamente mais segura para o vosso carry farmar. A torre mais avançada encontra-se bem dentro da nossa parte do rio, pelo que estarão ali como que protegidos pela zona da vossa jungle. Por outro lado, a top lane é conhecida como a suicide lane, ou hard lane, uma vez que terão que penetrar bem em território inimigo para terem acesso ao ponto de combate das creep waves (ou minions, vá). Em suma, se jogam em baixo, bot deverá ser para o vosso carry. Se jogam em cima, do lado dos Dire, a melhor lane para ele deverá ser o top.
Acresce dizer que o mapa é tridimensional. Verdadeiramente tridimensional. Quer isso dizer que a altitude em que nos situamos influencia, por exemplo, a nossa visão e aquilo que a possa obstruir. De cima vemos tudo para baixo. Por outro lado, quem está em baixo não consegue ver inimigos que estejam num terreno acima de si e, mesmo que tenha visão sobre essa área, tenderá a falhar parte dos seus ataques. Ora o mapa é cheio de relevos, altos, baixos, árvores, etc… E, por falar em árvores, tenhamos em conta que cada árvore é uma parte única do mapa, totalmente manipulável, com várias personagens e itens a poderem tirar partido delas ou destruí-las. Itens como os Tangos ou a Qualling Blade, podem ser utilizados para destruir uma árvore. Determinadas habilidades de personagens interagem directamente com as árvores e/ou destroem-nas em números variáveis. É, portanto, um mapa “vivo”, parte integrante do jogo e totalmente manipulável e ajustável às incidências do mesmo.
Em todo caso, não faltam ferramentas para se brincar com o mapa, vendo a posição dos edifícios, dos creep camps da jungle e possíveis ward spots.
Assim, se o 2-1-2 é o mais tradicional, 1-1-3 também existe, ou 1-1-1-2 (aqui com o jungler presente no LoL), outras vezes vemos 1-1-1 com ambos os supports a passear pelo mapa, criando conflitos em várias zonas por onde passam. Volta e meia, vemos uma lane ser completamente abandonada por um dos lados. E também não é incomum ver 2 no mid, baralhando as restantes contas. Outras vezes, perante um carry mais orientado para o late game, uma equipa pode optar por colocar uma tri-lane ofensiva, com o seu carry e dois supports a prejudicar o normal farm do inimigo e procurando afastá-lo da lane ou matá-lo. No fundo, desde que seja suficientemente pensado para funcionar, as soluções vão sendo aceites e não há uma hermeticidade muito grande associada à meta.
Personagens
O que nos leva aos heróis propriamente ditos, os principais alvos e mobilizadores da “meta” ou “metagame”. Actualmente, há 113 heróis disponíveis. E sublinho o “disponíveis”. Ao contrário do League of Legends ou do Heroes of the Storm, todas as personagens estão acessíveis desde o início. Todas. Sem reservas. E para se perceber bem como isso funciona, há que abandonar o preconceito e os vícios de outros MOBAs… não há a “mais forte”, nem a “overpowered”. A arte do game design do Dota 2 vem muito daí. 113 personagens, todas elas únicas, com habilidades e características únicas, equilibradas numa espécie de Pedra-Papel-Tesoura de complexidade exponencial à versão apresentada em The Big Bang Theory.
Cada personagem tem as suas forças e as suas fraquezas. Tem os seus nemesis e as suas vítimas. Umas são mais flexíveis e mais jack-of-all-trades, outras são mais unidimensionais. Umas permitem adaptação a todos os roles dentro do jogo, outras assumem quase exclusivamente um ou outro. Umas podemos moldar com uma tremenda panóplia de itens para o papel que julgamos mais adequado, outras dificilmente escapam de um conjunto de itens mais ou menos obrigatórios. Não há a melhor personagem, ou a pior personagem. Não há um elo mais fraco. Não há um absolutamente dominador. E é aqui, em grande medida, que acho que o jogo brilha verdadeiramente na arte que é construir este tipo de equilíbrio.
