Análise vídeo:

Algures no tempo, esse determinado por um número de quatro dígitos distante do que define a actualidade, vida extra-terrestre, vinda de além de qualquer estrela cuja luz alcança o planeta terra, invade o nosso planeta, não deixando alternativa à raça humana além de migrar para a lua. Como forma de repelir a invasão, os humanos criam uma raça de andróides auto-sustentáveis chamada YoRHa. Em NieR: Automata assumimos o papel de 2B, um modelo específico de YoRHa, que, acompanhada de 9S, é atribuído um conjunto de missões para concretizar no planeta mãe. É esta a história explorada em NieR: Automata, a sequela do spin-off de 2010 da série Drakengard, disponível para a PlayStation 4 e computadores Windows.

Yoko Taro é talvez das personalidades mais peculiares da indústria dos videojogos: não só pela persona que assume em público e à frente das câmaras, mas principalmente pelas narrativas que constrói. Estas não são particularmente contorcidas, mas a persistência em partir a quarta parede e as motivações niilistas acabam por temperar os seus jogos de forma a que a melhor maneira de os adjectivar não tem necessariamente conotações positivas fora de gostos muito específicos. Revelam qualidade e consistência por baixo da camada de estranheza e incompreensibilidade que o permeia, em vez de o fazer gratuitamente como em outras séries de Japanese Action RolePlaying Games JARPG ) (que poderão, ou não, incluir personagens da Disney). No seu repertório consta como trabalho mais notável NieR e a série Drakengard, que não são necessariamente jogos incríveis, mas incluem o indiscutivelmente o anteriormente descrito. Tendo desempenhado papeis relevantes em todos os jogos dessas séries à excepção de Drakengard 2 (PlayStation 2, 2005), seria de esperar ligações entre estes títulos ou alguma espécie de narrativa central a todos estes jogos, mas a realidade discorda.

O verdadeiro problema em ligar as narrativas do jogo provavelmente prender-se-á com motivos menos superficiais, isto é, a filosofia de design de Yoko Taro. Em entrevista à gameinformer, catorze meses antes do anúncio de NieR: Automata na conferência da Square Enix na Electronic Entertainment Expo (E3) de 2015, Yoko Taro escrutina parte do seu método de design de narrativas, denominando-o de backwards scriptwriting: decidir um final e construir todo o argumento e narrativa a partir daí, focando-se nos eventos importantes e que irão dar profundidade e textura à história e, consequentemente, ao jogo. Apesar de isto não condicionar necessariamente a existência de uma narrativa central a todos os seus jogos, poderá (ou não) constituir uma condicionante para a forma de como os ligar. Porém, cada um dos jogos em que Yoko Taro teve um papel relevante podem ser jogados sem conhecimento dos acontecimentos dos restantes, na verdade, e falando especificamente de NiER: Automata, não estaria a mentir que qualquer jogador que lhes pegue não se sentirá perdido até porque NiER: Automata é o meu primeiro provar deste pedaço de iguaria japonesa que é trabalho deste director. Porém, para aqueles que acompanharam o seu trabalho, poderão encontrar pequenas referências.

O grande acréscimo nesta nova franquia deve-se à presença da Platinum Games, experts teórico na arte dos jogos de Hack and Slash, verdadeiros sucessores no trabalho que Hideki Kamiya (também fundador da Platinum Games, após deixar a Capcom em 2006) fez a indústria dos videojogos se apaixonar. A Platinum Games, responsável pela série Bayonetta (que apesar de um início atribulado que levou a cortes de preço devido à fraca performance, mais tarde corrigida) e jogos como Metal Gear Rising: RevengenceMad WorldWonderfull 101, apesar de rechear da melhor forma e mostrar que tem o que é preciso para dar profundidade a combate, muitas vezes deixa a desejar nos aspectos técnicos e Automata não é excepção. As listas de combinações são extensas, apesar de deixadas à exploração do jogador, uma vez que não estão disponíveis para ver no jogo. Há que referir que, apesar do combate em terceira pessoa ser de elevada qualidade, quando é exigido combate close range em mechas, este é bastante limitado e deixa imenso a desejar. No entanto, essas secções apesar de extensas e capazes de cansar um jogador, ocorrem poucas vezes.

