É um prazer imenso poder abraçar esta militância pelos videojogos para além da superficialidade do que é visível e conhecido, abaixo dos holofotes e dos cliques e hypes sensaborões, e pelo meio de muitos e-mails de PR desinteressantes encontrar aquele jogo do qual nunca se ouviu falar, e provavelmente nunca se iria ouvir falar não fosse a sorte tremenda que é escrever, mesmo que de forma amadora, sobre videojogos.

Ainda esta semana o meu caríssimo amigo, homónimo e membro do Rubber Chicken, o Ricardo Mota, tentou evangelizar-me para os lados do Gwent. Como jogo de cartas achei-o interessante, mas depois de alguns anos de volta do pai de todos os jogos de cartas de Fantasia – leia-se Magic, the Gathering obviamente – nem sequer Hearthstone conseguiu “pegar”, num lugar onde tanto Digimon e Pokémon TCGs e Yu-Gi-Oh também tentaram.

É irónico que foi mesmo há oito anos que um jogos de cartas recém-lançado acabou por arrebatar a minha atenção. Mas ao contrário do que eu estava habituado, este jogo não era um Trading Card Game, e a tónica era bastante diferente, de um género de jogo de cartas que eu nunca tinha experimentado. Living Card Game, como um amigo rapidamente se prontificou a explicar, apresenta uma abordagem diferente, e de certa forma mais próxima dos videojogos: ao invés de obrigar os jogadores a gastarem rios de dinheiro na esperança de encontrar AQUELA carta, um LCG “cresce” enquanto experiência de jogo através de expansões que adicionam um número e diversidade fixa ao jogo.

Com toda esta introdução esqueci-me de dizer de que jogo se trata. Dominion, o jogo de tabuleiro/de cartas do designer Donald Vaccharino, que venceu o prestigiado Spiel des Jahres em 2009.

Enquanto deck building game, Dominion impele os jogadores a irem construindo o seu baralho e as suas “mãos” ad hoc à medida que o jogo vai progredindo, ao contrário de TCGs como Magic em que cada jogador traz o seu baralho pré-feito. Mais do que um jogo de cartas como conhecemos, sempre senti que Dominion era acima de tudo um jogo de tabuleiro em toda a acepção do conceito.

Com o combate fora do contexto (ainda que hajam muuuuuitas formas de “atacar” os adversários), Dominion é um jogo delicioso de estratégia e de táctica on the run, misturada com a aleatoriedade que as cartas permitem. Foram anos em que passámos noites seguidas a jogar Dominion, sempre a testar combinações diferentes de setups e tentarmos perceber quem melhor se adaptava às diferenças, e saía vitorioso de cada jogo.

Age of Rivals, do estúdio RobotoGames apanhou-me na curva, a meio de uma reviradela de olhos e um suspiro por ver chegar ao mercado mais um deck builder game. Vindo de uma temporada de sucesso no Kongregate, Age of Rivals chega agora ao Steam por 9,99€ sem quaisquer in-app purchases o que para mim é logo um gigantesco ponto positivo a seu favor.

Compreendo o modelo de negócio de jogos como Hearthstone, mas admito que algo que me afasta é a ideia de que toda a máquina é oleada com milhares (ou milhões) de in-app purchases, acabando por dar invariavelmente vantagem a alguns jogadores em detrimento de outro. Em Age of Rivals todos estão em pé de igualdade. Só é possível desbloquear cartas com dinheiro ganho in-game e essa é a única forma de ir desbloqueando cartas ligeiramente mais fortes.

Visto que sempre exigi que um bom jogo de cartas fosse justo e equilibrado, e que ainda que o factor sorte possa ser um elemento diferenciador, que seja a perícia e a destreza de cada jogador a conduzir grande parte da maré de jogo. AoR traz isto, com o simples facto de que praticamente todas as cartas estão disponíveis para ambos os lados da mesa, e disponíveis para compra à vez.

Cada jogo é constituído por 4 rondas, sendo que cada ronda é constituída por diversas fases: compra e construção da “mesa” de cada jogador, conquista de 3 fortes do próprio “tabuleiro de jogo”, e finalmente uma fase de guerra directa, culminando na contabilização dos pontos de vitória que são cumulativas inter-rondas, e que definirão no final quem é o vencedor.

Temos constantemente de nos adaptar às cartas que temos à nossa disposição, entre cartas de produção de recursos (que embaratecem futuras compras e podem cobrar impostos ao adversário), outras que servem de defesa a ataques, a ataques propriamente ditos e a cartas que incluem grandes somas de Pontos de Vitória.

À semelhança de Hearthstone e Gwent, também Age of Rivals tem líderes ou “personagens jogáveis”, mas que não causam uma distinção tão grande quanto naqueles jogos. Aqui em AoR os líderes indicam apenas as cartas (de uma a três) que nos chegarão sempre à mão, e que são de alguma forma “exclusivas” do personagem.  

Muitas das cartas trazem habilidades incluídas que podem servir para dar boost a cartas que temos na mesa ou a condicionar as escolhas do adversário. É nesta balança entre o dinheiro que possuímos e que cartas podemos comprar e as que permitimos que o adversário compre, para além de gerirmos cartas que recebam descontos de recursos que produzimos, há uma complexidade tão grande de jogo para jogo, que explicar as milhentas mecânicas que compõem Age of Rivals é quase impossível. Trata-se de um daqueles casos em que o jogo está mecanicamente tão bem pensado que ainda que seja complexo, o contacto em primeira mão acaba por permitir uma compreensão e um desfrutar do jogo de forma quase imediata.

Como dizia no início deste artigo, é um prazer enorme e é altamente recompensador todo este trabalho diário no Rubber Chicken, quando nos cruzamos com jogos desta qualidade, quase totalmente desconhecidos, e que nos conseguem abalroar desta forma. Enquanto anda meio mundo (e de forma legítima e compreensível) completamente embevecido com Gwent e Hearthstone, encontrar um jogo como Age of Rivals que, apesar de pouco falado, tem imensos jogadores online para competirmos, mostra que esta militância pelo mercado indie é valorosa,e ao mesmo tempo valiosa.

Mais boardgame e mais living card game do que os 2 grandes nomes de videojogos de cartas da actualidade, sugiro-vos que mergulhem na versão gratuita (e igualmente desprovida de in-app purchases) no Kongregate, antes de mergulharem na versão mais completa do Steam. E percebam o porquê de um fã de boardgames como Civilization ou 7 Wonders está apaixonado por este jogo de cartas, onde não existe uma maneira certa de chegar à vitória, e seja pelo dinheiro, poder militar ou construção de edifícios, cedo percebemos que o segredo para a vitória reside na nossa capacidade de adaptação a cada situação.