Abro aqui um parêntesis para falar de um jogo português que tenho vindo a acompanhar com interesse na sua evolução. Shutix, da Indot Studio, é uma arena para quatro jogadores, com quatro personagens diferentes. Uma das preocupações e dificuldades que a talentosa equipa da Indot tinha da última vez que com eles falei era precisamente o equilíbrio entre as forças e as fraquezas das quatro personagens, o que é perfeitamente normal. Mas, atente-se… quatro. Se equilibrar convenientemente quatro personagens em termos de forças e fraquezas, mantendo as suas características únicas e distinguíveis, já é um desafio, imagine-se fazê-lo com 113 heróis a interagir entre si, com umas largas dezenas de itens a adicionar níveis extra de complexidade à equação.
Mais que isso, imagine-se fazê-lo de tal forma que virtualmente todos os heróis disponíveis são utilizados competitivamente, ao mais alto nível de exigência (e de rentabilidade também, mas isso são outras contas). Recorro de novo ao League of Legends para termos uma comparação. Nos últimos Worlds de League of Legends, foram utilizados um total de 57 champions. Em todo o campeonato! Pois bem, apenas num fim de semana em que decorreu a fase final da ESL One Genting, Dota 2 pôs em jogo 87 heróis. Se se olhar apenas para o embate da final, um jogo disputado à melhor de cinco, teremos que foram utilizados 30 heróis diferentes, ao longo dos 5 jogos necessários para determinar o vencedor. Ou seja, em apenas uma série, foram utilizados mais de metade das personagens diferentes que se usaram ao longo de todo um evento de um jogo semelhante. Esta é, a meu ver, uma das principais riquezas do jogo. A diversidade.
É um dos argumentos de peso para não só arrecadar novos jogadores e seguidores como para manter o jogo no pico de interesse do público ao longo destes anos, em constante crescimento sem sinais de abrandamento. A diversidade tempera o inesperado. Adiciona emoção. Este artigo publicado na PC Gamer no ano passado, ilustra um pouco daquilo que é a fase de Draft (a escolha e a remoção de personagens do jogo para se disputar uma partida) de um jogo de Dota 2. É quase que vista como um jogo dentro do jogo. Como há um equilíbrio nas personagens, as escolhas e os bans são feitos com base numa estratégia comum e/ou no conhecimento daquelas que são as personagens com que alguém tem um desempenho fora do normal. Para mim, enquanto espectador, ver um jogo e perder a fase de Draft é uma experiência menor. Perde-se parte da história do jogo. Perde-se parte da emoção. O Draft puxa-nos para o jogo. Como um isco. Mantém-nos atentos, a perguntar o que virá a seguir, e envolve-nos na especulação. Será que este herói vai mid? Será que vai support? O herói Y pode ser uma séria ameaça ao herói X, será que esta equipa vai bani-lo? Escolhê-lo para si mesmo? E porque raios é que vi vinte jogos antes e ninguém bania Meepo ou Nature’s Prophet e nestes 3 jogos com esta equipa os seus adversários trataram de os banir sempre? A fase de Draft de Dota 2 é, em si mesma, uma espécie de obra-prima dos videojogos enquanto espectáculo de entretenimento, de eSports. A ponto de a Riot ter nela notado e, de alguma forma, a ter copiado para o seu League of Legends – ou pelo menos anunciado isso, recentemente.
Ao contrário de outros jogos, o Dota 2 não promove o culto da “main”. Não temos um herói principal. Teremos a nossa posição. E, dentro dela, teremos um ou outro herói com que sejamos de facto melhores… e teremos outros com que possamos vir a ser verdadeiros especialistas. Mas, em abono do usufruto do videojogo em si, somos encorajados a experimentar, a sair dessa zona de conforto de jogar sempre com o mesmo herói e experimentar outros. [ Por muito bem que estejam a sair-se com a vossa Broodmother, depois de encontrarem uma Legion Commander ou um Earthshaker à frente, provavelmente preferirão evitá-los nos jogos seguintes. Se estão a dominar com Huskar é provável que pretendam evitar um Ancient Apparition. ] Podem fazê-lo na mesma. Mas encarem-no como uma espécie de configuração do jogo onde nos pedem o grau de dificuldade. Easy, Standard, Hardcore, Insane e vocês escolhem a última. Mas isso é bom. Mantém o jogo vivo, mantém o jogo interessante. Mantém-nos de orelhas espetadas sem cair no vício de jogar 40 vezes o mesmo personagem em 45 jogos, sem cair nessa rotina. E, melhor, permite que de facto haja um destaque grande a quem domina verdadeiramente uma personagem acima da média e entre para os anais da história. O Nature’s Prophet de AdmiralBulldog é lendário. Tal como o Meepo de Abed ou o Invoker de Miracle-, o Bounty Hunter de PieLieDie ou a Naga Siren de Resolut1on… Dota 2 não é um jogo fácil. Não procura trilhar muito pelos caminhos da acessibilidade e por dar a mãozinha para ajudar o pobre novato. Por outro lado, isto coloca os seus jogadores no topo dos mais valorizados e bem pagos na indústria dos eSports. Dos 50 jogadores de eSports mais bem-pagos de sempre, apenas dois não são jogadores de Dota 2. E esses – os ultra-populares Faker e Bengi – surgem apenas na 33ª e 34ª posição.