As quatro dificuldades disponíveis desde o início do jogo exploram a dificuldade da forma usual neste tipo de videojogos: dano infligido é reduzido e dano recebido é aumentado. Apesar de ser espectável, gostaríamos de ver neste tipo de jogos uma gradação mais original na dificuldade, atribuindo, por exemplo, movesets expandidos e inimigos que obrigassem ainda a mais tipos de abordagem diferentes, como no que toca às armas utilizadas (uma vez que a mudança é rápida através do D-Pad).

Se o perfil de NieR: Automata é o mesmo de um jogo de geração passada glorificado, os ganhos dessa decisão acabam por se perder por motivos que, por nós, só poderão ser justificados por uma má implementação de código ou falta de optimização para o hardware em questão. A PlayStation 4 já mostrou que é capaz de correr jogos de uma fidelidade gráfica bastante superior a Automata e com os tão desejados sessenta frames por segundo dourados em jogos que, tal como este, também são de mundo aberto, julgo que nos resta culpar o possível budget desenvolvimento humilde do jogo. Haverá porém remédio santo: falar dele aos nossos amigos e esperar que o próximo jogo receba um budget mais merecedor de uma fotografia e estética incrível, de um mundo invejável como este cyber-gothic-post-apocalyptic-steampunk world onde a acção decorre. A falta de critério e bom senso não assiste estes senhores, uma vez que todos os problemas que tive com framedrops que poderiam pôr em causa a jogabilidade foram fora de combate, não afetando assim a jogabilidade.

Mas ainda sem sair da estética do jogo, agora que a puxámos por outros motivos, não me lembro da última vez que me veio parar às mãos um jogo com uma estética e artstyle tão apelativo. Estes são os verdadeiros responsáveis pelos wows que o jogo consegue retirar das nossas cordas vocais. É bastante impressionante como a transição da concept art foi feita com tanta fidelidade, principalmente quando cingimos a nossa apreciação às personagens e a espaços mais confinados. A banda sonora também tem imenso que se lhe diga e, apesar de nem todos os temas terem a mesma qualidade associada, tem peças que certamente estariam na lista de melhores músicas de bandas sonoras de jogos de vídeo. Esta, por vezes, tem um feel de Final Fantasy XIII, mas felizmente é só isso que herda deste jogo.

NieR: Automata, apesar de ser um excelente jogo em termos de gamefeel e jogabilidade, só o é porque, além de estar bem implementado (excluindo a pequena questão relativamente aos fps descrita anteriormente), herda várias boas lições de jogos do passado mas da forma correcta, uma vez que a sua integração é fluída acima de tudo, tal como bem justificada. Apesar da tela do seu antecessor sobre a qual se desenha ser boa para o efeito (já este inovava em pequenas coisas, como integrar um ambiente bullet hell num RPG de acção – apesar da execução geral do jogo ser inferior) em Automata foi cimentado misturando novas ideias e outros géneros. O resultado final é bastante satisfatório e esta originalidade (que certamente não é exclusiva) é reinventada, remostrada, remisturada, de forma a poder ser admirada de igual forma, como fosse a primeira vez que as vemos implementadas.

NieR: Automata conta com vinte seis finais diferentes, grande parte dos quais consistem em paródias pelo quão específicos são. O primeiro final relevante é atingido após sensivelmente catorze horas de jogo, apesar de ser motivado continuar a jogar: a sequência de acontecimentos explorada é diferente ou de pontos de vista diferentes, estendendo a jogabilidade real para as trinta horas.

Apesar de ser um jogo que transpira qualidade para os apreciadores do género e da série, Automata não consiste na experiência de eleição para o jogador habituado às experiências triple A mais polidas da presente geração. Poderão encontrar porém, além de uma história original, bem contada e bem construída dentro do seu tom específico, um excelente motor de combate com inúmeros twists e, acima de tudo o resto, fluidez e consistência. Certamente um dos jogos que mais gostei de jogar neste início de ano e certamente um jogo para mais tarde voltar como prova da qualidade que Yoko Taro consegue atingir com as suas histórias e world building e prova da qualidade que a Platinum Games consegue atingir com o seu combate e solidez.