To be a Metroidvania, or not to be, that is the question
Foi por completo acaso que contactei com Blaster Master na infância. Aqueles raros acontecimentos que os cartuchos coloridos das nossas Famiclones potenciavam, em linha de convergência com a falta de informação que tínhamos sobre o mercado dos jogos. Visto que muitos destes cartuchos não tinham qualquer informação sem ser um autocolante com caracteres japoneses cuja imagem podia não corresponder ao jogo, cada cartucho comprado era uma espécie de Kinder Surpresa: o que estava lá dentro só era conhecido depois de comprarmos o jogo, de soprarmos o cartucho e de pormos a consola a funcionar. Às vezes, e parafraseando o humorista português, “calhava cocó”.
Foi assim que o meu vizinho que tinha recebido o cartucho de Blaster Master (ou Chou-Wakusei Senki Metafight, porque se a memória não me falha o jogo tinha o título original, daí eu apelidá-lo de Metafight até há pouco) e que um dia, nas trocas por empréstimo de cartuchos ele me veio parar às mãos.
Blaster Master é difícil. Aliás, é dificílimo. Ou como apelidávamos há quase 30 anos com os comandos das nossas NES e Famiclones: “um jogo normal”. É verdade que a falta de passwords ou save states para um “metroidvania” (já explico o porquê das aspas), especialmente um tão cruel como este é algo injusto, sob o olhar actual, mas no início dos anos 1990 a dificuldade e a “crueldade” pareciam estar apenas alinhados com a tónica Nintendohard de grande parte das coisas que jogámos.
Blaster Master é um jogo que nunca teve (nem vai ter) tanta notoriedade quanto o jogo que obviamente lhe serviu de pedra basilar: Metroid. Nele controlamos Jason, um rapaz que caiu num buraco enquanto procurava o seu sapo e amigo chamado Fred. Nesse buraco encontrou um tanque chamado SOPHIA THE 3RD e com ele combateu os mutantes radioactivos que habitavam o centro da Terra.
Foi neste momento que quem adaptou o jogo para o Ocidente pousou num cinzeiro próximo a ganza que estava a fumar e recostou-se no cadeirão, imaginando o sentido da vida e o quão explosiva era a sua versão de Metafight. Sorriu. Tinha um esquilo azul a contar-lhe piadas ao ouvido.
É claro que esta diferença no enredo para a versão original é apenas flavour que percebemos hoje, mas que na altura em que o jogámos era perfeitamente indiferente, e só queríamos perceber quão bom o jogo era.
Sensivelmente 16 anos depois de o ter jogado, como disse, completamente por acaso, a Inti Create decidiu fazer Blaster Master Zero, um remake deste clássico da Sunsoft para a 3DS e para a Switch, mantendo o espírito, as mecânicas e a abordagem temática do original, estendendo ligeiramente o jogo e fazendo um tremendo update visual, que consegue manter a aura de jogo de 8 bits mas com a complexidade de algo feito nos dias de hoje.
Blaster Master Zero é jogado em sequências de plaforming bidimensional, no qual controlamos SOPHIA, o tanque, ou podemos ejectar-nos para podermos subir escadas ou chegar a áreas inacessíveis ao veículo, controlando assim Jason. Quando este entra nas “dungeons” a visão muda da vista de perfil habitual dos jogos de plataformas 2D para uma vista aérea, que culmina invariavelmente com uma boss fight e que nos concede um upgrade ao veículo.
Há alguns parágrafos utilizei o termo metroidvania entre aspas por sentir que apesar de existirem alguns paralelismos entre o famoso género surgido na NES, estas semelhanças não passam da tónica mecânica, tendo Blaster Master uma visão muito mais linear de progressão de níveis, e ainda que consigamos encontrar upgrades que nos permitem chegar a zonas anteriormente inacessíveis, este backtracking não é a espinha dorsal do jogo, mas apenas uma consequência deste fio condutor no qual progride todo o enredo.
O sistema de saves retira parte da frustração e desafio do jogo original, cuja dificuldade não foi adaptada a este paradigma. A introdução de um novo HUD e de um mapa ao estilo de Metroid ajudam a reduzir ainda mais essa frustração, ajudando não só no backtracking como a perceber para onde é que nos devemos deslocar.
Visto que a versão jogada foi a de Switch, é fácil percebermos no modo TV o quão deliciosa foi esta reinterpretação artística da pixel art original. Numa fase em que o mercado é inundado por remakes “apenas porque sim”, a Inti Creates faz um digno trabalho com o material original, mantendo toda a sua aura natural e trazendo-a actualizada para o mercado contemporâneo.
Blaster Master Zero está tão aprimorado para os dias de hoje que facilmente enganar-nos-íamos se nos dissessem que este jogo foi feito recentemente. Mas não foi. É apenas uma brilhante reinterpretação de um dos jogos mais subvalorizados do tremendo catálogo da NES.