O corolário da utilidade e versatilidade dos heróis… um Earth Shaker – até a esse evento jogado quase exclusivamente como suporte – a decidir uma jogada e o jogo, naquele que ficou conhecido como o Echo Slam de 6 milhões de dólares.
A verdade é que o sucesso no Dota 2 não é linear. Não adianta ser bom com determinada personagem. Há que saber usá-la, sim, e ter uma boa noção das suas forças e fraquezas – embora muitas das vezes a aplicação prática se resuma a lutar ou fugir. Mas também há que saber lidar com os itens que podemos comprar para a personagem. A ordem pela qual os fazemos, as escolhas dentro da gigantesca panóplia de itens. Depois, a noção, a tomada de consciência de que Dota 2 é um jogo de equipa. Não adianta dominar uma lane se as outras forem irremediavelmente perdidas. Não adianta estar 40-0 se o inimigo está a destruir a nossa base. Dota 2 trabalha muito a componente de jogo em equipa. E fá-lo através de várias formas. A sinergia com alguns heróis é evidente e é sempre algo com que se pode e deve trabalhar na fase do draft. Huskar, por exemplo, é um herói cuja velocidade de ataque é maior quanto menor for a sua vida… Ou seja, quanto mais perto da morte estiver Huskar, mais devastador ele se torna para os inimigos em volta. O que faz com que Dazzle ou Oracle sejam parceiros perfeitos para ele, uma vez que ambos têm uma habilidade que, com as suas nuances, permite que o aliado alvo seja imortal durante um determinado período. A Shallow Grave do Dazzle diz que um aliado sob efeito da Shallow Grave fica impedido de levar dano mortal durante 5 segundos. O ulti do Oracle, False Promise, adia todo o dano e o dobro de todo o healing que o seu alvo levar por um período até 9 segundos… Ora, com entre 5 a 9 segundos de, praticamente, invulnerabilidade, um Huskar com meros 10 hitpoints consegue criar um matadouro enquanto o diabo esfrega um olho. “Overpowered”, dirão uns. “Impossível de derrotar”, dirão outros. É mais “bem-vindos ao Dota!”.
Certo é que se o jogo permite este tipo de sinergias quase perfeitas, o mesmo trata de deixar brechas suficientes na armadura para que seja possível dar-lhes a volta. Shallow Grave do Dazzle? Pois bem… O Axe adora isso. O seu ulti, Culling Blade, mata instantaneamente qualquer inimigo abaixo de determinados hitpoints… E, como não é “dano”, é “falece!”, não há nada que o Shallow Grave possa fazer quanto a isso. E para o False Promise do Oracle? Oh, há várias maneiras de se resolver isso. Porque não uma Winter Wyvern, com o seu Winter’s Curse? O seu ulti que amaldiçoa um inimigo para que todos os seus aliados sejam forçados a atacá-lo? Ai estás invulnerável durante 9 segundos, Huskar? Então aproveita esse tempinho e mata aquele teu colega ali.
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[ Todas as imagens aqui presentes, bem como todos os testes realizados com Dota 2 foram realizados na máquina fornecida pela Alientech, a ALIENTECH MASTER EDITION, cujos specs podem verificar aqui.]